Por Rafael Gonçalves de Lima, de Pequim, no site Vermelho:
Nelson Rodrigues já tinha nos alertado sobre o complexo de vira-latas dos brasileiros. Excluindo-se a discriminação contra essa raça de cães tão malandra, resistente e esperta, assim como o povo brasileiro, parece que ele tinha certa razão.
Para o dramaturgo pernambucano, o “complexo de vira-lata” é uma atitude de inferioridade na qual muitos brasileiros se colocam voluntariamente. Foi o que vimos acontecer ontem (8) após a perda do Brasil para a Alemanha por 7x1.
O jogo mal tinha acabado e as redes sociais já estavam abarrotadas de mensagens e memes fazendo chacotas sobre a atuação da seleção brasileira. Um grande amigo meu publicou que “o Brasil tá igual ao Michael Jackson, preparou o show, vendeu ingressos e morreu em casa”. Outro, que é médico, disse que “nem a Volkswagen faz 5 Gols em 30 minutos”. Como eu vivo na China, uma prima me mandou uma mensagem dizendo “ainda bem que você não está aqui, nossa seleção é só vergonha”.
Vergonha mesmo é a incapacidade que nós, brasileiros, temos de separar alhos de bugalhos. Nós não perdemos a Copa, nós a ganhamos!
Ganhamos a Copa quando esse povo sofrido, jogado desnecessariamente na pobreza, no atraso e na ignorância, fez sair desse país ainda caracteristicamente escravocrata e vassalo, um espetáculo moderno que não ficou atrás de nenhuma Copa realizada nos países desenvolvidos da América do Norte, Europa e Ásia.
Ganhamos a Copa quando, deixando suas frustações e demandas de lado, o povo brasileiro deixou de ir para as ruas protestar para se lembrar, por um momento, de quem realmente é - povo amigo, festeiro, alegre e que ama a paz - para se reunir em família e se lembrar que ainda existe algum orgulho de ser brasileiro. Ou já nos esquecemos dos jogadores com as torcidas do Brasil cantando o hino nacional mesmo depois de a FIFA ter parado de tocá-lo e gritando a plenos pulmões “eu, sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor oh oh”?
Ganhamos a Copa, quando David Luís, após vencer a Colômbia, foi o mais brasileiro dos brasileiros, abraçou o amigo latinoamericano, James Rodríguez, e o consolou, se levantando em vitória vestindo a camisa daquele que havia acabado de derrotar em campo, homenageando-o e pedindo para que a nossa torcida o aplaudisse. Ganhamos, quando o mesmo David Luís, ao chorar pela derrota humilhante diante da Alemanha, numa consciência clara de seu papel como brasileiro, afirmando que “só queria dar alegria pro meu povo que sofre tanto por tanta coisa”.
Ganhamos, quando por ocasião desse mundial, a China, país tão distante e tão desconhecido dos brasileiros, dedicou uma série de canais de televisão para dia e noite transmitir a Copa do Brasil.
São horas e horas de transmissão, não apenas do espetáculo futebolístico, mais também apresentando o Brasil, a nossa cultura, o nosso povo e até mesmo uma parte dos nossos problemas. Não faz mais de uma semana que a CCTV 6 passou o filme “Central do Brasil”, dublado em chinês, quebrando assim a barreira linguística que separa os nossos povos e permitindo que os chineses pudessem, de alguma forma, se identificar com a Dora, com o Josué, com a Irene, com a Ana, com o Cesar, com o Pedrão, com o Moises, com a Filomena. Para os que vivem em Pequim, basta pegar a linha 4 do metrô para ver cartazes enormes com fotos de brasileiros que vivem na China, colocados por ocasião deste Mundial.
Bem ou mal, o mundo conhece melhor o Brasil por causa desta Copa. Começa a conhecer aquele Brasil que é o que é, com sua violência, com sua pobreza e com seu atraso mas, também começa a conhecer um Brasil que recebe todos os povos de braços abertos, que sofre sorrindo, que dribla os problemas, que não pisa na bola com os amigos, que acorda às cinco da manhã para suar a camisa e que, apesar dos pesares, não deixa nunca de lutar por uma vida show de bola.
Ganhamos a Copa por sermos o que somos e não por sermos o que alguns gostariam que fôssemos!
Sim, a derrota foi humilhante. Entretanto, não podemos esquecer que futebol é a arte das surpresas e também que estávamos em um mata-mata. Um tinha de perder. É futebol. E por ser futebol, perdido em campo, porque se envergonhar tanto? Por que queimar a nossa bandeira, tão mais verde que as outras, como quem queima a Amazônia? Por que queimar ônibus como se isso fosse uma forma de mostrar para alguém que não se aceita a derrota por acharmos que somos os “melhores do mundo”?
Chega de sermos vira-latas. O mundo precisa aprender a se relacionar com o Brasil como ele realmente é. Ganhador ou perdedor, somos um dos países com uma das maiores potencialidades no mundo. Temos a chance de alimentarmos a nós mesmos e a boa parte da humanidade. Se nos desenvolvermos e investirmos, poderá sair do Brasil a nova matriz energética que ajudará a salvar o mundo de uma catástrofe ambiental. De todos os países do planeta, é o Brasil o país com a maior quantidade de terras bombardeadas pela luz solar. Isso é uma fonte energética sem tamanho.
A Copa é no Brasil, assim como será no Brasil a sexta reunião de cúpula dos líderes do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e Índia), e as Olimpíadas, em 2016. Se tudo isso é ou não usado para fins eleitoreiros, é outra discussão. Falo de povo, falo de civilização. Somos grandes, somos potência e precisamos pensar como tal. Se apresentar como tal.
De mim, fica a torcida para que a Celeste erga a taça. A Copa já é nossa. A taça, seria melhor que ficasse na América do Sul com os nossos também irmãos argentinos. Assim a conquista poderá ser celebrada em nossa língua mais irmã, o espanhol, sob os aplausos da torcida brasileira e da grande nação latino-americana.
(*) Rafael Gonçalves de Lima é bacharel em Relações Internacionais pela Faculdades de Campinas (FACAMP) e atualmente faz mestrado em Relações Internacionais na Universidade de Jilin, na China, com bolsa do governo chinês.
Nelson Rodrigues já tinha nos alertado sobre o complexo de vira-latas dos brasileiros. Excluindo-se a discriminação contra essa raça de cães tão malandra, resistente e esperta, assim como o povo brasileiro, parece que ele tinha certa razão.
Para o dramaturgo pernambucano, o “complexo de vira-lata” é uma atitude de inferioridade na qual muitos brasileiros se colocam voluntariamente. Foi o que vimos acontecer ontem (8) após a perda do Brasil para a Alemanha por 7x1.
O jogo mal tinha acabado e as redes sociais já estavam abarrotadas de mensagens e memes fazendo chacotas sobre a atuação da seleção brasileira. Um grande amigo meu publicou que “o Brasil tá igual ao Michael Jackson, preparou o show, vendeu ingressos e morreu em casa”. Outro, que é médico, disse que “nem a Volkswagen faz 5 Gols em 30 minutos”. Como eu vivo na China, uma prima me mandou uma mensagem dizendo “ainda bem que você não está aqui, nossa seleção é só vergonha”.
Vergonha mesmo é a incapacidade que nós, brasileiros, temos de separar alhos de bugalhos. Nós não perdemos a Copa, nós a ganhamos!
Ganhamos a Copa quando esse povo sofrido, jogado desnecessariamente na pobreza, no atraso e na ignorância, fez sair desse país ainda caracteristicamente escravocrata e vassalo, um espetáculo moderno que não ficou atrás de nenhuma Copa realizada nos países desenvolvidos da América do Norte, Europa e Ásia.
Ganhamos a Copa quando, deixando suas frustações e demandas de lado, o povo brasileiro deixou de ir para as ruas protestar para se lembrar, por um momento, de quem realmente é - povo amigo, festeiro, alegre e que ama a paz - para se reunir em família e se lembrar que ainda existe algum orgulho de ser brasileiro. Ou já nos esquecemos dos jogadores com as torcidas do Brasil cantando o hino nacional mesmo depois de a FIFA ter parado de tocá-lo e gritando a plenos pulmões “eu, sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor oh oh”?
Ganhamos a Copa, quando David Luís, após vencer a Colômbia, foi o mais brasileiro dos brasileiros, abraçou o amigo latinoamericano, James Rodríguez, e o consolou, se levantando em vitória vestindo a camisa daquele que havia acabado de derrotar em campo, homenageando-o e pedindo para que a nossa torcida o aplaudisse. Ganhamos, quando o mesmo David Luís, ao chorar pela derrota humilhante diante da Alemanha, numa consciência clara de seu papel como brasileiro, afirmando que “só queria dar alegria pro meu povo que sofre tanto por tanta coisa”.
Ganhamos, quando por ocasião desse mundial, a China, país tão distante e tão desconhecido dos brasileiros, dedicou uma série de canais de televisão para dia e noite transmitir a Copa do Brasil.
São horas e horas de transmissão, não apenas do espetáculo futebolístico, mais também apresentando o Brasil, a nossa cultura, o nosso povo e até mesmo uma parte dos nossos problemas. Não faz mais de uma semana que a CCTV 6 passou o filme “Central do Brasil”, dublado em chinês, quebrando assim a barreira linguística que separa os nossos povos e permitindo que os chineses pudessem, de alguma forma, se identificar com a Dora, com o Josué, com a Irene, com a Ana, com o Cesar, com o Pedrão, com o Moises, com a Filomena. Para os que vivem em Pequim, basta pegar a linha 4 do metrô para ver cartazes enormes com fotos de brasileiros que vivem na China, colocados por ocasião deste Mundial.
Bem ou mal, o mundo conhece melhor o Brasil por causa desta Copa. Começa a conhecer aquele Brasil que é o que é, com sua violência, com sua pobreza e com seu atraso mas, também começa a conhecer um Brasil que recebe todos os povos de braços abertos, que sofre sorrindo, que dribla os problemas, que não pisa na bola com os amigos, que acorda às cinco da manhã para suar a camisa e que, apesar dos pesares, não deixa nunca de lutar por uma vida show de bola.
Ganhamos a Copa por sermos o que somos e não por sermos o que alguns gostariam que fôssemos!
Sim, a derrota foi humilhante. Entretanto, não podemos esquecer que futebol é a arte das surpresas e também que estávamos em um mata-mata. Um tinha de perder. É futebol. E por ser futebol, perdido em campo, porque se envergonhar tanto? Por que queimar a nossa bandeira, tão mais verde que as outras, como quem queima a Amazônia? Por que queimar ônibus como se isso fosse uma forma de mostrar para alguém que não se aceita a derrota por acharmos que somos os “melhores do mundo”?
Chega de sermos vira-latas. O mundo precisa aprender a se relacionar com o Brasil como ele realmente é. Ganhador ou perdedor, somos um dos países com uma das maiores potencialidades no mundo. Temos a chance de alimentarmos a nós mesmos e a boa parte da humanidade. Se nos desenvolvermos e investirmos, poderá sair do Brasil a nova matriz energética que ajudará a salvar o mundo de uma catástrofe ambiental. De todos os países do planeta, é o Brasil o país com a maior quantidade de terras bombardeadas pela luz solar. Isso é uma fonte energética sem tamanho.
A Copa é no Brasil, assim como será no Brasil a sexta reunião de cúpula dos líderes do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e Índia), e as Olimpíadas, em 2016. Se tudo isso é ou não usado para fins eleitoreiros, é outra discussão. Falo de povo, falo de civilização. Somos grandes, somos potência e precisamos pensar como tal. Se apresentar como tal.
De mim, fica a torcida para que a Celeste erga a taça. A Copa já é nossa. A taça, seria melhor que ficasse na América do Sul com os nossos também irmãos argentinos. Assim a conquista poderá ser celebrada em nossa língua mais irmã, o espanhol, sob os aplausos da torcida brasileira e da grande nação latino-americana.
(*) Rafael Gonçalves de Lima é bacharel em Relações Internacionais pela Faculdades de Campinas (FACAMP) e atualmente faz mestrado em Relações Internacionais na Universidade de Jilin, na China, com bolsa do governo chinês.
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