Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
A Folha de S.Paulo encerrou nesta quinta-feira (2/10) a série “Ombudsman por um dia”, que comemorou durante uma semana os 25 anos de criação do cargo de ouvidor dos leitores. O texto crítico, de autoria do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa, é o único dos sete artigos que merece o tempo gasto em sua leitura.
Apesar de afirmar que não, a visão de Barbosa sobre a Folha é claramente negativa: a leitura de sua análise mostra que ele respeita apenas o que o jornal foi há quatro décadas. A partir do título (“Jornal erra ao tentar se mostrar neutro”, ver aqui), o ex-ministro demonstra como o diário paulista se transformou de referência cultural, no final da ditadura militar, em um órgão escandaloso, superficial e preconceituoso.
Nem o mais crítico entre os analistas agregados neste Observatório seria tão demolidor. A rigor, sua única referência positiva se concentra no último parágrafo, quando o autor afirma que o papel mais importante cumprido pela Folha é o de fazer um contraponto eficaz ao poder político em geral. No entanto, mesmo essa ressalva poderia ser discutida a partir de sua própria avaliação: a Folha não faz um contraponto eficaz ao poder político, exatamente pelos vícios que o “ombudsman por um dia” alinha nos parágrafos anteriores.
Nas suas palavras, o jornal paulista cai frequentemente na tentação de atrair o leitor “pelo estardalhaço dos títulos, não raro em franco contraste com a banalidade e a pouca importância do que é exposto na matéria”. Além disso, segundo Barbosa, o jornal tende a estigmatizar e debochar de certos grupos de pessoas e se mostra antipático a tudo que vem do setor público, tentando fazer crer que tudo de positivo que aconteceu no Brasil se deve à esfera privada.
O articulista também observa, com ironia, como o esforço da Folha em se apresentar como uma mídia “pop” a expõe muitas vezes ao ridículo, quando despreza certos aspectos da cultura nacional, em oposição à “desmesurada importância atribuída a alguns temas e atores da pauta, digamos, não nacional”. “Em suma, o velho complexo de vira-latas”, comenta Barbosa.
Não dá para não deixar de ler
O ex-presidente do STF também desconstrói o mito da neutralidade com que o jornal paulista tenta se apresentar ao público. “No domínio da política, o jornal erra redondamente no seu esforço de querer se mostrar neutro. Não é”, acrescenta Joaquim Barbosa. O jurista até concede que, nos anos não coincidentes com o calendário eleitoral, o noticiário apresenta um pouco mais de equilíbrio. “Mas tão logo se aproximam esses pleitos, o jornal começa a se agitar, e a pauta, a esquentar artificialmente.”
Na opinião do ex-ministro, seria mais transparente se a direção do jornal simplesmente declarasse suas “afinidades eletivas”, como fazem outros órgãos de imprensa, como os jornais The New York Times e Le Monde e a revista The Economist. Joaquim Barbosa observa que o leitor “entenderia e aplaudiria” tal iniciativa, e acrescenta que essa falsa neutralidade ainda não é o pior: “Como outros periódicos brasileiros”, acrescenta, a Folha de S. Paulo não reflete em suas páginas a grande diversidade da sociedade brasileira.
Ele cita especificamente “a ausência do olhar do negro, do mulato e de outros segmentos” culturalmente e socialmente identificados com essa parcela da sociedade brasileira. “É como se o jornal e seus colunistas se dirigissem exclusivamente às classes média alta e alta, supostamente caucasiana, a que muitos jornalistas equivocadamente julgam pertencer”, completa. Nesse contexto, ele cita as campanhas que a Folha promoveu contra as políticas sociais implantadas no Brasil, como as cotas em universidades.
Entre outras deficiências do jornal, o ex-presidente do STF ainda encontra espaço para citar sua natureza “excessivamente opinativa”, em detrimento da apuração e da pesquisa jornalística em profundidade; a ausência de especialistas de peso em matérias altamente técnicas; o excesso de notícias sobre Brasília e os bastidores da política; e a omissão quanto a assuntos relevantes da América Latina e da África, o que contribui para o enraizamento dos vieses típicos das elites da região, como o eurocentrismo e o norte-americanismo.
Depois dessa sentença de Joaquim Barbosa, você nunca mais vai ler a Folha do mesmo jeito.
Apesar de afirmar que não, a visão de Barbosa sobre a Folha é claramente negativa: a leitura de sua análise mostra que ele respeita apenas o que o jornal foi há quatro décadas. A partir do título (“Jornal erra ao tentar se mostrar neutro”, ver aqui), o ex-ministro demonstra como o diário paulista se transformou de referência cultural, no final da ditadura militar, em um órgão escandaloso, superficial e preconceituoso.
Nem o mais crítico entre os analistas agregados neste Observatório seria tão demolidor. A rigor, sua única referência positiva se concentra no último parágrafo, quando o autor afirma que o papel mais importante cumprido pela Folha é o de fazer um contraponto eficaz ao poder político em geral. No entanto, mesmo essa ressalva poderia ser discutida a partir de sua própria avaliação: a Folha não faz um contraponto eficaz ao poder político, exatamente pelos vícios que o “ombudsman por um dia” alinha nos parágrafos anteriores.
Nas suas palavras, o jornal paulista cai frequentemente na tentação de atrair o leitor “pelo estardalhaço dos títulos, não raro em franco contraste com a banalidade e a pouca importância do que é exposto na matéria”. Além disso, segundo Barbosa, o jornal tende a estigmatizar e debochar de certos grupos de pessoas e se mostra antipático a tudo que vem do setor público, tentando fazer crer que tudo de positivo que aconteceu no Brasil se deve à esfera privada.
O articulista também observa, com ironia, como o esforço da Folha em se apresentar como uma mídia “pop” a expõe muitas vezes ao ridículo, quando despreza certos aspectos da cultura nacional, em oposição à “desmesurada importância atribuída a alguns temas e atores da pauta, digamos, não nacional”. “Em suma, o velho complexo de vira-latas”, comenta Barbosa.
Não dá para não deixar de ler
O ex-presidente do STF também desconstrói o mito da neutralidade com que o jornal paulista tenta se apresentar ao público. “No domínio da política, o jornal erra redondamente no seu esforço de querer se mostrar neutro. Não é”, acrescenta Joaquim Barbosa. O jurista até concede que, nos anos não coincidentes com o calendário eleitoral, o noticiário apresenta um pouco mais de equilíbrio. “Mas tão logo se aproximam esses pleitos, o jornal começa a se agitar, e a pauta, a esquentar artificialmente.”
Na opinião do ex-ministro, seria mais transparente se a direção do jornal simplesmente declarasse suas “afinidades eletivas”, como fazem outros órgãos de imprensa, como os jornais The New York Times e Le Monde e a revista The Economist. Joaquim Barbosa observa que o leitor “entenderia e aplaudiria” tal iniciativa, e acrescenta que essa falsa neutralidade ainda não é o pior: “Como outros periódicos brasileiros”, acrescenta, a Folha de S. Paulo não reflete em suas páginas a grande diversidade da sociedade brasileira.
Ele cita especificamente “a ausência do olhar do negro, do mulato e de outros segmentos” culturalmente e socialmente identificados com essa parcela da sociedade brasileira. “É como se o jornal e seus colunistas se dirigissem exclusivamente às classes média alta e alta, supostamente caucasiana, a que muitos jornalistas equivocadamente julgam pertencer”, completa. Nesse contexto, ele cita as campanhas que a Folha promoveu contra as políticas sociais implantadas no Brasil, como as cotas em universidades.
Entre outras deficiências do jornal, o ex-presidente do STF ainda encontra espaço para citar sua natureza “excessivamente opinativa”, em detrimento da apuração e da pesquisa jornalística em profundidade; a ausência de especialistas de peso em matérias altamente técnicas; o excesso de notícias sobre Brasília e os bastidores da política; e a omissão quanto a assuntos relevantes da América Latina e da África, o que contribui para o enraizamento dos vieses típicos das elites da região, como o eurocentrismo e o norte-americanismo.
Depois dessa sentença de Joaquim Barbosa, você nunca mais vai ler a Folha do mesmo jeito.
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