Por Wladimir Pomar, na revista Teoria e Debate:
Quanto mais nos aproximamos de outubro de 2014, mais a campanha presidencial se parece com as de 1960 e 1989, embora com nuances ainda mais tenebrosas. Como naquelas ocasiões, temos agora uma candidatura que se apresenta como algo “novo”, defensora de uma “nova política” para “unir o Brasil”. Não há nisso novidade alguma. O Brasil já viveu as tragédias de Jânio Quadros e Collor de Mello.
Ambos esgrimiram a “varredura da corrupção” e a “caça aos marajás”. Deblateraram contra os “desmandos na economia” e contra a “lógica da velha política”. Nada diferente da cartilha professada por Marina. Ela não chega a acusar o PT de pretender realizar o confisco das poupanças. Mas o acusa de ser “refém da velha República”, de aplicar a “lógica de dividir o Brasil” e de não querer enxergar “as coisas boas dos governos anteriores”. E garante, com a mesma languidez do estelionatário que confiscou a poupança dos brasileiros em 1990, que “só cumprirá um mandato”.
Ela promete “governar com os melhores que estão no banco de reservas” e ter uma “agenda de prioridade para todos”, como se isso fosse possível. No entanto, ao contrário do suposto defensor dos “descalços” e “descamisados” de 1989, que fingiu combater o empresariado até o último minuto da campanha, Marina acha dispensável tal fingimento. Certa de que cativou os votos dos descontentes de junho de 2013, já sinalizou que é a candidata do mercado financeiro. Em sua agenda de prioridades estão a autonomia do Banco Central e a adoção dos parâmetros do Plano Real de FHC, que teriam “reequilibrado a economia”.
Além disso, numa virada espetacular, como na “velha política”, ela rapidamente passou a ter uma “visão mais positiva” sobre o agronegócio e sobre as diversas “viabilidades” energéticas. E afirma categoricamente que não dará prioridade ao pré-sal, um tiro certeiro na rentabilidade da Petrobras, no esforço para reindustrializar o país, e na expectativa de garantir mais recursos para a saúde e a educação.
Marina também afirmou que a sociedade determinará os “melhores” com os quais governará. No entanto, mesmo antes de “ouvir a sociedade”, ela já colocou Jarbas Vasconcelos, Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Heráclito Fortes, os Bornhausen, Lara Rezende, Giannetti da Fonseca e outras figuras na lista dos tais “melhores”. Todos figuras carimbadas da “velha República”.
Em outras palavras, estamos diante de um novo estelionato eleitoral. Da mesma forma que em 1960 e 1989, a chamada “nova política” de Marina se volta contra a maior parte do povo brasileiro e contra a esquerda política. Não só contra o PT, mas contra todas as correntes que têm no socialismo uma perspectiva de futuro. Além disso, do mesmo modo que Collor atacava Sarney e os candidatos da direita para transformar-se no novo polo de poder, ela se volta também contra o PSDB. Isso, embora defendendo os mesmos pontos programáticos dessa “social-democracia” que capitulou ao neoliberalismo no início dos anos 1990.
O grande trunfo do “marinato”, perante a parcela da grande burguesia que ainda vacila entre ela e o tucanato, é sua pretensa capacidade de ser a única capaz de derrotar o “PT chavista”. Nessas condições, não é um cenário despropositado supor que o conjunto dessa burguesia abandone Aécio e o PSDB à própria sorte e descambe em bloco para garantir a vitória da “terceira via marinista”. E que uma parte do próprio PSDB e de seus aliados deixe o neto de Tancredo Neves falando sozinho.
A burguesia nativa e a estrangeira presente no território brasileiro já vêm, há algum tempo, aplicando um programa de paralisação da economia de modo a justificar os ataques da direita política ao suposto fracasso da política econômica de Dilma. Num passe de mágica, nos meses recentes, os investimentos congelaram, os créditos bancários minguaram, os juros subiram e os índices de crescimento caíram. E, apesar de a inflação continuar dentro da meta, não há um dia sequer em que a mídia e os candidatos da direita não repitam, à exaustão, que a inflação está fora de controle. Essa é a munição que Marina encampou com muito maior vigor do que Aécio e Campos, credenciando-se a exercer o mesmo papel que Collor desempenhou em 1989: derrotar o PT.
Em grande medida, a política do governo Dilma facilitou essa situação, por não haver enfrentado, como deveria, nem o programa de paralisação econômica e política da burguesia, nem a necessidade de acelerar as mudanças estruturais indispensáveis para manter o país em crescimento econômico e social. Sua atitude de concessões e conciliação, ao invés de arrefecer, acentuou a decisão da burguesia.
Para agravar esses problemas de natureza econômica, social e política, o governo se tornou um marasmo comunicativo. Não só deixou de responder aos constantes ataques e desinformações sobre obras paralisadas etc. etc. etc., mas nem sequer aproveitou sucessos evidentes, como o programa Mais Médicos e a Copa. A batalha da propaganda, ou da comunicação, foi perdida mesmo nas vitórias incontestáveis do governo.
Mais grave do que a ambiguidade governamental diante da ofensiva da direita foi a inação da direção do PT. Além de não mobilizar a militância para travar uma batalha constante contra a criminalização e a judicialização da política, permitiu que o partido fosse confundido, por grande parte da massa do povo, com todos os demais.
Não se empenhou em manter relações e debates francos com os movimentos sociais e deixou que as bases partidárias se dissolvessem e perdessem seus laços com as grandes camadas populares da população. Isso, mesmo depois que as manifestações de junho de 2013 demostraram a existência desse fosso e a perda de influência do PT.
Nessas condições, as previsões sobre um cenário de segundo turno parecem se tornar realidade. Numa situação, porém, em que Dilma e o PT podem se confrontar com uma nova polarização da direita em torno de Marina, apoiada pelo conjunto da burguesia, por grandes parcelas da pequena burguesia e, também, por setores populares descontentes. Um cenário que muitos consideravam impossível de concretizar-se.
É possível reverter tal quadro. Para isso, porém, será necessária uma forte inflexão do PT e de sua candidata à esquerda, tendo em vista: consolidar seu apoio nas camadas populares; reconquistar os setores populares descontentes; ganhar parcelas importantes da pequena burguesia; atrair ou neutralizar os setores da burguesia que se opõem à hegemonia do sistema financeiro e das corporações monopolistas e oligopolistas.
É lógico que uma das premissas para essa inflexão à esquerda consiste em fazer com que as generalidades da “nova política” de Marina se confrontem com a realidade. Isto é, com a realidade de suas propostas econômicas neoliberais; de suas alianças com raposas da “velha política”; do abandono de seu discurso ecológico contra o agronegócio, os transgênicos e as hidrelétricas; e de sua postura cada vez mais conservadora e raivosa diante da luta de classes que atrapalha seu discurso de “união de todos” sob sua direção messiânica.
Mas isso não basta. É preciso dizer explicitamente que combater a inflação aumentando os juros e o câmbio, segurando o crescimento e elevando o desemprego, como fez o governo FHC que Marina quer imitar, é muito fácil, mas extremamente destrutivo e doloroso tanto para milhares de empresas que quebraram quanto para milhões de trabalhadores que ficaram no desemprego durante mais de uma década. Além do fato de que FHC entregou o governo com uma inflação superior a 12%, o dobro da atual.
Difícil é combater a inflação ao mesmo tempo em que se promove o crescimento, em que são criados milhões de empregos e em que se envidam esforços para baixar os juros e tornar o câmbio favorável à competitividade das empresas industriais brasileiras. É nesse sentido que não basta mostrar o que Dilma fez em quatro anos de governo nem explicar que as dificuldades econômicas resultam da crise mundial capitalista. Isso também é necessário, mas será preciso ir além.
Será preciso dizer abertamente que uma parte da burguesia brasileira é rentista, só quer viver de juros, ao invés de investir na produção industrial e agrícola. É preciso dizer francamente que o governo errou ao acreditar que essa parte da burguesia investiria na produção de bens de consumo corrente, acompanhando o aumento do poder de compra da população. E que errou ao considerar que ela toparia investir em infraestrutura com rentabilidade mais baixa do que os juros estratosféricos herdados da era FHC. E que errou ao não combater mais fortemente a crescente privatização dos transportes, da saúde e da educação, que os torna, em sua maioria, caros, de baixa qualidade e de mau atendimento.
Para mudar isso, o “Mais Mudanças” da campanha Dilma precisará se transformar em diretivas concretas. Diretivas para combater a inflação através do aumento da produção de alimentos e de bens industriais de consumo corrente, da desoneração tributária desses produtores, da redução das taxas de juros e da administração do câmbio. Tudo no sentido de promover o desenvolvimento industrial e agrícola, a criação de empregos e a produção de mercadorias mais baratas.
Mas também é preciso evitar que essas diretivas sejam transformadas em explicações tediosas. Em outras palavras, apelando para o velho jargão político, chegou o momento de fazer uma campanha com menos propaganda e muito mais agitação. Ou seja, ao invés de explicar o que se pretende fazer, é fundamental dizer isso através de mensagens concisas e claras, que atinjam não apenas o cérebro, mas também o coração dos que as receberem.
Quanto mais nos aproximamos de outubro de 2014, mais a campanha presidencial se parece com as de 1960 e 1989, embora com nuances ainda mais tenebrosas. Como naquelas ocasiões, temos agora uma candidatura que se apresenta como algo “novo”, defensora de uma “nova política” para “unir o Brasil”. Não há nisso novidade alguma. O Brasil já viveu as tragédias de Jânio Quadros e Collor de Mello.
Ambos esgrimiram a “varredura da corrupção” e a “caça aos marajás”. Deblateraram contra os “desmandos na economia” e contra a “lógica da velha política”. Nada diferente da cartilha professada por Marina. Ela não chega a acusar o PT de pretender realizar o confisco das poupanças. Mas o acusa de ser “refém da velha República”, de aplicar a “lógica de dividir o Brasil” e de não querer enxergar “as coisas boas dos governos anteriores”. E garante, com a mesma languidez do estelionatário que confiscou a poupança dos brasileiros em 1990, que “só cumprirá um mandato”.
Ela promete “governar com os melhores que estão no banco de reservas” e ter uma “agenda de prioridade para todos”, como se isso fosse possível. No entanto, ao contrário do suposto defensor dos “descalços” e “descamisados” de 1989, que fingiu combater o empresariado até o último minuto da campanha, Marina acha dispensável tal fingimento. Certa de que cativou os votos dos descontentes de junho de 2013, já sinalizou que é a candidata do mercado financeiro. Em sua agenda de prioridades estão a autonomia do Banco Central e a adoção dos parâmetros do Plano Real de FHC, que teriam “reequilibrado a economia”.
Além disso, numa virada espetacular, como na “velha política”, ela rapidamente passou a ter uma “visão mais positiva” sobre o agronegócio e sobre as diversas “viabilidades” energéticas. E afirma categoricamente que não dará prioridade ao pré-sal, um tiro certeiro na rentabilidade da Petrobras, no esforço para reindustrializar o país, e na expectativa de garantir mais recursos para a saúde e a educação.
Marina também afirmou que a sociedade determinará os “melhores” com os quais governará. No entanto, mesmo antes de “ouvir a sociedade”, ela já colocou Jarbas Vasconcelos, Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Heráclito Fortes, os Bornhausen, Lara Rezende, Giannetti da Fonseca e outras figuras na lista dos tais “melhores”. Todos figuras carimbadas da “velha República”.
Em outras palavras, estamos diante de um novo estelionato eleitoral. Da mesma forma que em 1960 e 1989, a chamada “nova política” de Marina se volta contra a maior parte do povo brasileiro e contra a esquerda política. Não só contra o PT, mas contra todas as correntes que têm no socialismo uma perspectiva de futuro. Além disso, do mesmo modo que Collor atacava Sarney e os candidatos da direita para transformar-se no novo polo de poder, ela se volta também contra o PSDB. Isso, embora defendendo os mesmos pontos programáticos dessa “social-democracia” que capitulou ao neoliberalismo no início dos anos 1990.
O grande trunfo do “marinato”, perante a parcela da grande burguesia que ainda vacila entre ela e o tucanato, é sua pretensa capacidade de ser a única capaz de derrotar o “PT chavista”. Nessas condições, não é um cenário despropositado supor que o conjunto dessa burguesia abandone Aécio e o PSDB à própria sorte e descambe em bloco para garantir a vitória da “terceira via marinista”. E que uma parte do próprio PSDB e de seus aliados deixe o neto de Tancredo Neves falando sozinho.
A burguesia nativa e a estrangeira presente no território brasileiro já vêm, há algum tempo, aplicando um programa de paralisação da economia de modo a justificar os ataques da direita política ao suposto fracasso da política econômica de Dilma. Num passe de mágica, nos meses recentes, os investimentos congelaram, os créditos bancários minguaram, os juros subiram e os índices de crescimento caíram. E, apesar de a inflação continuar dentro da meta, não há um dia sequer em que a mídia e os candidatos da direita não repitam, à exaustão, que a inflação está fora de controle. Essa é a munição que Marina encampou com muito maior vigor do que Aécio e Campos, credenciando-se a exercer o mesmo papel que Collor desempenhou em 1989: derrotar o PT.
Em grande medida, a política do governo Dilma facilitou essa situação, por não haver enfrentado, como deveria, nem o programa de paralisação econômica e política da burguesia, nem a necessidade de acelerar as mudanças estruturais indispensáveis para manter o país em crescimento econômico e social. Sua atitude de concessões e conciliação, ao invés de arrefecer, acentuou a decisão da burguesia.
Para agravar esses problemas de natureza econômica, social e política, o governo se tornou um marasmo comunicativo. Não só deixou de responder aos constantes ataques e desinformações sobre obras paralisadas etc. etc. etc., mas nem sequer aproveitou sucessos evidentes, como o programa Mais Médicos e a Copa. A batalha da propaganda, ou da comunicação, foi perdida mesmo nas vitórias incontestáveis do governo.
Mais grave do que a ambiguidade governamental diante da ofensiva da direita foi a inação da direção do PT. Além de não mobilizar a militância para travar uma batalha constante contra a criminalização e a judicialização da política, permitiu que o partido fosse confundido, por grande parte da massa do povo, com todos os demais.
Não se empenhou em manter relações e debates francos com os movimentos sociais e deixou que as bases partidárias se dissolvessem e perdessem seus laços com as grandes camadas populares da população. Isso, mesmo depois que as manifestações de junho de 2013 demostraram a existência desse fosso e a perda de influência do PT.
Nessas condições, as previsões sobre um cenário de segundo turno parecem se tornar realidade. Numa situação, porém, em que Dilma e o PT podem se confrontar com uma nova polarização da direita em torno de Marina, apoiada pelo conjunto da burguesia, por grandes parcelas da pequena burguesia e, também, por setores populares descontentes. Um cenário que muitos consideravam impossível de concretizar-se.
É possível reverter tal quadro. Para isso, porém, será necessária uma forte inflexão do PT e de sua candidata à esquerda, tendo em vista: consolidar seu apoio nas camadas populares; reconquistar os setores populares descontentes; ganhar parcelas importantes da pequena burguesia; atrair ou neutralizar os setores da burguesia que se opõem à hegemonia do sistema financeiro e das corporações monopolistas e oligopolistas.
É lógico que uma das premissas para essa inflexão à esquerda consiste em fazer com que as generalidades da “nova política” de Marina se confrontem com a realidade. Isto é, com a realidade de suas propostas econômicas neoliberais; de suas alianças com raposas da “velha política”; do abandono de seu discurso ecológico contra o agronegócio, os transgênicos e as hidrelétricas; e de sua postura cada vez mais conservadora e raivosa diante da luta de classes que atrapalha seu discurso de “união de todos” sob sua direção messiânica.
Mas isso não basta. É preciso dizer explicitamente que combater a inflação aumentando os juros e o câmbio, segurando o crescimento e elevando o desemprego, como fez o governo FHC que Marina quer imitar, é muito fácil, mas extremamente destrutivo e doloroso tanto para milhares de empresas que quebraram quanto para milhões de trabalhadores que ficaram no desemprego durante mais de uma década. Além do fato de que FHC entregou o governo com uma inflação superior a 12%, o dobro da atual.
Difícil é combater a inflação ao mesmo tempo em que se promove o crescimento, em que são criados milhões de empregos e em que se envidam esforços para baixar os juros e tornar o câmbio favorável à competitividade das empresas industriais brasileiras. É nesse sentido que não basta mostrar o que Dilma fez em quatro anos de governo nem explicar que as dificuldades econômicas resultam da crise mundial capitalista. Isso também é necessário, mas será preciso ir além.
Será preciso dizer abertamente que uma parte da burguesia brasileira é rentista, só quer viver de juros, ao invés de investir na produção industrial e agrícola. É preciso dizer francamente que o governo errou ao acreditar que essa parte da burguesia investiria na produção de bens de consumo corrente, acompanhando o aumento do poder de compra da população. E que errou ao considerar que ela toparia investir em infraestrutura com rentabilidade mais baixa do que os juros estratosféricos herdados da era FHC. E que errou ao não combater mais fortemente a crescente privatização dos transportes, da saúde e da educação, que os torna, em sua maioria, caros, de baixa qualidade e de mau atendimento.
Para mudar isso, o “Mais Mudanças” da campanha Dilma precisará se transformar em diretivas concretas. Diretivas para combater a inflação através do aumento da produção de alimentos e de bens industriais de consumo corrente, da desoneração tributária desses produtores, da redução das taxas de juros e da administração do câmbio. Tudo no sentido de promover o desenvolvimento industrial e agrícola, a criação de empregos e a produção de mercadorias mais baratas.
Mas também é preciso evitar que essas diretivas sejam transformadas em explicações tediosas. Em outras palavras, apelando para o velho jargão político, chegou o momento de fazer uma campanha com menos propaganda e muito mais agitação. Ou seja, ao invés de explicar o que se pretende fazer, é fundamental dizer isso através de mensagens concisas e claras, que atinjam não apenas o cérebro, mas também o coração dos que as receberem.
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