sábado, 5 de julho de 2014

Dilma colheu o que não semeou

Por Miguel do Rosário, no blog O Cafezinho:

O artigo do professor Wanderley Guilherme, reproduzido abaixo, chega em boa hora.

Chega no momento em que os jornalões tentam remover à força, do texto final de programa de governo, qualquer menção à “democratização da mídia”.

Acontece que, sinceramente, o importante não é tanto o tema aparecer no programa de governo, porque isso não quer dizer muita coisa. Se o governo não tiver o desejo de, efetivamente, enfrentar o tema, ele será engavetado no dia seguinte de uma eventual vitória eleitoral.

A luta não consiste em constar ou não em programa de governo, e sim em fazer a luta política no aqui e no agora. Pois não se trata de um “programa”, mas de uma luta democrática que travamos dia e noite.

Há muito que a luta democrática da comunicação extravasou a questão de governo.

A luta pela democratização da mídia está nas ruas e nas redes.

O que a gente pede, há tempos, ao governo, é que, ao menos, não atrapalhe. Que tenha a dignidade de propor o debate. De não pactuar com a tentativa das corporações, em aliança com oligarcas políticos do Congresso, de censurar a mera discussão do tema.

A democratização da mídia não contém o desejo de censurar ninguém.

O que se procura não é promover uma imprensa amordaçada e chapa-branca, que não critique o governo.

É o contrário. Quer-se tirar o monopólio da crítica das mãos da grande mídia, que transforma esse monopólio em poder de chantagem.

Historicamente, a mídia comercial usa o poder de crítica aos governos não para fazer jornalismo, mas para arrancar contratos e orientar políticas públicas de acordo com seus interesses econômicos e políticos.

Não são apenas Globo, Folha e Veja que tem críticas ao governo.

Só que as críticas deles são sempre no sentido de pressionar o governo a tomar “medidas impopulares”, tipo arrochar o salário, elevar os juros e enfraquecer o Estado. Ou então pior ainda: pressionar políticas públicas que enriqueçam seus anunciantes.

Há outras forças querendo criticar o governo para que baixe os juros, aumente os salários, fortaleça o Estado. Suas bandeiras não visam satisfazer grandes anunciantes, mas orientar políticas públicas que beneficiem outros segmentos da população que não os “amigos da mídia”.

Um dos grandes danos que a mídia fez ao Brasil, por exemplo, foi nunca ter abraçado a causa do transporte ferroviário. E isso porque um dos principais patrocinadores da grande mídia sempre foi a indústria automobilística.

Em geral, as forças partidárias e governamentais sossegam facilmente. Bastam um ou dois editoriais favoráveis, alguns dias de pauta positiva e pronto, acabou-se a vontade de promover qualquer mudança na mídia.

Quem mais sofre com a mídia não é exatamente a presidenta e seus ministros, cujas responsabilidades políticas e administrativas são tão colossais que não dispõem de tempo ou nervos para se preocupar com a desinformação, e tem equipes que fazem uma seleta triagem das notícias e análises que lhe chegam às mãos. Os famosos “clippings” que chegam à cúpula do poder prestam, assim, um desserviço ao entendimento da opinião pública, afastando a liderança política da sociedade, ou seja, alienando-a.

A presidenta parece só se dar conta de que a mídia é ruim quando duas CPIs desabam em suas costas, ou quando precisa demitir um ministro ou um funcionário por causa de um escândalo sensacionalista. E ela não tem optado pelo enfrentamento, mas sempre pelo corte de cabeças, permitindo que a mídia promovesse, há alguns anos, uma verdadeira devastação nos quadros administrativos e partidários. E não para melhor.

Quem sofre com a mídia é o cidadão comum, que não tem para onde correr. Uns entram na internet, leem a blogosfera. Mas nem todos conhecem, ou se sentem à vontade nesse novo ambiente, que requer mais tempo e mais engajamento.

A maioria precisa de informação rápida, para consumir no carro, no transporte público, nos poucos minutos livres do dia. E isso não há. As TVs abertas brasileiras radicalizaram-se de maneira avassaladora.

Tornaram-se antichavistas num país sem Chávez.

Não dá mais para trocar de canal, porque é cada um pior que o outro. E na verdade, nem a Record se salva, por causa de sua dependência excessiva de um determinado grupo religioso.

A direita cresceu no espectro rádio. Jovem Pan e CBN também se radicalizaram, contratando os mesmos pitbulls que já atuam na imprensa escrita, digital e televisiva.

Não creio que há democracia no mundo que testemunhe um cartel ideologicamente tão fechado e reacionário como vemos no Brasil.

Em outros países latino-americanos, foram criadas alternativas. A Telesur opera na TV aberta em quase toda a América do Sul de língua espanhola, fazendo um jornalismo corajoso e diferente.

Aprovaram-se leis democráticas de mídia, que não promoveram nenhuma censura. Ao contrário, ampliaram a pluralidade, e a oposição continua presente e hegemônica na imprensa.

Aliás, soube outro dia que o líder da oposição na Venezuela, o Capriles, é proprietário dos principais meios de comunicação do país.

Em toda a América Latina, a direita se sustenta em meios de comunicação historicamente mais comprometidos com interesses norte-americanos do que com os nossos próprios interesses.

O que seria ideal é que o governo promovesse um debate público e transparente sobre o tema da comunicação, chamando especialistas do mundo inteiro. Afinal, não adianta incluir democratização da mídia em programa de governo apenas para “constar”, ou para satisfazer a “militância”, durante uma campanha eleitoral, e depois esquecer o assunto, ou perder de antemão o debate no Congresso por causa do massacre na mídia corporativa.

É preciso discutir isso à luz do dia, com tranquilidade, livre dos ridículos histerismos antibolivarianos dos barões da mídia e seus lacaios.

É preciso mostrar ao Brasil como outros países lidam com esse tema.

Ao texto do professor.

*****

Dilma Rousseff colheu o que não semeou
A presidenta colheu precisamente os resultados do que não semeou: não promoveu a emergência de um sistema democrático de informação.

Por Wanderley Guilherme dos Santos, na
Carta Maior.

Aproveitando a vaia pornofônica que singularizou a participação dos reacionários e distraídos na abertura da Copa das Copas, a oposição saiu-se com o comentário de que a presidenta Dilma Roussef colheu o que semeou. Pensou que estava abafando. Não estava. Para além da falta de compostura e civilidade, a oposição errava outra vez no diagnóstico. A presidenta colheu precisamente os resultados do que não semeou: não promoveu a emergência de um sistema de informação democratizado.

A falta de pluralismo nos meios de comunicação não é ambição de esquerdas partidárias. Trata-se da prestação de um serviço privado, pago por consumidores, atualmente fraudados em suas aspirações de consumo. Ler um jornal, uma revista ou assistir ao noticiário da televisão faz parte da pauta de itens que a vida moderna põe, ou devia por, à disposição de quem os deseje usufruir. E os consumidores têm o direito de protestar. Assim como os passageiros urbanos reclamam da qualidade dos serviços pelos quais pagam, os leitores e espectadores insatisfeitos se julgam ludibriados pelos fornecedores da mercadoria que compram.

Os jornais, revistas e emissoras de televisão registraram com olhos complacentes os quebra-quebras aleatórios propulsionados pela carestia e falta de qualidade dos transportes em circulação. Não seria bom para a democracia, tal como não o eram os destemperos de violência, que os desgostosos com o pífio padrão do jornalismo, minorias como as de junho do ano passado ou maiorias como a queda de audiência e circulação atestam, empastelassem jornais ou ocupassem estações de televisão, exigindo participação e honestidade de gestão.

Durante o período que antecedeu a Copa das Copas e não somente em relação a ela, os meios de informação sonegaram centenas, milhares de notícias altamente relevantes para a vida dos leitores e espectadores. Mais do que isso, disseminaram incansavelmente uma visão de mundo incompatível com a realidade dos fatos. Era falso que os aeroportos, estádios, avenidas e metrôs não iriam ficar prontos. Era falso que os gramados não drenariam as chuvas, as comunicações não funcionariam, os holofotes não acenderiam. Era falso que os turistas seriam assaltados, que não haveria segurança, que conflitos gigantescos ofuscariam os jogos nos campos de futebol pela pancadaria generalizada nas arenas do lado de fora. Tudo falso. Moeda falsa. Produto estragado vendido a preço de luxo.

As trombetas da derrocada econômica, da inflação sem controle, do afinal bem vindo desemprego, são igualmente serviço fraudulento. Os leitores estão sendo diariamente lesados em sua boa fé, duplamente: não são informados do que ocorre efetivamente na sua cidade, no seu estado e no país, e são levados a acreditar que há um pesadelo à espreita assim que puserem os pés fora de casa. Quando não o vêem não é porque não exista, mas porque ainda não chegou a alguns lares: inflação, desemprego, falta de saúde e de educação; pior, falta de perspectiva.

A lição é terrível. Dela sabiam os tiranos da antiguidade, os tiranos da contemporaneidade os imitaram: um sistema articulado de falsidades pode produzir os delírios fantasistas ou as angústias aterradoras de uma droga, se absorvido por tempo suficiente. Uma imprensa oligopolizada é nada menos do que uma droga. Eficientíssima, capaz de produzir o pessimismo sem fundamento das análises econômicas, tanto quanto o desvario irracional das vaias pornofônicas. Ao se manter indiferente à péssima qualidade do serviço pago, inclusive com as bondades das concessões e outras benfeitorias, a presidenta Dilma Rousseff colheu o que não semeou.

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