quinta-feira, 13 de novembro de 2014

De onde vêm os factoides da mídia

Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:

Não há nada mais interessante nos jornais de quinta-feira (13/11) do que a reportagem do Estado de S.Paulo revelando que os delegados federais responsáveis pela Operação Lava-Jato compunham uma espécie de comitê informal do candidato Aécio Neves à Presidência da República enquanto vazavam seletivamente para a imprensa dados do inquérito. A repórter Julia Duailibi teve acesso a perfis restritos do Facebook, nos quais autoridades da Superintendência da Polícia Federal do Paraná agem como os mais fanáticos ativistas da polarização política que marcou a campanha eleitoral.

O texto não explica como a jornalista teve acesso ao material, nem quando, o que autoriza o leitor a considerar que o jornal podia já saber, na ocasião, que a fonte das especulações publicadas pela revista Veja na véspera da eleição era o próprio núcleo de investigações, atuando a serviço do candidato do PSDB. Segundo o relato, praticamente todos os agentes envolvidos na apuração, inclusive o chefe da Delegacia de Repressão a Crimes Fazendários e a titular da delegacia de Repressão a Crimes Financeiros e Desvios de Recursos Públicos do Paraná, onde estão os principais inquéritos da operação, agiam como cabos eleitorais na rede social.

Entre as manifestações coletadas pela repórter há xingamentos vulgares à presidente Dilma Rousseff e ao ex-presidente Lula da Silva, e elogios de todo tipo a Aécio Neves – entre eles uma página em que o ex-governador de Minas aparece em montagem de fotografias na companhia de mulheres atraentes. Nessa página, o responsável pela Delegacia Regional de Combate ao Crime Organizado, a quem estão vinculados os delegados empenhados na Operação Lava-Jato, escreveu: “Esse é o cara!”

Os policiais citados participam de um grupo fechado autointitulado Organização de Combate à Corrupção (OCC), cujo símbolo é uma caricatura da presidente da República com dois grandes dentes incisivos e coberta por uma faixa onde se lê: “Fora, PT!” O conteúdo repete factoides, mitos, boatos e todo o arsenal usado durante a campanha eleitoral contra a reeleição da presidente.

Inquérito contaminado

A página inicial da organização ainda pode ser acessada (ver aqui) no Facebook, embora a participação seja exclusiva para inscritos sob convite, e apresenta a OCC como “um instituto de orientação da cidadania, da democracia, da promoção do desenvolvimento econômico e social e de outros valores universais”.

Ela remete ao blog da suposta entidade (ver aqui), onde se desenvolvem campanhas em defesa da ditadura militar, teorias conspiratórias e textos que procuram desacreditar alguns profissionais da imprensa – num deles, os autores expõem os repórteres Gustavo Uribe, da Folha de S.Paulo, e Ricardo Chapola, do Estado de S.Paulo.

A OCC tem todas as características de outra organização de extrema-direita que atuou como força auxiliar da repressão nos tempos da ditadura militar: o CCC (Comando de Caça aos Comunistas) também começou como uma entidade da sociedade civil preocupada com a defesa de supostos “valores universais” e acabou transformado em milícia terrorista, praticando ações extremas como a depredação de uma emissora de rádio, atentados a bomba e o assassinato de um padre católico no Recife.

A reportagem inclui entrevistas com especialistas em Direito Administrativo e Penal para os quais o posicionamento político de delegados na condução de uma investigação pode colocar em xeque a neutralidade e conduzir até mesmo à nulidade de um inquérito. Alguns dos consultados citam a Operação Satiagraha, que levou à destituição e condenação do delegado federal Protógenes Queiroz por vazamento de informações sigilosas. Como se sabe, com essa justificativa a Operação Satiagraha foi esvaziada por decisão do Supremo Tribunal Federal, deixando livre o principal acusado, o banqueiro Daniel Dantas.

A revelação feita pelo Estado de S.Paulo e o que se pode apurar sobre os personagens dessa história compõem um escândalo dentro do escândalo da Petrobras e expõem a perigosa contaminação de toda uma superintendência regional da Polícia Federal por interesses externos ao da atividade policial, o que coloca em dúvida a qualificação de seus agentes para conduzir essa investigação, e, por consequência, de todo o noticiário que se seguiu.

Além disso, revela de onde vêm os factoides utilizados pela imprensa para exercer sua influência em questões importantes para a sociedade brasileira, como a eleição para a Presidência da República.

Um comentário:

  1. Darcy Brasil Rodrigues da Silva14 de novembro de 2014 às 15:00

    Isso não constitui , para mim, nenhuma surpresa. Ao imaginar, por exemplo, como se daria um processo de cooptação de pessoas movido pela CIA aqui no Brasil ( ou alguém ainda é ingênuo de não acreditar que essa é uma atividade muito mais intensa, científica, permanente, do que a própria espionagem denunciada pela nossa presidenta na ONU?) , sempre elegi os aparatos de repressão do Estado como sendo aqueles que mais atenderiam aos desígnios da instituição ianque de inteligência e preparação de derrubadas de regimes anti-imperialistas. Os cooptados entre jovens ( para isso estão aí os programas de intercâmbio da juventude, que expõe aos olhares de famílias estadunidenses eventuais jovens brasileiros passíveis de serem identificados como potenciais indivíduos a serem seduzidos pelo canto da sereia da CIA) também seriam ( na minha imaginação, em tentativa de responder como deveria agir a CIA entre nós) instruídos a se preparar e prestar exames para instituições como a polícia federal, nelas se infiltrando, agindo sob as ordens da CIA. Outras organizações de direita existentes no Brasil poderiam igualmente agir planejadamente com essa finalidade. Para mim, o Estado Democrático de Direito não passa de uma construção fantasiosa produzida pelo pensamento liberal. O Estado jamais perderá o seu caráter de classe e este caráter consiste em ser um instrumento de dominação das elites sobre o povo. Estimo que , se fosse realizada uma pesquisa entre os policiais federais, a grande maioria se declararia eleitores de Aécio. Isto está de acordo com a origem pequeno-burguesa desses agentes. Desse modo, a infiltração entre eles de agentes cooptados por instituições como a CIA ( ou , por que não?, organizações como o Instituto Milleniun, Opus Dei, maçonaria ) converteria a Polícia Federal em um locus permanente de ameaça de golpes e conspirações contra governos progressistas e anti-imperialistas. Seria eu um paranoico?

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