segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Miriam Leitão e o moleque da Veja

Por Renato Rovai, em seu blog:

O depoimento que Miriam Leitão deu sobre a tortura que sofreu na ditadura militar depois de 42 anos, ao jornalista Luiz Cláudio Cunha, é emocionante e triturante. A comentarista da Globo revelou detalhes sobre o que sofreu no quartel de Vitória (ES) e revelou o nome do chefe da equipe de torturadores, um certo Pablo. Mesmo codinome usado pelo tenente-coronel Paulo Malhães, morto recentemente e que havia revelado que usava em seus interrogatórios uma cobra apelidada de Miriam. Exatamente a mesma que utilizou para torturar Miriam Leitão, à época grávida de um mês.

Miriam descobriu que seu torturador era Malhães quando leu seu depoimento onde falava da cobra e do apelido que lhe dera, há aproximadamente dois anos. Ela diz que jamais esqueceu das horas de terror em que procurou não se mexer para não atrair a cobra. E que, por muito tempo, escondeu essa história dos filhos.

Miriam também recorda que depois de ter sido torturada foi levada a um pátio onde lhe disseram que iria dar seu último passeio. “Vi minha sombra refletida na parede branca do forte, a sombra de um corpo mirrado, uma menina de apenas 19 anos. Vi minha sombra projetada cercada de cães e fuzis, e pensei: “Eu sou muito nova para morrer. Quero viver”. Ela imaginava que seria fuzilada.

O depoimento de Miriam Leitão é demolidor, mostra como a ditadura militar no Brasil tratava seus adversários com requintes de crueldade. E como é importante relembrar essa história para impedir que ela se renove em outro contexto.

Mas isso não foi suficiente para sensibilizar o colunismo da revista Veja que tem em Rodrigo Constantino seu expoente maior de mediocridade e cretinice. O rapaz decidiu que deveria dar um pito em Miriam Leitão e recomendou que ela pedisse desculpas ao país por ter tentado transformá-lo numa Cuba.

Miriam Leitão não é responsável pela estupidez de Constantino, mas ao mesmo tempo é importante pensar em quanto esse discurso do ódio de uma direita que acha que a violência se justifica e que a tortura não é exatamente um problema, tem sido sustentado por quem o autoriza não condenando-o.

A tropa bélica de uma direita sanguinária, que justifica qualquer violência em nome da defesa dos seus ideais, tem crescido substancialmente na internet. E tem na Veja seu principal espaço de articulação. Ali eles encontram guarida para mobilizar jovens a justificar qualquer barbaridade. E é ali que há blogueiros à disposição para defender desde o massacre em Gaza, até justificar a tortura na ditadura militar.

A diferença neste episódio é que Constantino atacou uma jornalista da Rede Globo. E isso pegou mal para o veículo, porque de alguma forma tanto a Globo quanto Miriam Leitão professam a mesma fé da Veja em boa parte das questões políticas e econômicas. E num momento desse, não seria tático arrumar confusão com aliados.

Na mesma semana em que esse episódio revela o nível em que o jornalismo brasileiro se meteu ao dar guarida a esse tipo de discurso proto-facista, uma garota é brutalmente agredida por um monstro que é dono de um bar em São Roque. A cotovelada que o sujeito lhe deu foi estraçalhadora. Sua cabeça sacoleja no ar e ela cai ao chão como se fosse um boneco de pano. Começa a sangrar, fica desacordada e é socorrida pelo Samu enquanto agressor toma tranquilamente sua cerveja, fuma e depois sai de carro com os amigos.

A filmagem feita por câmeras de comércios próximos é demolidora e foi parar em vários sites. Muita gente se indignou, mas ao mesmo tempo não foram poucos os que tentavam explicar e justificar a agressão. Afinal a garota havia falado algo no ouvido do valentão antes de ele agredi-la. Quem saberia o que ela disse, perguntavam os que tentavam defender a brutalidade.

Alguns, mais na linha Constantino de argumentação, atribuíam ao feminismo o ocorrido. O fato de algumas mulheres acharem que podem falar o que quiserem para um homem é que havia levado a covardia. Mulheres têm que ficar quietas. Mulheres têm que ser submissas. E numa ditadura as pessoas não devem reagir à violência que sofrem. E se reagiram por algum motivo, agora elas é que devem pedir desculpas ao país.

Quando jornalistas que têm histórias e opiniões distintas destes fundamentalistas que justificam atitudes de facínoras ficam quietos, eles acabam de alguma forma permitindo que esses canalhas ganhem espaço. E se tornem referências para jovens que não sabem o que significa alimentar uma visão de mundo onde vale tudo para derrotar aqueles que têm opiniões diferentes.

Não pode valer tudo. E o depoimento de Miriam Leitão, neste sentido, é bastante educativo. A reação a ele também foi educativa. E tomara que seja uma lição para que alguns reflitam sobre suas responsabilidades no debate democrático.

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