Por Sarah Fernandes, na Rede Brasil Atual:
A mídia tem grande responsabilidade sobre os casos de violência contra a mulher, em principal por transmitir a ideia de que o corpo feminino é um objeto que pode estar à disposição do prazer masculino. A observação é da secretária-adjunta de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres da Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM), Rosângela Rigo.
“Quando você mercantiliza o corpo da mulher você a transforma em um objeto de venda e de desejo, com o qual se pode fazer o que quiser. A mídia tem grande papel nessa violação de direitos. Ela estimula de forma indireta a violência física e sexual. À medida que a mídia começar a tratar a mulher e seu corpo com respeito vai também transformar essa visão estigmatizada da mulher”, afirmou hoje (25) em entrevista à RBA, por ocasião do Dia Internacional de Enfrentamento à Violência contra Mulher.
De acordo com a secretária-adjunta, o governo federal planeja implementar ações para estimular as redes de comunicação a repensar a forma como tratam a mulher e como noticiam os casos de violência. “Dependendo da forma como fazem isso, podem contribuir mais ou menos para a conquista de autonomia das mulheres ou para a continuidade da violência”, afirma.
Entre 2003 e 2014 o número de serviços especializados no atendimento às mulheres vítimas de violência aumentou 306%, saltando de 332 unidades para 1.007, em todo o país. Só neste ano, quando a Central 180 deixou de ser só um canal para obter informações e passou também a receber denúncias, o número de ligações diárias aumentou em 8 mil.
Quais as principais ações do governo brasileiro para enfrentar a violência contra a mulher? Como a sra. avalia seus resultados?
O governo brasileiro vem investindo nos últimos 12 anos na implementação de políticas para as mulheres. Até então tínhamos ações específicas, mas quando a Secretaria de Política para as Mulheres foi criada, com status de ministério, é que pudemos articular uma série de políticas, uma delas a própria Política Nacional de Enfrentamento da Violência Contra as Mulheres. Uma das grandes conquistas foi a implementação, em 2007, do Pacto Nacional de Enfrentamento da Violência Contra as Mulheres, em parceria com estados e municípios e com apoio financeiro para fortalecer uma rede de serviços especializados, tendo como base a aplicação da Lei Maria da Penha.
Tivemos um aumento de 306% no número de serviços especializados de atendimento à violência contra as mulheres, como os Centros Especializados de Atendimento às Mulheres, os juizados especializados em violência familiar e violência doméstica, as defensorias públicas e ministérios públicos especializados. Em 2003 eram 332 unidades de atendimento desses serviços em todo o país, e chegamos a 2014 com 1.007 unidades. E trabalhamos sempre com três pilares importantes: ações de prevenção à violência contra as mulheres, atendimento integral e humanizado das vítimas e o combate à impunidade dos agressores.
Esse crescimento é fruto também da Lei Maria da Penha, que tipificou a violência contra as mulheres como crime. Hoje, pelas pesquisas, 98% da população conhecem ou já ouviram falar da lei. A sociedade começa a discutir e a pautar a violência contra mulher de outra forma.
Quais os principais gargalos que ainda persistem? Por que é difícil alcançá-los?
Uma questão é ter um orçamento cada vez maior. Estamos discutindo no Congresso Nacional um projeto que cria um fundo nacional de enfrentamento da violência contra a mulher para, a exemplo de outros fundos, trabalhar junto com estados e municípios. Com a Lei Maria da Penha, o sistema de Justiça tem um envolvimento maior na questão, mas ainda é preciso aprofundar. Outro gargalo é na segurança pública, que precisa aumentar o número de delegacias especializadas. Temos também muita dificuldade em mudar valores e conceitos sobre violência contra a mulher.
Temos uma parceria com a saúde para ampliar os serviços especializados de atendimento contra as mulheres, mas temos dificuldade de conseguir dados e informações precisas de violência. É preciso organizar um sistema de informação e trabalhar de forma articulada com os demais dados que temos, seja através da notificação compulsória nos serviços de saúde ou dos dados das mortes e assassinatos de mulheres.
Sobre os dados, a secretaria faz o levantamento do número de ocorrências de crimes contra mulher? Há uma tendência de queda ou de crescimento?
Ao acompanhar todos os dados da segurança pública ou a vigilância temos claro que a notificação tem aumentado. Hoje, como temos mais serviços e maior acolhimento das mulheres, o número de denúncias que chega ao poder público é maior, mas isso não quer dizer que houve um aumento dos casos de violência, mas um aumento da notificação, dos boletins de ocorrência e da quantidade de informações que chegam ao poder público. Isso representa um ganho porque o Estado brasileiro assume como responsabilidade atender essas mulheres, que têm hoje mais confiança em denunciar ou buscar serviços públicos nas unidades de saúde ou nas delegacias especializadas. Desde a criação da Central 180, em 2005, tivemos mais de 3,5 milhões de ligações, porém, neste ano quando ela se transformou também em um canal de denúncia, tivemos um aumento de 8 mil ligações por dia para o atendimento às mulheres vítimas de violência.
Os casos brasileiros possuem alguma característica comum? Se concentram em um determinado grupo social ou determinada faixa etária?
A violência contra a mulher não tem cor nem classe. Ela perpassa todas as esferas sociais, porque estamos trabalhando com relações desiguais de poder entre homens e mulheres. Pela nossa cultura machista e patriarcal, os homens ainda se sentem donos das mulheres, mesmo que as mulheres tenham uma profissão e autonomia. Nossa cultura reafirma os papéis desiguais entre homens e mulheres.
Entre as mulheres, de crianças até a idade de 39 anos, a violência de gênero é o principal motivo que as leva ao serviço de saúde. Na terceira idade a violência contra as mulheres é a terceira causa de violações de direitos. Em todas as fases da vida a mulher sofre algum tipo de violação. E lembrando que a violência doméstica é a de maior incidência. Ela nem sempre é física, muitas vezes é uma violência psicológica, com desqualificação e xingamentos, e com a detenção de documentos.
Quais são os principais desafios no combate à violência contra a mulher?
Construir uma sociedade igualitária, reconhecendo que todos têm os mesmos direitos. Temos de combater o valor ainda muito presente que alguém tem poder sobre a vida das mulheres. Por isso, a SPM tem no programa “Mulher, Viver sem Violência” as campanhas continuadas para termos um diálogo permanente com a sociedade e para colocar qual a responsabilidade do Estado na construção de relações igualitárias. É preciso que a sociedade reconheça que esse tipo de violência é um crime e uma violação de direitos.
Na educação, atuamos nas discussões sobre diversidade na escola, com uma discussão de relações sociais de gênero. A SPM, na sua relação com as secretarias estaduais de educação, tem desenvolvido ações para que os profissionais da educação sejam cada vez mais qualificados para debater esse tema e desenvolver ações de prevenção, trabalhando a desconstrução do papel social da mulher. Menino pode brincar de boneca e menina pode jogar futebol. Homens e mulheres podem ser o que eles desejarem ser.
Qual a relação entre a mercantilização da mulher, tão fomentada pela mídia, e os casos de violência?
Quando você mercantiliza o corpo da mulher você transforma a mulher em um objeto de venda e de desejo, que você pode coisificar e fazer o que quiser. A mídia tem grande papel nessa violação de direitos. Ela estimula de forma indireta a violência física e sexual. A medida que a mídia começar a tratar a mulher e seu corpo com respeito vai também transformar essa visão estigmatizada da mulher.
A SPM tem, em vários momentos, discutido o papel da mídia na construção da imagem da mulher. Já realizamos seminários sobre mulher e mídia. Queremos estimular os sistemas de comunicação para que façam sua parte, seja por campanhas ou para que repensem seu papel e a maneira como noticiam casos de violência. Dependendo da forma, podem contribuir mais ou menos para a conquista de autonomia das mulheres ou para a continuidade da violência.
Que outras concepções históricas sobre o papel da mulher na sociedade acabam por fomentar os casos de violência?
Existe uma divisão sexual dos papéis na sociedade, em que o homem pode determinadas coisas e a mulher não. O homem que exercita sua sexualidade de forma mais livre não é desqualificado, mas a mulher é. Tudo isso constrói o cenário da violação de direitos. Todo histórico de uma sociedade em que a mulher não podia votar e tinha que usar o nome do marido marca a ideia de que as mulheres são propriedade dos homens. A partir daí, se trata o corpo da mulher de forma coisificada ou se diz para a companheira que ela não pode trabalhar ou estudar. São conceitos que temos que mudar para construir uma sociedade onde homens e mulheres possam escolher suas profissões, desenvolver sua capacidade intelectual e usufruir de direitos iguais, respeitando suas especificidades, mas de maneira que nenhuma diferença gere desigualdade.
“Quando você mercantiliza o corpo da mulher você a transforma em um objeto de venda e de desejo, com o qual se pode fazer o que quiser. A mídia tem grande papel nessa violação de direitos. Ela estimula de forma indireta a violência física e sexual. À medida que a mídia começar a tratar a mulher e seu corpo com respeito vai também transformar essa visão estigmatizada da mulher”, afirmou hoje (25) em entrevista à RBA, por ocasião do Dia Internacional de Enfrentamento à Violência contra Mulher.
De acordo com a secretária-adjunta, o governo federal planeja implementar ações para estimular as redes de comunicação a repensar a forma como tratam a mulher e como noticiam os casos de violência. “Dependendo da forma como fazem isso, podem contribuir mais ou menos para a conquista de autonomia das mulheres ou para a continuidade da violência”, afirma.
Entre 2003 e 2014 o número de serviços especializados no atendimento às mulheres vítimas de violência aumentou 306%, saltando de 332 unidades para 1.007, em todo o país. Só neste ano, quando a Central 180 deixou de ser só um canal para obter informações e passou também a receber denúncias, o número de ligações diárias aumentou em 8 mil.
Quais as principais ações do governo brasileiro para enfrentar a violência contra a mulher? Como a sra. avalia seus resultados?
O governo brasileiro vem investindo nos últimos 12 anos na implementação de políticas para as mulheres. Até então tínhamos ações específicas, mas quando a Secretaria de Política para as Mulheres foi criada, com status de ministério, é que pudemos articular uma série de políticas, uma delas a própria Política Nacional de Enfrentamento da Violência Contra as Mulheres. Uma das grandes conquistas foi a implementação, em 2007, do Pacto Nacional de Enfrentamento da Violência Contra as Mulheres, em parceria com estados e municípios e com apoio financeiro para fortalecer uma rede de serviços especializados, tendo como base a aplicação da Lei Maria da Penha.
Tivemos um aumento de 306% no número de serviços especializados de atendimento à violência contra as mulheres, como os Centros Especializados de Atendimento às Mulheres, os juizados especializados em violência familiar e violência doméstica, as defensorias públicas e ministérios públicos especializados. Em 2003 eram 332 unidades de atendimento desses serviços em todo o país, e chegamos a 2014 com 1.007 unidades. E trabalhamos sempre com três pilares importantes: ações de prevenção à violência contra as mulheres, atendimento integral e humanizado das vítimas e o combate à impunidade dos agressores.
Esse crescimento é fruto também da Lei Maria da Penha, que tipificou a violência contra as mulheres como crime. Hoje, pelas pesquisas, 98% da população conhecem ou já ouviram falar da lei. A sociedade começa a discutir e a pautar a violência contra mulher de outra forma.
Quais os principais gargalos que ainda persistem? Por que é difícil alcançá-los?
Uma questão é ter um orçamento cada vez maior. Estamos discutindo no Congresso Nacional um projeto que cria um fundo nacional de enfrentamento da violência contra a mulher para, a exemplo de outros fundos, trabalhar junto com estados e municípios. Com a Lei Maria da Penha, o sistema de Justiça tem um envolvimento maior na questão, mas ainda é preciso aprofundar. Outro gargalo é na segurança pública, que precisa aumentar o número de delegacias especializadas. Temos também muita dificuldade em mudar valores e conceitos sobre violência contra a mulher.
Temos uma parceria com a saúde para ampliar os serviços especializados de atendimento contra as mulheres, mas temos dificuldade de conseguir dados e informações precisas de violência. É preciso organizar um sistema de informação e trabalhar de forma articulada com os demais dados que temos, seja através da notificação compulsória nos serviços de saúde ou dos dados das mortes e assassinatos de mulheres.
Sobre os dados, a secretaria faz o levantamento do número de ocorrências de crimes contra mulher? Há uma tendência de queda ou de crescimento?
Ao acompanhar todos os dados da segurança pública ou a vigilância temos claro que a notificação tem aumentado. Hoje, como temos mais serviços e maior acolhimento das mulheres, o número de denúncias que chega ao poder público é maior, mas isso não quer dizer que houve um aumento dos casos de violência, mas um aumento da notificação, dos boletins de ocorrência e da quantidade de informações que chegam ao poder público. Isso representa um ganho porque o Estado brasileiro assume como responsabilidade atender essas mulheres, que têm hoje mais confiança em denunciar ou buscar serviços públicos nas unidades de saúde ou nas delegacias especializadas. Desde a criação da Central 180, em 2005, tivemos mais de 3,5 milhões de ligações, porém, neste ano quando ela se transformou também em um canal de denúncia, tivemos um aumento de 8 mil ligações por dia para o atendimento às mulheres vítimas de violência.
Os casos brasileiros possuem alguma característica comum? Se concentram em um determinado grupo social ou determinada faixa etária?
A violência contra a mulher não tem cor nem classe. Ela perpassa todas as esferas sociais, porque estamos trabalhando com relações desiguais de poder entre homens e mulheres. Pela nossa cultura machista e patriarcal, os homens ainda se sentem donos das mulheres, mesmo que as mulheres tenham uma profissão e autonomia. Nossa cultura reafirma os papéis desiguais entre homens e mulheres.
Entre as mulheres, de crianças até a idade de 39 anos, a violência de gênero é o principal motivo que as leva ao serviço de saúde. Na terceira idade a violência contra as mulheres é a terceira causa de violações de direitos. Em todas as fases da vida a mulher sofre algum tipo de violação. E lembrando que a violência doméstica é a de maior incidência. Ela nem sempre é física, muitas vezes é uma violência psicológica, com desqualificação e xingamentos, e com a detenção de documentos.
Quais são os principais desafios no combate à violência contra a mulher?
Construir uma sociedade igualitária, reconhecendo que todos têm os mesmos direitos. Temos de combater o valor ainda muito presente que alguém tem poder sobre a vida das mulheres. Por isso, a SPM tem no programa “Mulher, Viver sem Violência” as campanhas continuadas para termos um diálogo permanente com a sociedade e para colocar qual a responsabilidade do Estado na construção de relações igualitárias. É preciso que a sociedade reconheça que esse tipo de violência é um crime e uma violação de direitos.
Na educação, atuamos nas discussões sobre diversidade na escola, com uma discussão de relações sociais de gênero. A SPM, na sua relação com as secretarias estaduais de educação, tem desenvolvido ações para que os profissionais da educação sejam cada vez mais qualificados para debater esse tema e desenvolver ações de prevenção, trabalhando a desconstrução do papel social da mulher. Menino pode brincar de boneca e menina pode jogar futebol. Homens e mulheres podem ser o que eles desejarem ser.
Qual a relação entre a mercantilização da mulher, tão fomentada pela mídia, e os casos de violência?
Quando você mercantiliza o corpo da mulher você transforma a mulher em um objeto de venda e de desejo, que você pode coisificar e fazer o que quiser. A mídia tem grande papel nessa violação de direitos. Ela estimula de forma indireta a violência física e sexual. A medida que a mídia começar a tratar a mulher e seu corpo com respeito vai também transformar essa visão estigmatizada da mulher.
A SPM tem, em vários momentos, discutido o papel da mídia na construção da imagem da mulher. Já realizamos seminários sobre mulher e mídia. Queremos estimular os sistemas de comunicação para que façam sua parte, seja por campanhas ou para que repensem seu papel e a maneira como noticiam casos de violência. Dependendo da forma, podem contribuir mais ou menos para a conquista de autonomia das mulheres ou para a continuidade da violência.
Que outras concepções históricas sobre o papel da mulher na sociedade acabam por fomentar os casos de violência?
Existe uma divisão sexual dos papéis na sociedade, em que o homem pode determinadas coisas e a mulher não. O homem que exercita sua sexualidade de forma mais livre não é desqualificado, mas a mulher é. Tudo isso constrói o cenário da violação de direitos. Todo histórico de uma sociedade em que a mulher não podia votar e tinha que usar o nome do marido marca a ideia de que as mulheres são propriedade dos homens. A partir daí, se trata o corpo da mulher de forma coisificada ou se diz para a companheira que ela não pode trabalhar ou estudar. São conceitos que temos que mudar para construir uma sociedade onde homens e mulheres possam escolher suas profissões, desenvolver sua capacidade intelectual e usufruir de direitos iguais, respeitando suas especificidades, mas de maneira que nenhuma diferença gere desigualdade.
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