Por Leonardo Sakamoto, em seu blog:
Papel aceita qualquer coisa. Inclusive homenagens públicas a qualquer pessoa. Aprovam-se leis para batizar logradouros com carrascos da ditadura, caçadores de indígenas ou personagens duvidosos da história.
É claro que, no limite, não vemos sempre por aí uma Avenida Adolf Hitler ou uma Alameda Judas Iscariotes. Mas nomes menos conhecidos acusados de fazer coisas não muito boas, muitas vezes, passam batido e são imortalizados.
Um exemplo ocorreu em 2008, quando a Assembleia Legislativa de Minas Gerais chegou a condecorar Antério Mânica, então prefeito reeleito de Unaí, com a Medalha da Ordem do Mérito Legislativo. O ato deixou entidades da sociedade civil bastante surpresas, uma vez que o prefeito é réu em processo em que é acusado de ser o mandante da Chacina de Unaí, quando quatro funcionários do Ministério do Trabalho e Emprego foram emboscados e assassinados durante fiscalização rural.
O bom de vivermos tempos democráticos é que versões oficiais não são feitas de pedra. Podem e devem ser contestadas a fim de que uma interpretação mais plural da realidade seja construída. Uma interpretação com mais vozes. Uma interpretação que traga à tona o que sistematicamente antigos grupos no poder queriam manter escondido. Daí a importância das várias Comissões da Verdade por aí espalhadas para jogar luz ao que foi a época dos Verde-Oliva e seus amiguinhos do setor privado.
Feita essa necessária introdução, o Conselho Universitário da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) rejeitou, no último dia 5 de agosto, a revogação do título de Doutor Honoris Causa concedido ao então coronel Jarbas Passarinho durante a ditadura militar.
De acordo com Caio Toledo, cientista político e professor da Unicamp, o resultado passou perto: era necessário 2/3 do total de 75 membros, ou seja, 50 votos. Foram 49 a favor, 10 contra e 10 abstenções.
Governador biônico do Pará, ministro do Trabalho e da Previdência Social, ministro da Educação e Cultura e senador, ele foi um ativo defensor do golpe e da ditadura.
A Reitoria da Unicamp, questionada por este blog, enviou nota afirmando que “respeita a opinião de todos que se manifestaram sobre o tema, mas entende que o Conselho Universitário é soberano em sua decisão''. Segundo a instituição, “o debate que antecedeu à votação ocorreu dentro do espírito democrático que expressa o estado de direito, com ampla participação de seus integrantes, que representam docentes, estudantes e funcionários''.
A Comissão da Verdade e Memória da Universidade Estadual de Campinas apoiou a decisão das Congregações da Faculdade de Educação, do Instituto de Arte, do Instituto de Estudos da Linguagem e do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) que solicitaram a revogação. “Entendemos que não se coaduna com a história de nossa Universidade – que sempre outorgou semelhantes títulos a renomados pesquisadores e eminentes figuras públicas do país e do exterior – a homenagem prestada a quem, durante os anos sombrios do regime militar, contribuiu decisivamente para cercear a liberdade de pensamento, aposentar docentes e pesquisadores universitários e expulsar estudantes e funcionários de instituições públicas do país'', afirma nota da comissão.
De acordo com a moção da Congregação do IFCH ao Conselho Universitário, o então coronel Jarbas Passarinho foi um “destacado conspirador militar contra a legalidade institucional da Carta de 1946 que culminou com o golpe de Estado de abril de 1964″.
A moção resgata a famosa justificativa do voto de Passarinho na reunião do Conselho de Segurança Nacional, de 13 de dezembro de 1968, que decidiu pelo Ato Institucional número 5, que cassou liberdades e inaugurou a fase mais sombria do regime. Disse ele:
“Sei que a Vossa Excelência repugna, como a mim e a todos os membros desse Conselho, enveredar pelo caminho da ditadura pura e simples, mas me parece que claramente é esta que está diante de nós. [...] Às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência.''
O Ato Institucional número 5 inaugurou a fase mais sombria da ditadura militar brasileira, em que presos políticos foram torturados e mortos em centros da polícia e das forças armadas, entre eles professores e estudantes (Imagem do filme “Corte Seco'', de Renato Tapajós)
Vale lembrar que o AI-5 foi aplicado contra docentes, funcionários e estudantes. “Entre os 66 cientistas e intelectuais que foram expulsos das universidades (fato que teve consequências negativas para a pesquisa científica no Brasil), podemos lembrar, entre outros, os nomes de Isaias Raw, Jaime Tiommo, Michel Rabinovitch, Luiz Hildebrando Silva, Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, Octávio Ianni, Caio Prado Jr. e José Arthur Giannoti'', diz a moção.
Sob sua responsabilidade, 55 estudantes foram expulsos de universidades públicas sob a alegação de que promoviam a “subversão” e a “agitação política”.
Sob sua gestão na área de Educação, foram implantadas as Assessorias de Segurança e Informações nas universidades públicas federais, que barravam a entrada de docentes considerados subversivos reprimiam manifestações políticas, culturais e artísticas.
Diz a moção: “É inaceitável a homenagem prestada a quem contribuiu decisivamente para cercear a liberdade de pensamento, aposentar docentes e pesquisadores universitários, expulsar estudantes e funcionários públicos e instaurar, nos tempos sombrios do regime militar, o clima de medo e intimidação nos campi e fora deles''. O título foi concedido em 30 de novembro de 1973 .
Não sou a favor de apagar a história, mas sim de estar aberto a novas interpretações sobre ela que tragam os elementos que, por muito tempo, permaneceram escondidos. Portanto, não se trata de mudar os nomes de ruas e avenidas e revogar homenagens das pessoas com quem não simpatizamos por revanchismo. Mas entender como essas homenagens foram concedidas e rever se essas pessoas merecem realmente serem consideradas referências para as próximas gerações.
Em minha opinião e na de quase 2/3 do Conselho Universitário da Unicamp, Jarbas Passarinho não merece.
Conceder a homenagem a ele foi deplorável. Mas mantê-la não coaduna com uma instituição de prestígio que tem a responsabilidade de zelar pelo conhecimento humano e entender que sabedoria sem reflexão é delinquência acadêmica.
Talvez a geração que está hoje no poder e que, de uma forma ou outra lutou contra a ditadura que o coronel representou, não consiga fazer Justiça às atrocidades cometidas pelos lacaios do regime apesar de seus esforços. Algumas pessoas estão por demais inseridas em um tempo que ainda as amarra por conveniências políticas ou econômicas aos restolhos da Gloriosa.
Mas garanto que as próximas gerações tratarão de jogar luz sobre o nome dos apoiadores da ditadura para que caiam na latrina da História. Pena que muitos coronéis não estarão vivos para ver esse dia chegar.
É claro que, no limite, não vemos sempre por aí uma Avenida Adolf Hitler ou uma Alameda Judas Iscariotes. Mas nomes menos conhecidos acusados de fazer coisas não muito boas, muitas vezes, passam batido e são imortalizados.
Um exemplo ocorreu em 2008, quando a Assembleia Legislativa de Minas Gerais chegou a condecorar Antério Mânica, então prefeito reeleito de Unaí, com a Medalha da Ordem do Mérito Legislativo. O ato deixou entidades da sociedade civil bastante surpresas, uma vez que o prefeito é réu em processo em que é acusado de ser o mandante da Chacina de Unaí, quando quatro funcionários do Ministério do Trabalho e Emprego foram emboscados e assassinados durante fiscalização rural.
O bom de vivermos tempos democráticos é que versões oficiais não são feitas de pedra. Podem e devem ser contestadas a fim de que uma interpretação mais plural da realidade seja construída. Uma interpretação com mais vozes. Uma interpretação que traga à tona o que sistematicamente antigos grupos no poder queriam manter escondido. Daí a importância das várias Comissões da Verdade por aí espalhadas para jogar luz ao que foi a época dos Verde-Oliva e seus amiguinhos do setor privado.
Feita essa necessária introdução, o Conselho Universitário da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) rejeitou, no último dia 5 de agosto, a revogação do título de Doutor Honoris Causa concedido ao então coronel Jarbas Passarinho durante a ditadura militar.
De acordo com Caio Toledo, cientista político e professor da Unicamp, o resultado passou perto: era necessário 2/3 do total de 75 membros, ou seja, 50 votos. Foram 49 a favor, 10 contra e 10 abstenções.
Governador biônico do Pará, ministro do Trabalho e da Previdência Social, ministro da Educação e Cultura e senador, ele foi um ativo defensor do golpe e da ditadura.
A Reitoria da Unicamp, questionada por este blog, enviou nota afirmando que “respeita a opinião de todos que se manifestaram sobre o tema, mas entende que o Conselho Universitário é soberano em sua decisão''. Segundo a instituição, “o debate que antecedeu à votação ocorreu dentro do espírito democrático que expressa o estado de direito, com ampla participação de seus integrantes, que representam docentes, estudantes e funcionários''.
A Comissão da Verdade e Memória da Universidade Estadual de Campinas apoiou a decisão das Congregações da Faculdade de Educação, do Instituto de Arte, do Instituto de Estudos da Linguagem e do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) que solicitaram a revogação. “Entendemos que não se coaduna com a história de nossa Universidade – que sempre outorgou semelhantes títulos a renomados pesquisadores e eminentes figuras públicas do país e do exterior – a homenagem prestada a quem, durante os anos sombrios do regime militar, contribuiu decisivamente para cercear a liberdade de pensamento, aposentar docentes e pesquisadores universitários e expulsar estudantes e funcionários de instituições públicas do país'', afirma nota da comissão.
De acordo com a moção da Congregação do IFCH ao Conselho Universitário, o então coronel Jarbas Passarinho foi um “destacado conspirador militar contra a legalidade institucional da Carta de 1946 que culminou com o golpe de Estado de abril de 1964″.
A moção resgata a famosa justificativa do voto de Passarinho na reunião do Conselho de Segurança Nacional, de 13 de dezembro de 1968, que decidiu pelo Ato Institucional número 5, que cassou liberdades e inaugurou a fase mais sombria do regime. Disse ele:
“Sei que a Vossa Excelência repugna, como a mim e a todos os membros desse Conselho, enveredar pelo caminho da ditadura pura e simples, mas me parece que claramente é esta que está diante de nós. [...] Às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência.''
O Ato Institucional número 5 inaugurou a fase mais sombria da ditadura militar brasileira, em que presos políticos foram torturados e mortos em centros da polícia e das forças armadas, entre eles professores e estudantes (Imagem do filme “Corte Seco'', de Renato Tapajós)
Vale lembrar que o AI-5 foi aplicado contra docentes, funcionários e estudantes. “Entre os 66 cientistas e intelectuais que foram expulsos das universidades (fato que teve consequências negativas para a pesquisa científica no Brasil), podemos lembrar, entre outros, os nomes de Isaias Raw, Jaime Tiommo, Michel Rabinovitch, Luiz Hildebrando Silva, Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, Octávio Ianni, Caio Prado Jr. e José Arthur Giannoti'', diz a moção.
Sob sua responsabilidade, 55 estudantes foram expulsos de universidades públicas sob a alegação de que promoviam a “subversão” e a “agitação política”.
Sob sua gestão na área de Educação, foram implantadas as Assessorias de Segurança e Informações nas universidades públicas federais, que barravam a entrada de docentes considerados subversivos reprimiam manifestações políticas, culturais e artísticas.
Diz a moção: “É inaceitável a homenagem prestada a quem contribuiu decisivamente para cercear a liberdade de pensamento, aposentar docentes e pesquisadores universitários, expulsar estudantes e funcionários públicos e instaurar, nos tempos sombrios do regime militar, o clima de medo e intimidação nos campi e fora deles''. O título foi concedido em 30 de novembro de 1973 .
Não sou a favor de apagar a história, mas sim de estar aberto a novas interpretações sobre ela que tragam os elementos que, por muito tempo, permaneceram escondidos. Portanto, não se trata de mudar os nomes de ruas e avenidas e revogar homenagens das pessoas com quem não simpatizamos por revanchismo. Mas entender como essas homenagens foram concedidas e rever se essas pessoas merecem realmente serem consideradas referências para as próximas gerações.
Em minha opinião e na de quase 2/3 do Conselho Universitário da Unicamp, Jarbas Passarinho não merece.
Conceder a homenagem a ele foi deplorável. Mas mantê-la não coaduna com uma instituição de prestígio que tem a responsabilidade de zelar pelo conhecimento humano e entender que sabedoria sem reflexão é delinquência acadêmica.
Talvez a geração que está hoje no poder e que, de uma forma ou outra lutou contra a ditadura que o coronel representou, não consiga fazer Justiça às atrocidades cometidas pelos lacaios do regime apesar de seus esforços. Algumas pessoas estão por demais inseridas em um tempo que ainda as amarra por conveniências políticas ou econômicas aos restolhos da Gloriosa.
Mas garanto que as próximas gerações tratarão de jogar luz sobre o nome dos apoiadores da ditadura para que caiam na latrina da História. Pena que muitos coronéis não estarão vivos para ver esse dia chegar.
Tudo o que foi dito do jarbas é verdade. Quanto a essas universidades publicas penso
ResponderExcluirque têm muito mais a cara do jarbas do que a do povo brasileiro. Donas de um saber arcaico, racista e elitista a homenagem não está mal posta e deve prevalecer para que tenhamos consciência onde vai o dinheiro do publico.