Por Cynara Menezes, no blog Socialista Morena:
Não, não sou eu quem está dizendo isso: é a amalucada direita norte-americana, eterna fonte de inspiração da direita tupiniquim e de risadas para nós. Mais de 20 anos após a queda do muro de Berlim, parece não haver fim para a paranóia anti-comunista nos Estados Unidos, e o futebol não poderia ficar de fora –sinal de que o velho e bom socialismo ainda incomoda muita gente, até na maior nação capitalista do planeta.
Mas veja se não é hilário. Os direitistas gringos apontam inclusive a razão pela qual o esporte não faz sucesso nos EUA, ao contrário do mundo inteiro: porque soccer é praticamente sinônimo de socialismo! E você que achava que aquela grana toda que ganha o Neymar era puro capitalismo… Sigam o “raciocínio”:
– Futebol é um esporte coletivo e todos no time são estimulados a agir como grupo, não como indivíduos. Ahá, típico!
– Futebol é o único esporte que é jogado com os pés em vez das mãos. (Não entendo bem qual a relação com o socialismo, mas OK).
– Futebol é o único esporte com um grande número de torcedores proletários que costumam destruir a propriedade privada quando seus times perdem (o preconceito de classe não poderia faltar, claro).
– Futebol é o único esporte que pode terminar sem vencedores e perdedores. Quer algo mais socialista do que isto?
– Por último: a taça FIFA é igualzinha ao Emmy, e todo mundo sabe que Hollywood é socialista (ahn?).
Se você pensa que eu inventei, leia o original aqui. E assista abaixo este vídeo incrível onde um cara diz que futebol é “o caminho para o socialismo” e, inclusive, pecado (trata-se de uma paródia à estupidez da direita). “Futebol é contra Deus. Isso não pode ser chamado esporte. Só porque tem uma bola?” Com Barack Obama no poder, diz essa gente, o futebol ganhará a América, porque o presidente é… socialista. Sei.
Lamentavelmente, pelo menos para mim, essas histórias não passam de teoria da conspiração. Acredito que a paranoia tenha começado com a histórica partida entre Inglaterra e Hungria em 25 de novembro de 1953, no estádio de Wembley, considerado o jogo capitalistas X comunistas do século. O comunismo, ops, a Hungria ganhou por 6 a 3, com dois gols do lendário Puskas. Meses depois, novamente os húngaros goleariam os ingleses por 7 a 1 em Budapeste. Um baque que o império britânico levaria anos para digerir.
Mas dizer que o futebol é socialista em si, como faz o conservadorismo norte-americano, é uma bobagem sem tamanho se pensarmos na trajetória das duas Alemanhas, a Ocidental e a Oriental, no esporte. A capitalista sempre se saiu melhor no futebol, até porque os comunistas preferiam investir (tcharã!) em esportes indviduais –para você ver como as teorias reaças não resistem a cinco minutos de pesquisa. As diferenças políticas, porém, resultaram em belos duelos em campo também no futebol.
Fora da cortina-de-ferro, na verdade sempre houve atletas e treinadores simpatizantes do socialismo no futebol –reação natural, eu diria, diante da crescente mercantilização do esporte. Na mesma Inglaterra, o treinador Bill Shankly, que levou o Liverpool da segunda divisão para o tricampeonato nos anos 1970, era um socialista militante. “O socialismo em que eu acredito não é realmente política, é uma maneira de viver. É humanismo. Acho que a única maneira de viver e ter realmente sucesso é pelo esforço coletivo, com todo mundo trabalhando junto, se ajudando e compartilhando a recompensa no final. Assim eu vejo o futebol e assim eu vejo a vida”, dizia Shankly. É ou não é para a reaçada viajar na maionese?
Outros nomes célebres do futebol também demonstraram simpatia pelas teses da esquerda. O argentino Diego Maradona, amigo de Fidel e Chávez, tatuou Che Guevara no braço e está comentando a Copa para a venezuelana Telesur. O programa tem o sugestivo nome de De Zurda (de canhota) e Maradona já estreou atacando a cartolagem. “A FIFA leva 4 bilhões de dólares com a Copa. O país campeão fica com 35 milhões de dólares. Está errado isso. A multinacional está acabando com a bola. Você, Blatter, não faz nada e está rico. Não é como Bill Gates, que trabalha. Você não faz nada!” Um craque.
Sócrates e sua “democracia corintiana”, nos anos 1980, deram a mais importante contribuição da esquerda ao futebol brasileiro, nos estertores da ditadura militar. Os atletas conseguiram que todas as decisões do clube fossem votadas pelo grupo, em uma espécie de autogestão inédita no futebol. O doutor costumava dizer: “Sou socialista e morrerei socialista”. O punho cerrado na hora de comemorar mais um gol não era por acaso.
Não poderia esquecer do jornalista João Saldanha, militante do PCB (Partido Comunista Brasileiro) que foi demitido pelo general Emilio Médici do cargo de treinador da seleção que se sagraria tricampeã do mundo no México, em 1970. Autor de Quem Derrubou João Saldanha, o jornalista Carlos Vilarinho sustenta que o técnico, amigo de Carlos Marighella, se transformara em um incômodo para o regime, e por isso foi defenestrado já com o time escalado. Segundo Vilarinho, só Pelé não o apoiou (leia mais aqui). Quem se surpreende?
A origem do nome e da camisa vermelha do Sport Club Internacional é controversa: a versão oficial é que se inspirou em um time de São Paulo chamado Internacional. Mas há quem assegure que é uma homenagem à Internacional Socialista, e a escolha do vermelho para a camiseta não seria à toa. Fato é que alguns torcedores do time gaúcho costumam desfraldar no Beira-Rio uma versão da bandeira do Inter com a foice e o martelo.
A proliferação de torcidas fascistas na Itália (como a do Lazio), fez com que o país se tornasse pródigo em estrelas vermelhas do futebol, naturalmente anti-fascistas. Jogador do Perugia, Paolo Sollier se tornou famoso pelo livro Calci e sputi e colpi di testa, publicado em 1976, onde falava de sua militância na Vanguarda Operária e do futebol, sob um ponto de vista de esquerda. Sua saudação com o punho cerrado lhe rendeu antipatia de torcedores do próprio time. “Encontrei poucos jogadores para falar de política. Dos grandes daquela época (anos 1970), só Gianni Rivera (do Milan, hoje deputado) mostrou interesse: sua atividade pós-futebol confirma que tinha uma boa cabeça. Dos outros, nenhuma notícia.”
Cristiano Lucarelli, chamado de “o goleador dos humildes”, também fã de Che Guevara como Maradona, surgiu no Perugia e atuou no Livorno, cidade e time com tradição comunista: lá nasceu o PCI, o Partido Comunista Italiano. Lucarelli, filho de estivador e militante de esquerda, cresceu treinando futebol durante o dia e lendo o Manifesto Comunista à noite. Em 1997, foi banido da seleção italiana sub-21 por mostrar uma camiseta do Che por baixo do uniforme ao comemorar um gol. Em 2003, recusou convites milionários para jogar no Livorno. “Para alguns, um sonho é ser milionário, comprar uma Ferrari, um iate. Para mim o melhor da vida seria jogar em Livorno”, disse. Olé.
Recentemente, a animada torcida do pequeno Omonoia, do Chipre, tem se destacado por suas manifestações pró-comunistas. De repente, não mais que de repente, brota uma foice e um martelo nas arquibancadas. Ah, se fosse nos Estados Unidos…
E não podemos esquecer a homenagem que o Madureira fez, no ano passado, a Che Guevara, lançando camisetas do time com a estampa do guerrilheiro argentino. Em 1963, o Madureira foi o primeiro time brasileiro a visitar Cuba, e os jogadores foram recebidos pelo Che em pessoa. A camiseta foi a mais vendida da história do clube, provando que o socialismo é mesmo imbatível em estamparia.
Para fechar, este depoimento de Dejan Petkovic a Ana Maria Braga. Nascido na Sérvia, ex-Iugoslávia, o jogador radicado no Brasil não esconde suas simpatias políticas. Plim-plim.
Em resumo: sim, há comunistas no futebol, mas eles são infelizmente exceção e não a regra. Se a teoria dos conservadores abilolados fosse correta, talvez o esporte não tivesse se distanciado tanto da “arte” para se tornar apenas uma mina de ouro, talvez não tivessem feito tantas barbaridades para fazer a Copa no Brasil e talvez os atletas conseguissem concatenar melhor as ideias quando se trata de falar de política. Não é mesmo, Ronaldo?
Não, não sou eu quem está dizendo isso: é a amalucada direita norte-americana, eterna fonte de inspiração da direita tupiniquim e de risadas para nós. Mais de 20 anos após a queda do muro de Berlim, parece não haver fim para a paranóia anti-comunista nos Estados Unidos, e o futebol não poderia ficar de fora –sinal de que o velho e bom socialismo ainda incomoda muita gente, até na maior nação capitalista do planeta.
Mas veja se não é hilário. Os direitistas gringos apontam inclusive a razão pela qual o esporte não faz sucesso nos EUA, ao contrário do mundo inteiro: porque soccer é praticamente sinônimo de socialismo! E você que achava que aquela grana toda que ganha o Neymar era puro capitalismo… Sigam o “raciocínio”:
– Futebol é um esporte coletivo e todos no time são estimulados a agir como grupo, não como indivíduos. Ahá, típico!
– Futebol é o único esporte que é jogado com os pés em vez das mãos. (Não entendo bem qual a relação com o socialismo, mas OK).
– Futebol é o único esporte com um grande número de torcedores proletários que costumam destruir a propriedade privada quando seus times perdem (o preconceito de classe não poderia faltar, claro).
– Futebol é o único esporte que pode terminar sem vencedores e perdedores. Quer algo mais socialista do que isto?
– Por último: a taça FIFA é igualzinha ao Emmy, e todo mundo sabe que Hollywood é socialista (ahn?).
Se você pensa que eu inventei, leia o original aqui. E assista abaixo este vídeo incrível onde um cara diz que futebol é “o caminho para o socialismo” e, inclusive, pecado (trata-se de uma paródia à estupidez da direita). “Futebol é contra Deus. Isso não pode ser chamado esporte. Só porque tem uma bola?” Com Barack Obama no poder, diz essa gente, o futebol ganhará a América, porque o presidente é… socialista. Sei.
Lamentavelmente, pelo menos para mim, essas histórias não passam de teoria da conspiração. Acredito que a paranoia tenha começado com a histórica partida entre Inglaterra e Hungria em 25 de novembro de 1953, no estádio de Wembley, considerado o jogo capitalistas X comunistas do século. O comunismo, ops, a Hungria ganhou por 6 a 3, com dois gols do lendário Puskas. Meses depois, novamente os húngaros goleariam os ingleses por 7 a 1 em Budapeste. Um baque que o império britânico levaria anos para digerir.
Mas dizer que o futebol é socialista em si, como faz o conservadorismo norte-americano, é uma bobagem sem tamanho se pensarmos na trajetória das duas Alemanhas, a Ocidental e a Oriental, no esporte. A capitalista sempre se saiu melhor no futebol, até porque os comunistas preferiam investir (tcharã!) em esportes indviduais –para você ver como as teorias reaças não resistem a cinco minutos de pesquisa. As diferenças políticas, porém, resultaram em belos duelos em campo também no futebol.
Fora da cortina-de-ferro, na verdade sempre houve atletas e treinadores simpatizantes do socialismo no futebol –reação natural, eu diria, diante da crescente mercantilização do esporte. Na mesma Inglaterra, o treinador Bill Shankly, que levou o Liverpool da segunda divisão para o tricampeonato nos anos 1970, era um socialista militante. “O socialismo em que eu acredito não é realmente política, é uma maneira de viver. É humanismo. Acho que a única maneira de viver e ter realmente sucesso é pelo esforço coletivo, com todo mundo trabalhando junto, se ajudando e compartilhando a recompensa no final. Assim eu vejo o futebol e assim eu vejo a vida”, dizia Shankly. É ou não é para a reaçada viajar na maionese?
Outros nomes célebres do futebol também demonstraram simpatia pelas teses da esquerda. O argentino Diego Maradona, amigo de Fidel e Chávez, tatuou Che Guevara no braço e está comentando a Copa para a venezuelana Telesur. O programa tem o sugestivo nome de De Zurda (de canhota) e Maradona já estreou atacando a cartolagem. “A FIFA leva 4 bilhões de dólares com a Copa. O país campeão fica com 35 milhões de dólares. Está errado isso. A multinacional está acabando com a bola. Você, Blatter, não faz nada e está rico. Não é como Bill Gates, que trabalha. Você não faz nada!” Um craque.
Sócrates e sua “democracia corintiana”, nos anos 1980, deram a mais importante contribuição da esquerda ao futebol brasileiro, nos estertores da ditadura militar. Os atletas conseguiram que todas as decisões do clube fossem votadas pelo grupo, em uma espécie de autogestão inédita no futebol. O doutor costumava dizer: “Sou socialista e morrerei socialista”. O punho cerrado na hora de comemorar mais um gol não era por acaso.
Não poderia esquecer do jornalista João Saldanha, militante do PCB (Partido Comunista Brasileiro) que foi demitido pelo general Emilio Médici do cargo de treinador da seleção que se sagraria tricampeã do mundo no México, em 1970. Autor de Quem Derrubou João Saldanha, o jornalista Carlos Vilarinho sustenta que o técnico, amigo de Carlos Marighella, se transformara em um incômodo para o regime, e por isso foi defenestrado já com o time escalado. Segundo Vilarinho, só Pelé não o apoiou (leia mais aqui). Quem se surpreende?
A origem do nome e da camisa vermelha do Sport Club Internacional é controversa: a versão oficial é que se inspirou em um time de São Paulo chamado Internacional. Mas há quem assegure que é uma homenagem à Internacional Socialista, e a escolha do vermelho para a camiseta não seria à toa. Fato é que alguns torcedores do time gaúcho costumam desfraldar no Beira-Rio uma versão da bandeira do Inter com a foice e o martelo.
A proliferação de torcidas fascistas na Itália (como a do Lazio), fez com que o país se tornasse pródigo em estrelas vermelhas do futebol, naturalmente anti-fascistas. Jogador do Perugia, Paolo Sollier se tornou famoso pelo livro Calci e sputi e colpi di testa, publicado em 1976, onde falava de sua militância na Vanguarda Operária e do futebol, sob um ponto de vista de esquerda. Sua saudação com o punho cerrado lhe rendeu antipatia de torcedores do próprio time. “Encontrei poucos jogadores para falar de política. Dos grandes daquela época (anos 1970), só Gianni Rivera (do Milan, hoje deputado) mostrou interesse: sua atividade pós-futebol confirma que tinha uma boa cabeça. Dos outros, nenhuma notícia.”
Cristiano Lucarelli, chamado de “o goleador dos humildes”, também fã de Che Guevara como Maradona, surgiu no Perugia e atuou no Livorno, cidade e time com tradição comunista: lá nasceu o PCI, o Partido Comunista Italiano. Lucarelli, filho de estivador e militante de esquerda, cresceu treinando futebol durante o dia e lendo o Manifesto Comunista à noite. Em 1997, foi banido da seleção italiana sub-21 por mostrar uma camiseta do Che por baixo do uniforme ao comemorar um gol. Em 2003, recusou convites milionários para jogar no Livorno. “Para alguns, um sonho é ser milionário, comprar uma Ferrari, um iate. Para mim o melhor da vida seria jogar em Livorno”, disse. Olé.
Recentemente, a animada torcida do pequeno Omonoia, do Chipre, tem se destacado por suas manifestações pró-comunistas. De repente, não mais que de repente, brota uma foice e um martelo nas arquibancadas. Ah, se fosse nos Estados Unidos…
E não podemos esquecer a homenagem que o Madureira fez, no ano passado, a Che Guevara, lançando camisetas do time com a estampa do guerrilheiro argentino. Em 1963, o Madureira foi o primeiro time brasileiro a visitar Cuba, e os jogadores foram recebidos pelo Che em pessoa. A camiseta foi a mais vendida da história do clube, provando que o socialismo é mesmo imbatível em estamparia.
Para fechar, este depoimento de Dejan Petkovic a Ana Maria Braga. Nascido na Sérvia, ex-Iugoslávia, o jogador radicado no Brasil não esconde suas simpatias políticas. Plim-plim.
Em resumo: sim, há comunistas no futebol, mas eles são infelizmente exceção e não a regra. Se a teoria dos conservadores abilolados fosse correta, talvez o esporte não tivesse se distanciado tanto da “arte” para se tornar apenas uma mina de ouro, talvez não tivessem feito tantas barbaridades para fazer a Copa no Brasil e talvez os atletas conseguissem concatenar melhor as ideias quando se trata de falar de política. Não é mesmo, Ronaldo?
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