Por Heloisa Villela, de Nova York, no blog Viomundo:
Cento e dez milhões de telespectadores. Este foi o público da última final do campeonato de futebol americano, o Super Bowl, no dia 2 de fevereiro deste ano.
Com um público desta envergadura, não é à toa que o futebol americano fique com o filé mignon, ou melhor, com o caviar do bolo publicitário, não apenas dos eventos esportivos mas dos eventos que a televisão dos Estados Unidos transmite ao vivo. Para se ter uma ideia, cada comercial de trinta segundos, nos intervalos da partida, custou cerca de 4 milhões de dólares. Claro, a exposição é garantida.
O público faz questão de assistir ao jogo na hora em que ele está acontecendo. Ninguém vai gravar a partida para ver mais tarde, porque se torna impossível não saber o resultado antes de tocar a gravação. A grande emoção é acompanhar lance a lance. Torcer. Vibrar e ficar arrasado, junto com todos os outros torcedores espalhados pelo país, unidos diante da telinha.
Os patrocinadores e os donos dos times sabem que a final do futebol americano é o único evento que comanda essa audiência e tem tudo para continuar comandando.
Mas, ao contrário de outros países, nos Estados Unidos o esporte é organizado para dar lucro. No caso do futebol americano, um trator, máquina de fazer dinheiro. Como eles chegaram lá é o que interessa.
Uma lei federal, assinada no começo dos anos 60, garantiu aos times a possibilidade de agregar a venda dos direitos de transmissão dos jogos, sempre em leilão. Nunca ficam nas mãos de uma única emissora.
A NFL, National Football League, que reúne os 32 times profissionais do país, divide a temporada em pacotes diferentes, para explorar melhor o produto.
Funciona da seguinte maneira: o campeonato nacional tem duas ligas, com dezesseis times cada. O campeão de uma joga com o campeão da outra na grande final. Só aí, já são três pacotes de transmissões para vender. O campeonato da chamada Conferência Nacional, o da Conferência Americana e a final, o Super Bowl.
O último contrato que a NFL fechou com as tevês vigora até 2022 e vai render cerca de 5 bilhões de dólares por ano aos clubes.
As redes CBS, FOX e NBC entraram no racha da tevê aberta.
A CBS transmite os jogos de uma conferência, a FOX os da outra e a NBC ficou com a partida que abre a temporada, numa quinta-feira à noite, um jogo durante o feriado de Ação de Graças, quando o país para e todo mundo vê televisão, e a melhor partida do domingo à noite enquanto a temporada está em andamento, durante quatro meses.
A NFL já faz planos para elevar a arrecadação com a venda de direitos, ingressos e merchandising para 25 bilhões de dólares até 2027.
Ninguém ficou escandalizado com o plano mais recente que veio à tona.
A liga inventou, há dois anos, um novo pacote. Os jogos de quinta-feira à noite, que não faziam parte do calendário das transmissões esportivas.
Eles foram promovidos, primeiro, como exclusividade da NFL Network: a liga de futebol americano tem sua própria rede de TV. Este ano, o pacote já foi vendido à CBS por U$ 250 milhões. São apenas oito jogos.
Quem inventou essa história de ter rede de teve própria foi a liga de basquete dos Estados Unidos, a NBA, National Basketball Association.
Em 2008 a liga licenciou os direitos digitais do basquete para a Turner Sports. A empresa passou a administrar o site NBA.com e a NBA TV.
A audiência das duas plataformas cresceu rapidamente.
Hoje, a NBA TV entra em 60 milhões de domicílios do país.
Agora, a liga está em plena negociação do próximo pacote de direitos de transmissão, que vence em dois anos, e já pensa em trazer de volta, para dentro da NBA, os direitos digitais.
Existem conversas em andamento com o YouTube, com quem a NBA já lançou um canal para a liga do verão e a chamada liga D.
Antenada nas mudanças do mercado esportivo, a NBA está pensando em mudar a rodada de quinta-feira para outro dia da semana, para não bater de frente com a nova transmissão da NFL. Ninguém quer competir com o futebol americano.
Hoje, a NBA fatura U$ 7,5 bilhões com os contratos de transmissão dos jogos de basquete.
Dinheiro que é dividido igualmente entre os 30 times profissionais do país.
Aliás, a preocupação em nivelar os clubes é grande, em todas as ligas. Não é que aqui exista alguma preocupação com a igualdade de condições. Nada disso. Questão de marketing.
Existe a compreensão de que o campeonato só é bom, só vai atrair muitos torcedores e telespectadores, se houver disputa acirrada, entre times equilibrados. Uma partida de futebol que termina em 7 a 1, vamos combinar, não tem muita graça.
O que fazem as ligas de beisebol, futebol americano e basquete para garantir a emoção dos jogos, hoje, e a qualidade no futuro?
Adotaram o salário teto e o chamado imposto do luxo.
Os times trabalham com um limite de gastos, um teto para o conjunto dos salários dos jogadores. Não é baixo. Os atletas ganham um bocado. No caso da NBA, o volume máximo de salário que cada time pode pagar ao seu conjunto de jogadores é de 63 milhões de dólares por ano. Claro que os grandes nomes tem renda complementada por patrocínios específicos. Kobe Bryant, por exemplo, com os patrocínios fatura U$ 30 milhões por ano.
Se fosse em salário, seria quase metade de tudo o que os Los Angeles Lakers podem investir na remuneração de seu elenco completo.
Se um time quer gastar os tubos para contratar um craque, sabe que vai ter de segurar o salário do resto da turma. Não vai ter fôlego para comprar os 3 ou 4 melhores jogadores do país.
Dessa forma, em princípio, todo clube tem a oportunidade de comprar o passe de um peso-pesado, seja o Moto Clube ou o Corinthians daqui.
Quem passa do limite paga à liga o chamado imposto de luxo sobre cada dólar ultrapassado. O imposto aumenta exponencialmente para os times que ferem a regra consecutivamente.
Um clube que não dá pelota para o imposto é o multibilionário New York Yankees, o Real Madrid do beisebol. Desde que o imposto foi criado, em 2003, o clube ultrapassou o limite todos os anos. Recentemente, foi obrigado a pagar 28 milhões de dólares em imposto sobre o luxo.
Isso não significa domínio dos Yankees, já que mesmo clubes de mercados muito menores, com dinheiro garantido pela venda coletiva dos direitos de transmissão, podem formar times campeões.
Nos últimos dez anos, os Yankees, baseados numa cidade de cerca de 9 milhões de habitantes, com um região metropolitana de mais de 20 milhões, foram campeões nacionais uma vez, em 2009; enquanto isso, os St. Louis Cardinals, da Louisiana, de uma cidade de 350 mil habitantes numa região metropolitana de cerca de 3 milhões de pessoas, ganharam o título nacional duas vezes, em 2006 e 2011.
No futebol americano, os dois ganhadores mais recentes do Super Bowl — Baltimore Ravens e Seattle Seahawks –, são de duas cidades relativamente pequenas, com 600 mil habitantes, de extremos opostos do país. É como se o Figueirense fosse campeão brasileiro de futebol em um ano e o Clube do Remo no ano seguinte. Nos últimos dez anos, oito clubes diferentes ganharam o título supremo do futebol americano.
No basquete, o time de Nova York está na fila do título nacional há 40 anos. Nem por isso correu o risco de morrer.
Na NBA, os clubes não faturam somente com a venda da transmissão nacional de seus jogos. Cada time negocia, também, com as tevês locais.
Os Lakers, por exemplo, fecharam em 2011 o contrato mais caro da história da NBA. Fizeram um acordo de 20 anos com a Time Warner Cable, que prevê o lançamento de dois canais regionais de esportes, um em inglês e outro em espanhol, no valor de U$ 4 bilhões.
No ano passado, os trinta times da NBA faturaram juntos, com esses contratos regionais, U$ 628 milhões, que correspondem a 33% de toda a receita da liga com as diferentes mídias, de U$ 1,9 bilhão. A maior fatia, de 53%, veio dos direitos de transmissão nacionais.
O que isso significa? Que além de ter uma exposição nacional, atraindo os patrocinadores mais endinheirados, os clubes tem ampla divulgação regional, junto a seus próprios torcedores. Se apenas uma fração deles comprar ingressos, é casa cheia.
Seria, mal comparando, como se o ABC de Natal tivesse garantia de algumas partidas transmitidas para todo o Brasil, mais exposição completa em seu próprio mercado, em emissoras diferentes. Com isso, conseguiria encher a Arena das Dunas, arrumar um patrocinador regional e outro nacional para sua camiseta e, o mais importante, ter um time competitivo para enfrentar equipes de estados maiores e mais ricos.
Na temporada 2012-13 de basquete da NBA, enquanto quatro clubes gastaram mais que faturaram, os outros 26 tiveram lucro. Um cenário bem diferente daquele que se vê no Brasil, onde mesmo clubes de grandes torcidas vivem endividados e frequentemente caem para a segunda divisão.
PS do Viomundo: No Brasil não é a Globo que serve ao esporte, mas o esporte que serve à Globo. Alguns clubes, sim, recebem uma bolada da emissora, os de maior torcida e audiência. Os outros que se virem. É o esporte pré-capitalista, em que os peixes pequenos vão ficando pelo caminho. Para se ter uma ideia, é só listar o grande número de clubes de futebol literalmente extintos no Brasil nas últimas décadas.
Cento e dez milhões de telespectadores. Este foi o público da última final do campeonato de futebol americano, o Super Bowl, no dia 2 de fevereiro deste ano.
Com um público desta envergadura, não é à toa que o futebol americano fique com o filé mignon, ou melhor, com o caviar do bolo publicitário, não apenas dos eventos esportivos mas dos eventos que a televisão dos Estados Unidos transmite ao vivo. Para se ter uma ideia, cada comercial de trinta segundos, nos intervalos da partida, custou cerca de 4 milhões de dólares. Claro, a exposição é garantida.
O público faz questão de assistir ao jogo na hora em que ele está acontecendo. Ninguém vai gravar a partida para ver mais tarde, porque se torna impossível não saber o resultado antes de tocar a gravação. A grande emoção é acompanhar lance a lance. Torcer. Vibrar e ficar arrasado, junto com todos os outros torcedores espalhados pelo país, unidos diante da telinha.
Os patrocinadores e os donos dos times sabem que a final do futebol americano é o único evento que comanda essa audiência e tem tudo para continuar comandando.
Mas, ao contrário de outros países, nos Estados Unidos o esporte é organizado para dar lucro. No caso do futebol americano, um trator, máquina de fazer dinheiro. Como eles chegaram lá é o que interessa.
Uma lei federal, assinada no começo dos anos 60, garantiu aos times a possibilidade de agregar a venda dos direitos de transmissão dos jogos, sempre em leilão. Nunca ficam nas mãos de uma única emissora.
A NFL, National Football League, que reúne os 32 times profissionais do país, divide a temporada em pacotes diferentes, para explorar melhor o produto.
Funciona da seguinte maneira: o campeonato nacional tem duas ligas, com dezesseis times cada. O campeão de uma joga com o campeão da outra na grande final. Só aí, já são três pacotes de transmissões para vender. O campeonato da chamada Conferência Nacional, o da Conferência Americana e a final, o Super Bowl.
O último contrato que a NFL fechou com as tevês vigora até 2022 e vai render cerca de 5 bilhões de dólares por ano aos clubes.
As redes CBS, FOX e NBC entraram no racha da tevê aberta.
A CBS transmite os jogos de uma conferência, a FOX os da outra e a NBC ficou com a partida que abre a temporada, numa quinta-feira à noite, um jogo durante o feriado de Ação de Graças, quando o país para e todo mundo vê televisão, e a melhor partida do domingo à noite enquanto a temporada está em andamento, durante quatro meses.
A NFL já faz planos para elevar a arrecadação com a venda de direitos, ingressos e merchandising para 25 bilhões de dólares até 2027.
Ninguém ficou escandalizado com o plano mais recente que veio à tona.
A liga inventou, há dois anos, um novo pacote. Os jogos de quinta-feira à noite, que não faziam parte do calendário das transmissões esportivas.
Eles foram promovidos, primeiro, como exclusividade da NFL Network: a liga de futebol americano tem sua própria rede de TV. Este ano, o pacote já foi vendido à CBS por U$ 250 milhões. São apenas oito jogos.
Quem inventou essa história de ter rede de teve própria foi a liga de basquete dos Estados Unidos, a NBA, National Basketball Association.
Em 2008 a liga licenciou os direitos digitais do basquete para a Turner Sports. A empresa passou a administrar o site NBA.com e a NBA TV.
A audiência das duas plataformas cresceu rapidamente.
Hoje, a NBA TV entra em 60 milhões de domicílios do país.
Agora, a liga está em plena negociação do próximo pacote de direitos de transmissão, que vence em dois anos, e já pensa em trazer de volta, para dentro da NBA, os direitos digitais.
Existem conversas em andamento com o YouTube, com quem a NBA já lançou um canal para a liga do verão e a chamada liga D.
Antenada nas mudanças do mercado esportivo, a NBA está pensando em mudar a rodada de quinta-feira para outro dia da semana, para não bater de frente com a nova transmissão da NFL. Ninguém quer competir com o futebol americano.
Hoje, a NBA fatura U$ 7,5 bilhões com os contratos de transmissão dos jogos de basquete.
Dinheiro que é dividido igualmente entre os 30 times profissionais do país.
Aliás, a preocupação em nivelar os clubes é grande, em todas as ligas. Não é que aqui exista alguma preocupação com a igualdade de condições. Nada disso. Questão de marketing.
Existe a compreensão de que o campeonato só é bom, só vai atrair muitos torcedores e telespectadores, se houver disputa acirrada, entre times equilibrados. Uma partida de futebol que termina em 7 a 1, vamos combinar, não tem muita graça.
O que fazem as ligas de beisebol, futebol americano e basquete para garantir a emoção dos jogos, hoje, e a qualidade no futuro?
Adotaram o salário teto e o chamado imposto do luxo.
Os times trabalham com um limite de gastos, um teto para o conjunto dos salários dos jogadores. Não é baixo. Os atletas ganham um bocado. No caso da NBA, o volume máximo de salário que cada time pode pagar ao seu conjunto de jogadores é de 63 milhões de dólares por ano. Claro que os grandes nomes tem renda complementada por patrocínios específicos. Kobe Bryant, por exemplo, com os patrocínios fatura U$ 30 milhões por ano.
Se fosse em salário, seria quase metade de tudo o que os Los Angeles Lakers podem investir na remuneração de seu elenco completo.
Se um time quer gastar os tubos para contratar um craque, sabe que vai ter de segurar o salário do resto da turma. Não vai ter fôlego para comprar os 3 ou 4 melhores jogadores do país.
Dessa forma, em princípio, todo clube tem a oportunidade de comprar o passe de um peso-pesado, seja o Moto Clube ou o Corinthians daqui.
Quem passa do limite paga à liga o chamado imposto de luxo sobre cada dólar ultrapassado. O imposto aumenta exponencialmente para os times que ferem a regra consecutivamente.
Um clube que não dá pelota para o imposto é o multibilionário New York Yankees, o Real Madrid do beisebol. Desde que o imposto foi criado, em 2003, o clube ultrapassou o limite todos os anos. Recentemente, foi obrigado a pagar 28 milhões de dólares em imposto sobre o luxo.
Isso não significa domínio dos Yankees, já que mesmo clubes de mercados muito menores, com dinheiro garantido pela venda coletiva dos direitos de transmissão, podem formar times campeões.
Nos últimos dez anos, os Yankees, baseados numa cidade de cerca de 9 milhões de habitantes, com um região metropolitana de mais de 20 milhões, foram campeões nacionais uma vez, em 2009; enquanto isso, os St. Louis Cardinals, da Louisiana, de uma cidade de 350 mil habitantes numa região metropolitana de cerca de 3 milhões de pessoas, ganharam o título nacional duas vezes, em 2006 e 2011.
No futebol americano, os dois ganhadores mais recentes do Super Bowl — Baltimore Ravens e Seattle Seahawks –, são de duas cidades relativamente pequenas, com 600 mil habitantes, de extremos opostos do país. É como se o Figueirense fosse campeão brasileiro de futebol em um ano e o Clube do Remo no ano seguinte. Nos últimos dez anos, oito clubes diferentes ganharam o título supremo do futebol americano.
No basquete, o time de Nova York está na fila do título nacional há 40 anos. Nem por isso correu o risco de morrer.
Na NBA, os clubes não faturam somente com a venda da transmissão nacional de seus jogos. Cada time negocia, também, com as tevês locais.
Os Lakers, por exemplo, fecharam em 2011 o contrato mais caro da história da NBA. Fizeram um acordo de 20 anos com a Time Warner Cable, que prevê o lançamento de dois canais regionais de esportes, um em inglês e outro em espanhol, no valor de U$ 4 bilhões.
No ano passado, os trinta times da NBA faturaram juntos, com esses contratos regionais, U$ 628 milhões, que correspondem a 33% de toda a receita da liga com as diferentes mídias, de U$ 1,9 bilhão. A maior fatia, de 53%, veio dos direitos de transmissão nacionais.
O que isso significa? Que além de ter uma exposição nacional, atraindo os patrocinadores mais endinheirados, os clubes tem ampla divulgação regional, junto a seus próprios torcedores. Se apenas uma fração deles comprar ingressos, é casa cheia.
Seria, mal comparando, como se o ABC de Natal tivesse garantia de algumas partidas transmitidas para todo o Brasil, mais exposição completa em seu próprio mercado, em emissoras diferentes. Com isso, conseguiria encher a Arena das Dunas, arrumar um patrocinador regional e outro nacional para sua camiseta e, o mais importante, ter um time competitivo para enfrentar equipes de estados maiores e mais ricos.
Na temporada 2012-13 de basquete da NBA, enquanto quatro clubes gastaram mais que faturaram, os outros 26 tiveram lucro. Um cenário bem diferente daquele que se vê no Brasil, onde mesmo clubes de grandes torcidas vivem endividados e frequentemente caem para a segunda divisão.
PS do Viomundo: No Brasil não é a Globo que serve ao esporte, mas o esporte que serve à Globo. Alguns clubes, sim, recebem uma bolada da emissora, os de maior torcida e audiência. Os outros que se virem. É o esporte pré-capitalista, em que os peixes pequenos vão ficando pelo caminho. Para se ter uma ideia, é só listar o grande número de clubes de futebol literalmente extintos no Brasil nas últimas décadas.
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