Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
Os jornais brasileiros reagem com certo distanciamento ao entrevero verbal que coloca em rota de colisão o Brasil e Israel. A declaração grosseira do porta-voz da chancelaria israelense – de que o Brasil é um “anão diplomático” e um “parceiro diplomático irrelevante” – tem potencial para detonar uma crise de proporções mais graves. E ganha destaque na imprensa, mas deveria ser minimizada pelas evidências de que se trata de uma manobra friamente calculada.
Ao abrir uma controvérsia com base em ironias e incontinência verbal, o governo de Israel apenas aplica uma das técnicas mais conhecidas de gestão de crise em comunicação. Ou alguém acha que, em meio ao sangrento massacre de civis palestinos, entre os quais grande número de crianças e mulheres, faltaria espaço para o uso calculado de táticas diversionistas? Ao fim das contas, os arquivos da História estarão lotados de declarações que serão usadas para, se não justificar, pelo menos explicar certos crimes que a consciência comum se recusa a aceitar.
A chuva de mísseis sobre cidades israelenses tem sido amplamente usada – e agasalhada pela imprensa em geral – como argumento paliativo para a ação militar de Israel. O que o governo brasileiro expressou oficialmente foi a evidência de que, para os israelenses, não basta anular a ofensiva do inimigo, quase inútil diante da eficiência do seu sistema de defesa antiaérea – é preciso retaliar, e com o maior rigor possível, para que a população palestina se convença de que não deve abrigar militantes do Hamas.
Mal comparando, a situação lembra a circunstância em que vivia até muito recentemente a população de certas comunidades do Rio de Janeiro, que tinha suas casas invadidas pela polícia após os confrontos armados com traficantes. Era do senso comum na Polícia Militar – e segue sendo, em determinada medida – que, se os traficantes circulavam tranquilamente pelas vielas com seus fuzis poderosos, era porque os moradores os apoiavam. Então, um ou outro dano colateral, como as vítimas de “balas perdidas”, tem também o objetivo didático de “ensinar” aos favelados que não deveriam tolerar a tirania do narcotráfico.
Uma estratégia de Estado
Os jornalistas sabem que não há hipótese de um debate racional sobre o conflito no território que se espreme entre o Rio Jordão e o Mediterrâneo. Os judeus já estiveram inúmeras vezes na circunstância hoje vivida pelos palestinos, e o holocausto ainda pesa como uma ressaca sobre a cabeça da humanidade. Mas também é verdade que o Estado de Israel, personificado na aliança política entre religiosos radicais e a burocracia militar, se apropria da saga dos judeus para perenizar uma situação insustentável do ponto de vista humanitário.
Para os judeus que ajudam a construir no Ocidente o etos da modernidade, muitos dos quais militando no jornalismo, essa circunstância deve produzir uma enorme dor de cabeça: é difícil renegar o apelo da tradição, impossível aceitar a violência do estado contra seres humanos indefesos.
Israel é um Estado democrático apenas para uma minoria. Nem mesmo os turistas podem gozar de uma liberdade mais ampla como se tem, por exemplo, em Istambul ou em Paris. Há bairros em Jerusalém onde uma mulher ocidental não pode caminhar, mesmo acompanhada por seu marido.
As contradições do sionismo e a influência, sobre a população palestina, de forças radicais do mundo islâmico, tornam a situação insustentável e anulam qualquer esforço pela paz. Por esse motivo, escapa às possibilidades da linguagem jornalística dar conta de interpretar essa realidade, porque mesmo como intenção a objetividade nesse caso é apenas uma ilusão. Resta, então, observar um detalhe irrelevante, como a ironia de um diplomata empenhado em produzir uma manobra diversionista.
Ao declarar que o Brasil é protagonista menor no campo das relações internacionais, o porta-voz da chancelaria israelense estava apenas fazendo uma provocação que sabia eficiente. Essa intenção fica ainda mais clara quando o diplomata se refere à recente derrota da seleção brasileira para a Alemanha, por 7 a 1.
A imprensa devia dar menos importância a essa lorota, e fazer a conta das vítimas: elas não são “na maioria palestinas”, como dizem os jornais. O que está acontecendo na faixa de Gaza é um massacre. Uma chacina deliberada, como tática militar e estratégia de Estado.
Os jornais brasileiros reagem com certo distanciamento ao entrevero verbal que coloca em rota de colisão o Brasil e Israel. A declaração grosseira do porta-voz da chancelaria israelense – de que o Brasil é um “anão diplomático” e um “parceiro diplomático irrelevante” – tem potencial para detonar uma crise de proporções mais graves. E ganha destaque na imprensa, mas deveria ser minimizada pelas evidências de que se trata de uma manobra friamente calculada.
Ao abrir uma controvérsia com base em ironias e incontinência verbal, o governo de Israel apenas aplica uma das técnicas mais conhecidas de gestão de crise em comunicação. Ou alguém acha que, em meio ao sangrento massacre de civis palestinos, entre os quais grande número de crianças e mulheres, faltaria espaço para o uso calculado de táticas diversionistas? Ao fim das contas, os arquivos da História estarão lotados de declarações que serão usadas para, se não justificar, pelo menos explicar certos crimes que a consciência comum se recusa a aceitar.
A chuva de mísseis sobre cidades israelenses tem sido amplamente usada – e agasalhada pela imprensa em geral – como argumento paliativo para a ação militar de Israel. O que o governo brasileiro expressou oficialmente foi a evidência de que, para os israelenses, não basta anular a ofensiva do inimigo, quase inútil diante da eficiência do seu sistema de defesa antiaérea – é preciso retaliar, e com o maior rigor possível, para que a população palestina se convença de que não deve abrigar militantes do Hamas.
Mal comparando, a situação lembra a circunstância em que vivia até muito recentemente a população de certas comunidades do Rio de Janeiro, que tinha suas casas invadidas pela polícia após os confrontos armados com traficantes. Era do senso comum na Polícia Militar – e segue sendo, em determinada medida – que, se os traficantes circulavam tranquilamente pelas vielas com seus fuzis poderosos, era porque os moradores os apoiavam. Então, um ou outro dano colateral, como as vítimas de “balas perdidas”, tem também o objetivo didático de “ensinar” aos favelados que não deveriam tolerar a tirania do narcotráfico.
Uma estratégia de Estado
Os jornalistas sabem que não há hipótese de um debate racional sobre o conflito no território que se espreme entre o Rio Jordão e o Mediterrâneo. Os judeus já estiveram inúmeras vezes na circunstância hoje vivida pelos palestinos, e o holocausto ainda pesa como uma ressaca sobre a cabeça da humanidade. Mas também é verdade que o Estado de Israel, personificado na aliança política entre religiosos radicais e a burocracia militar, se apropria da saga dos judeus para perenizar uma situação insustentável do ponto de vista humanitário.
Para os judeus que ajudam a construir no Ocidente o etos da modernidade, muitos dos quais militando no jornalismo, essa circunstância deve produzir uma enorme dor de cabeça: é difícil renegar o apelo da tradição, impossível aceitar a violência do estado contra seres humanos indefesos.
Israel é um Estado democrático apenas para uma minoria. Nem mesmo os turistas podem gozar de uma liberdade mais ampla como se tem, por exemplo, em Istambul ou em Paris. Há bairros em Jerusalém onde uma mulher ocidental não pode caminhar, mesmo acompanhada por seu marido.
As contradições do sionismo e a influência, sobre a população palestina, de forças radicais do mundo islâmico, tornam a situação insustentável e anulam qualquer esforço pela paz. Por esse motivo, escapa às possibilidades da linguagem jornalística dar conta de interpretar essa realidade, porque mesmo como intenção a objetividade nesse caso é apenas uma ilusão. Resta, então, observar um detalhe irrelevante, como a ironia de um diplomata empenhado em produzir uma manobra diversionista.
Ao declarar que o Brasil é protagonista menor no campo das relações internacionais, o porta-voz da chancelaria israelense estava apenas fazendo uma provocação que sabia eficiente. Essa intenção fica ainda mais clara quando o diplomata se refere à recente derrota da seleção brasileira para a Alemanha, por 7 a 1.
A imprensa devia dar menos importância a essa lorota, e fazer a conta das vítimas: elas não são “na maioria palestinas”, como dizem os jornais. O que está acontecendo na faixa de Gaza é um massacre. Uma chacina deliberada, como tática militar e estratégia de Estado.
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