Por Max Altman
Faz tempo que as forças da direita e extrema-direita em Israel, hoje amplamente majoritárias, e as entidades do ‘establishment’ judaicos em todo o mundo, tentam criar a matriz de opinião de que o antissionismo é a outra ou a nova face do antissemitismo. Este argumento, produzido com o objetivo de criar a ilusão da verdade, é inconsistente, incorreto e deliberadamente enganoso. A estratégia é clara e serve aos interesses ideológicos dos sucessivos governos de direita de Israel: qualquer crítica a esses governos, a sua política belicista e expansionista ou aos objetivos históricos do sionismo leva os críticos a receber a pecha de antissemitas, e se forem judeus, ainda a de traidores e de vergonha de serem judeus.
A identificação de antissionismo com antissemitismo é levantada como escudo moral, esperto e cínico. É que antissemitismo carrega uma conotação milenar de discriminação, perseguição, humilhação, condenação, extermínio de um povo pelos detentores de poder nos vários momentos da História: Inquisição, “pogroms”, Holocausto ... Vasta parcela da humanidade defensora das liberdades, dos direitos humanos, da justiça social, da convivência e fraternidade entre os povos, da paz, em especial a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, e diante dos horrores do nazi-fascismo, passaram a ver a discriminação contra os judeus como a mais abjeta das discriminações raciais. Qualquer manifestação antissemita é imediatamente condenada e seus responsáveis execrados.
Foi no cenário de pós-Segunda Guerra Mundial que as Nações Unidas aprovaram a Partilha da Palestina. Judeus progressistas não sionistas e de esquerda em todo mundo - e pode-se afirmar que na altura tinham importante peso numérico - saudaram o novo Estado. Afinal, a União Soviética saia da hecatombe mundial com enorme prestígio. O Exército Vermelho, principal responsável pela derrota de Hitler, salvara a humanidade da sanha do nazi-fascismo. E na sua ofensiva ao coração da Alemanha nazista abriu as portas do sinistro campo de extermínio de Auschwitz. Isto calou fundo na alma de grande parte do povo judeu. O episódio da libertação de Auschwitz pelas tropas soviéticas marca nos dias de hoje a lembrança anual do Holocausto.
Na decisão da Partilha da Palestina a URSS logo se mostrou favorável ao anseio dos judeus sionistas de se estabelecer nas terras ancestrais. A ideia de uma região autônoma judaica já tinha se tornado realidade na criação –algo esdrúxula - pelo governo soviético em 1934 de Birobidjan na longínqua fronteira com a China, mas o projeto não foi adiante. Os Estados Unidos a princípio se mostraram reticentes e a Grã Bretanha, por seus interesses na região, resistiu o quanto pode.
Os judeus progressistas não sionistas saudaram a proclamação da independência de Israel. No conflito bélico que se seguiu, armas provenientes da Tchecoslováquia, país-membro do bloco socialista, serviram para consolidar o Estado. Mas criticaram duramente a expulsão e a pilhagem dos habitantes que há séculos viviam naquelas terras, bem como os massacres praticados por organizações terroristas judaicas como o Irgun e o Stern contra a população palestina.
Centenas de milhares de judeus de todo o mundo emigraram para Israel. Muitos dos sobreviventes da “solução final” simplesmente queriam iniciar uma nova vida no país que se formava. A maioria acreditou na consigna de Theodor Herzl “dar a um povo sem terra a uma terra sem povo”, essência do sionismo. Historicamente falso, porque aqueles territórios eram ocupados por uma população autóctone palestina que convivia com uma população judaica, então minoritária.
Os fundadores da nação israelense eram militantes sionistas na Europa nas primeiras décadas do século 20, bastante influenciados pelos ideais do socialismo e da social-democracia. E isto se refletiu no modelo de país que acabaram formando. Os dois pilares desta construção – e a marca daqueles primeiros tempos – foram, na cidade, o Histadruth, a poderosa federação de trabalhadores, no campo, os ‘kibutzim’, fazendas coletivas de forte inspiração socialista (hoje reduzidos a uma expressão desprezível). Constituiu-se como um Estado laico, embora com pesadas concessões ao segmento religioso conservador especialmente no que dizia respeito aos direitos civis. Um expressivo contingente populacional árabe permaneceu no território no novo Estado. Partidos trabalhistas de centro-esquerda e esquerda sionista dominavam o Knesset (parlamento) e o partido da esquerda não sionista que reunia judeus e árabes tinha importante presença na cena política. A convivência com os palestinos e os países árabes vizinhos era tolerável.
As coisas começaram a mudar quando Israel resolveu estabelecer no começo dos anos 1950 com os Estados Unidos uma íntima relação geo-estratégica. A situação foi se tornando complexa e se sucedem guerras – nacionalização do Canal de Suez, Guerra dos Seis Dias, Guerra do Yom Kipur, ocupação, atentados terroristas com homens bombas, massacres – Munique, Sabra e Chatila, Intifadas, retaliações sangrentas de lado a lado, o ódio se alastrando e o fosso da discórdia se abrindo.
Houve momentos em que as negociações de paz poderiam chegar a bom termo – Acordo de Camp David, Acordos de Oslo. O assassinato de Yitzhak Rabin por um fundamentalista de extrema-direita pôs tudo a perder.
Outro fenômeno foi uma radical mudança na composição demográfica. O denso fluxo imigratório dos judeus da ex-União Soviética e dos países árabes, além do crescimento da população religiosa judaica ultraconservadora nos anos 1980 fez com que a base eleitoral se inclinasse hegemonicamente para a direita elegendo, daí por diante e por grande maioria, partidos de direita e extrema-direita que hoje governam Israel.
O sionismo dessa gente comandada por Netanyahu e Lieberman, pelas mãos de seus cães de guerra, está cometendo crimes de guerra, ultrajando moralmente os valores seculares do judaísmo. O repetido massacre de crianças, recolhidas em abrigos das Nações Unidas, constitui uma grave e imperdoável violação das leis humanitárias universais. Seria capaz algum ser humano sensível e justo defender essa selvageria, a punição coletiva de um povo? O ser humano, seja ele judeu ou não, que abomina o horror dos bombardeios a que se assiste em Gaza pode ser acoimado de antissemita? Podem ser chamadas de antissemitas as pessoas que se opõem à política sionista de extensão dos assentamentos na Cisjordania, anexando aos poucos o que chamam de Judeia e Samária, ou seja, o “Grande Israel”, expulsando os palestinos para fora dessas fronteiras?
Circula nas redes sociais manifesto de entidades progressistas judaicas de longa tradição da Argentina, do Brasil e do Uruguai. Condenam a direita israelense e o Hamas como cúmplices da destruição de qualquer avanço nas negociações em direção a uma paz justa e duradoura. E propõe: 1. Um imediato, incondicional e permanente cessar-fogo entre Israel e a Faixa de Gaza, com a retirada das tropas israelenses. Que o cessar-fogo seja supervisionado pelos capacetes azuis da ONU; 2. Desocupação dos territórios palestinos, estabelecendo-se novas fronteiras com base nas linhas existentes antes da guerra de junho de 1967 e respeitando-se a resolução número 242, da ONU, aprovada em 22 de novembro de 1967; 3. A implementação da fórmuladois povos para dois estados, com reconhecimento mútuo e garantias para a segurança de ambos. Que o estado palestino tenha direito a manter todas as instituições definidoras de um estado moderno; 4. O combate a todas as manifestações de antissemitismo originadas no conflito entre os dois povos. Repudiamos energicamente as tentativas de criminalizar todo o povo judeu por conta de atitudes dos governos israelenses. Podem essas entidades que tradicionalmente se opuseram e se opõem ao sionismo também ser tachadas de antissemitas?
Israel não é - e não pode ser o ‘Estado Judeu’. Nele habitam atualmente cerca de 21 por cento de cidadãos árabes-israelenses. Um ‘Estado Judeu’ os excluiria e se transformaria numa nação racista. Amplos setores políticos já vem propondo essa limpeza étnica. O chanceler Avigdor Lieberman, por exemplo, líder do partido Beiteinu (Nosso Lar) com forte bancada no parlamento, defende que os árabes-palestinos sejam deslocados para algum território fora das fronteiras atuais de Israel. Isto se chama limpeza étnica.
Há um clima atual em Israel de patriotismo fanático, cego e opressivo. Já não é raro se ouvir nas ruas de Tel Aviv e Jerusalém gritos de “Morte aos árabes” e “Morte aos esquerdistas”. É assustador. A História já nos mostrou.
Faz tempo que as forças da direita e extrema-direita em Israel, hoje amplamente majoritárias, e as entidades do ‘establishment’ judaicos em todo o mundo, tentam criar a matriz de opinião de que o antissionismo é a outra ou a nova face do antissemitismo. Este argumento, produzido com o objetivo de criar a ilusão da verdade, é inconsistente, incorreto e deliberadamente enganoso. A estratégia é clara e serve aos interesses ideológicos dos sucessivos governos de direita de Israel: qualquer crítica a esses governos, a sua política belicista e expansionista ou aos objetivos históricos do sionismo leva os críticos a receber a pecha de antissemitas, e se forem judeus, ainda a de traidores e de vergonha de serem judeus.
A identificação de antissionismo com antissemitismo é levantada como escudo moral, esperto e cínico. É que antissemitismo carrega uma conotação milenar de discriminação, perseguição, humilhação, condenação, extermínio de um povo pelos detentores de poder nos vários momentos da História: Inquisição, “pogroms”, Holocausto ... Vasta parcela da humanidade defensora das liberdades, dos direitos humanos, da justiça social, da convivência e fraternidade entre os povos, da paz, em especial a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, e diante dos horrores do nazi-fascismo, passaram a ver a discriminação contra os judeus como a mais abjeta das discriminações raciais. Qualquer manifestação antissemita é imediatamente condenada e seus responsáveis execrados.
Foi no cenário de pós-Segunda Guerra Mundial que as Nações Unidas aprovaram a Partilha da Palestina. Judeus progressistas não sionistas e de esquerda em todo mundo - e pode-se afirmar que na altura tinham importante peso numérico - saudaram o novo Estado. Afinal, a União Soviética saia da hecatombe mundial com enorme prestígio. O Exército Vermelho, principal responsável pela derrota de Hitler, salvara a humanidade da sanha do nazi-fascismo. E na sua ofensiva ao coração da Alemanha nazista abriu as portas do sinistro campo de extermínio de Auschwitz. Isto calou fundo na alma de grande parte do povo judeu. O episódio da libertação de Auschwitz pelas tropas soviéticas marca nos dias de hoje a lembrança anual do Holocausto.
Na decisão da Partilha da Palestina a URSS logo se mostrou favorável ao anseio dos judeus sionistas de se estabelecer nas terras ancestrais. A ideia de uma região autônoma judaica já tinha se tornado realidade na criação –algo esdrúxula - pelo governo soviético em 1934 de Birobidjan na longínqua fronteira com a China, mas o projeto não foi adiante. Os Estados Unidos a princípio se mostraram reticentes e a Grã Bretanha, por seus interesses na região, resistiu o quanto pode.
Os judeus progressistas não sionistas saudaram a proclamação da independência de Israel. No conflito bélico que se seguiu, armas provenientes da Tchecoslováquia, país-membro do bloco socialista, serviram para consolidar o Estado. Mas criticaram duramente a expulsão e a pilhagem dos habitantes que há séculos viviam naquelas terras, bem como os massacres praticados por organizações terroristas judaicas como o Irgun e o Stern contra a população palestina.
Centenas de milhares de judeus de todo o mundo emigraram para Israel. Muitos dos sobreviventes da “solução final” simplesmente queriam iniciar uma nova vida no país que se formava. A maioria acreditou na consigna de Theodor Herzl “dar a um povo sem terra a uma terra sem povo”, essência do sionismo. Historicamente falso, porque aqueles territórios eram ocupados por uma população autóctone palestina que convivia com uma população judaica, então minoritária.
Os fundadores da nação israelense eram militantes sionistas na Europa nas primeiras décadas do século 20, bastante influenciados pelos ideais do socialismo e da social-democracia. E isto se refletiu no modelo de país que acabaram formando. Os dois pilares desta construção – e a marca daqueles primeiros tempos – foram, na cidade, o Histadruth, a poderosa federação de trabalhadores, no campo, os ‘kibutzim’, fazendas coletivas de forte inspiração socialista (hoje reduzidos a uma expressão desprezível). Constituiu-se como um Estado laico, embora com pesadas concessões ao segmento religioso conservador especialmente no que dizia respeito aos direitos civis. Um expressivo contingente populacional árabe permaneceu no território no novo Estado. Partidos trabalhistas de centro-esquerda e esquerda sionista dominavam o Knesset (parlamento) e o partido da esquerda não sionista que reunia judeus e árabes tinha importante presença na cena política. A convivência com os palestinos e os países árabes vizinhos era tolerável.
As coisas começaram a mudar quando Israel resolveu estabelecer no começo dos anos 1950 com os Estados Unidos uma íntima relação geo-estratégica. A situação foi se tornando complexa e se sucedem guerras – nacionalização do Canal de Suez, Guerra dos Seis Dias, Guerra do Yom Kipur, ocupação, atentados terroristas com homens bombas, massacres – Munique, Sabra e Chatila, Intifadas, retaliações sangrentas de lado a lado, o ódio se alastrando e o fosso da discórdia se abrindo.
Houve momentos em que as negociações de paz poderiam chegar a bom termo – Acordo de Camp David, Acordos de Oslo. O assassinato de Yitzhak Rabin por um fundamentalista de extrema-direita pôs tudo a perder.
Outro fenômeno foi uma radical mudança na composição demográfica. O denso fluxo imigratório dos judeus da ex-União Soviética e dos países árabes, além do crescimento da população religiosa judaica ultraconservadora nos anos 1980 fez com que a base eleitoral se inclinasse hegemonicamente para a direita elegendo, daí por diante e por grande maioria, partidos de direita e extrema-direita que hoje governam Israel.
O sionismo dessa gente comandada por Netanyahu e Lieberman, pelas mãos de seus cães de guerra, está cometendo crimes de guerra, ultrajando moralmente os valores seculares do judaísmo. O repetido massacre de crianças, recolhidas em abrigos das Nações Unidas, constitui uma grave e imperdoável violação das leis humanitárias universais. Seria capaz algum ser humano sensível e justo defender essa selvageria, a punição coletiva de um povo? O ser humano, seja ele judeu ou não, que abomina o horror dos bombardeios a que se assiste em Gaza pode ser acoimado de antissemita? Podem ser chamadas de antissemitas as pessoas que se opõem à política sionista de extensão dos assentamentos na Cisjordania, anexando aos poucos o que chamam de Judeia e Samária, ou seja, o “Grande Israel”, expulsando os palestinos para fora dessas fronteiras?
Circula nas redes sociais manifesto de entidades progressistas judaicas de longa tradição da Argentina, do Brasil e do Uruguai. Condenam a direita israelense e o Hamas como cúmplices da destruição de qualquer avanço nas negociações em direção a uma paz justa e duradoura. E propõe: 1. Um imediato, incondicional e permanente cessar-fogo entre Israel e a Faixa de Gaza, com a retirada das tropas israelenses. Que o cessar-fogo seja supervisionado pelos capacetes azuis da ONU; 2. Desocupação dos territórios palestinos, estabelecendo-se novas fronteiras com base nas linhas existentes antes da guerra de junho de 1967 e respeitando-se a resolução número 242, da ONU, aprovada em 22 de novembro de 1967; 3. A implementação da fórmuladois povos para dois estados, com reconhecimento mútuo e garantias para a segurança de ambos. Que o estado palestino tenha direito a manter todas as instituições definidoras de um estado moderno; 4. O combate a todas as manifestações de antissemitismo originadas no conflito entre os dois povos. Repudiamos energicamente as tentativas de criminalizar todo o povo judeu por conta de atitudes dos governos israelenses. Podem essas entidades que tradicionalmente se opuseram e se opõem ao sionismo também ser tachadas de antissemitas?
Israel não é - e não pode ser o ‘Estado Judeu’. Nele habitam atualmente cerca de 21 por cento de cidadãos árabes-israelenses. Um ‘Estado Judeu’ os excluiria e se transformaria numa nação racista. Amplos setores políticos já vem propondo essa limpeza étnica. O chanceler Avigdor Lieberman, por exemplo, líder do partido Beiteinu (Nosso Lar) com forte bancada no parlamento, defende que os árabes-palestinos sejam deslocados para algum território fora das fronteiras atuais de Israel. Isto se chama limpeza étnica.
Há um clima atual em Israel de patriotismo fanático, cego e opressivo. Já não é raro se ouvir nas ruas de Tel Aviv e Jerusalém gritos de “Morte aos árabes” e “Morte aos esquerdistas”. É assustador. A História já nos mostrou.
Só os autoritários e hipócritas defendem esse genocida e os abutres que dirigem o exército israelense.
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