Republico este artigo escrito há alguns anos e publicado originalmente na Carta Maior, porque o considero - infelizmente, 7 e mais vezes infelizmente – absolutamente atual. Espero não tenha que publicá-lo 7 vezes mais, não tenha que publicá-lo nunca mais.
Multiplicam-se as reclamações de que o dinheiro passou a mandar no futebol, que os clubes estão falidos, que os jogadores já não têm apego aos clubes, mudam às vezes durante o campeonato, passando para o rival, se contratam meninos ainda para jogar no exterior, uma parte deles fica abandonado, submetidos a todo tipo de irregularidade.
Mas o que aconteceu, o que está na raiz de tudo isso?
O futebol – assim como todos os esportes – não é imune às imensas transformações econômicas, sociais e éticas que as nossas sociedades sofrerem e ainda sofrem. No Brasil, o neoliberalismo chegou ao futebol através da chamada Lei Pelé. Que pregava a “profissionalização” do futebol, contra a ditadura dos clubes, que tinham os jogadores atrelados ao clube como se se tratasse de uma relação feudal, pré-capitalista.
Intensificou-se dura campanha contra os “cartolas”, com acusações - todas provavelmente reais -, de corrupção, concentração de poder, arbitrariedades, etc. Porém, de forma similar ao que se fazia na campanha neoliberal contra o Estado, não era para democratizar aos clubes, ou ao Estado, mas para favorecer o mercado.
A profissionalização foi isto. Supostamente para libertar os jogadores do domínio dos clubes, jogou-os nas mãos dos empresários privados. Não por acaso se deu durante a década de 90, em pleno governo FHC, que preconizou todo o tempo a centralidade do mercado, os defeitos do Estado, a necessidade de mercantilizar tudo, de transformar a sociedade em um lugar em que tudo se compra, tudo se vende, tudo é mercadoria.
Os jogadores foram transformados em simples mercadorias, nas mãos dos empresários, que reinam soberanos, assim como o mercado e as grandes empresas fazem no conjunto da sociedade. Enquanto os clubes, da mesma forma que o Estado, ao invés de serem democratizados, são sucateados. Interessa aos empresários privados que os clubes sejam fracos, estejam falidos, serão mais frágeis ainda diante do poder do seu dinheiro. Assim como ao chamado mercado interessa que o Estado seja mínimo, seja fraco, para que ceda cada vez mais a seus interesses.
Os clubes podem ser democratizados – de que o exemplo da democracia corintiana é claro. O jogo dos empresários não é democratizável, nem passível de ser controlado socialmente, vale quem paga mais, que tem mais dinheiro. Assim como o Estado pode ser democratizado – e as políticas de orçamento participativo são o melhor exemplo disso.
Com o reino do mercado, não há Estado, não há democracia, não há interesses coletivos. Triunfa o mercado e seu principio maior – o do dinheiro. Com o reino dos empresários privados, não há clubes, há times, que ocasionalmente são montados para disputar um campeonato, enquanto os empresários não vendem os jogadores. Os campeonatos servem apenas como vitrine para exibir as mercadorias dos empresários.
Em um tempo em que tantas identidades entraram em crise, nem sequer os clubes de futebol conseguem resistir, diante da privatização que a lei Pelé significou, fazendo da camisa dos jogadores um lugar em que mal cabe – quando cabe – o distintivo, de tal forma tudo é comercializado. Ou se fortalecem os clubes, democratizando-os, destacando sua dimensão publica e não de empresas privadas a serviço da comercialização dos jogadores, ou a quebra generalizada que atinge o mercado capitalista não poupará os clubes. Que irão à falência, diante do enriquecimento ilimitado dos empresários privados.
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