Por Breno Altman, em seu blog:
O último da minha linhagem a acreditar em Deus deve ter morrido no início do século passado.
Para mim, o Natal é uma data sem qualquer significado especial, ainda que tenha aprendido a respeitar aqueles que celebram nascimento de Jesus.
Mas quero aproveitar esta véspera natalina para uma confissão.
Há ano e meio escrevi, para o Opera Mundi, artigo dos mais furados de minha vida jornalística. O título diz tudo, basta clicar para ter acesso ao texto: “Papa Francisco é a contrarrevolução moderna”.
Eu sei que não é costume muito apreciado na minha profissão o reconhecimento dos erros.
Pertencemos, afinal, àquele grupo de carreiras no qual a credibilidade depende de acerto nas informações e previsões.
Quando se mete o pé na jaca, normalmente a saída é espremer a realidade na camisa de força dos textos que escrevemos.
Ou deixar o tempo passar, torcendo para que os leitores se esqueçam das barbaridades cometidas.
No limite, concede-se um “erramos” sem muita visibilidade, para fazer constar.
O equívoco, porém, foi tão estapafúrdio que seria vergonhoso não admiti-lo de público.
Não porque vá fazer diferença para alguém. Apenas pelo desejo de ficar em paz com minha consciência.
A síntese da análise escabrosa está no parágrafo abaixo, no qual comentava o pensamento do novo pontífice, então recém-eleito:
“Não há qualquer diferença de abordagem… daquela pregada por João Paulo II e Bento XVI. Continuam de pé os mesmo dogmas: a centralidade da fé religiosa sobre os problemas políticos e sociais, o combate irascível contra o direito das mulheres à interrupção da gravidez e a afirmação da heterossexualidade como única relação erótico-afetiva possível.”
Querem mais?
“Despida de ritos aristocráticos e confrontando a antiga cúria corrupta, a Igreja Católica apresenta-se com uma face nova, capaz de cativar o mundo para as mesmas ideias de sempre.”
Ou ainda…
“O estilo de Francisco…traz jovialidade, simpatia e humildade à linguagem carcomida de seus antecessores. Apesar de refutar qualquer alteração ao conjunto de decisões que tiraram correntes católicas do apoio às batalhas populares, sua oratória a favor dos pobres rejuvenesce o Vaticano.”
Para arrematar assim:
“A direita encontra, nesta renovação, bom motivo para entusiasmo. Um papa fortalecido e celebrado é instrumento notável para qualquer estratégia de redução da influência de esquerda nas camadas de menor renda, especialmente na América Latina.”
Desde então, o papa Francisco desmentiu praticamente todas estas arrogantes previsões.
Além de enfrentar a corte vaticana e seus interesses, se lançou em cruzada para levar o catolicismo de volta ao convívio com os movimentos populares, abraçando sua causa.
Luta para reformar o discurso da Igreja sobre direitos civis, incluindo temas outrora proibidos, como o acolhimento da diversidade sexual e a defesa da saúde feminina frente aos dogmas religiosos.
Estendeu sua mão para a esquerda latino-americana, apoiando experiências progressistas e desautorizando o vínculo de organizações católicas às conspirações conservadoras.
Como se não bastasse, o papa Francisco foi decisivo nas tratativas que levaram os Estados Unidos a reatar relações diplomáticas com Cuba, mais de cinquenta anos depois da ruptura.
Paguei o mico de compará-lo a seus antecessores, patriarcas da reação ultramontana que se instalou na Igreja desde os anos oitenta.
A comparação pertinente, no entanto, seria com a era de João XXIII, que liderou reforma da instituição nos anos sessenta e abriu espaço para a Teologia da Libertação.
O papa argentino, aliás, pode ter menos força que o chefe do Concílio Vaticano II, mas seu programa é mais profundo e herético.
O primeiro a tentar abrir meus olhos sobre os enganos que cometia e divulgava foi João Pedro Stédile, o bravo líder do MST e da Via Campesina, atualmente um dos principais interlocutores leigos de Francisco.
Demorei a lhe dar ouvidos. Aos poucos, contudo, fui me dando conta que havia sido contaminado por preconceitos e desvarios.
Vivendo e aprendendo.
Hoje reconheço que o papa lidera revolução no catolicismo, que deve ser observada e partilhada pelas forças progressistas do planeta.
Não sei se será vitorioso, pois as correntes retrógradas parecem ainda possuir imensas fortalezas.
O que importa, contudo, é que a Missa do Galo será rezada esta noite, pelo segundo ano consecutivo, por um papa que tem revelado compromisso com os pobres e as mudanças.
Quanto a mim, se cristão fosse, caberia alguma penitência pelas conclusões açodadas de 2013.
A vantagem dos ateus é que basta a autocrítica.
Um postagem com auto-critica, como essa do Breno Altman, é mais uma atestado do valor dos blogs progressistas para a construção de uma nova sociedade.
ResponderExcluirObrigado pelo que têm escrito é ótimo Natal a todos.
ResponderExcluirBreno, primeiramente, meus parabéns. O mea-culpa em jornalista sempre dói. A maior parte da classe julga-se superior a Juízes, Ministros e outros deuses. Lembra-me aquela piada do mais antigo hospede de um hospital psiquiátrico que, ao inquirir um novel interno, perguntou-lhe:-"Quem é você? E a resposta veio pronta: -"Trouxeram-me pra cá porque sou Deus". O decano saiu de perto e, sorrindo com escárnio pensou: "Tinha de ser preso mesmo. É doido varrido, pois Deus sou Eu". Mas também errei sobre o Papa Francisco, não que não goste de argentino. Pelo contrário, se o goleiro da seleção brasileira falasse comigo e não com o Lula, para mudar para a Argentina porque disse que o Messe era o melhor do mundo, de pronto responderia que sim, desde que ele comprasse uma casa pra mim nas terras portenhas, porque o salário de um petista não dá. Mas o de um goleiro da seleção, que está sob o travessão não por ser o melhor, mas por ser afilhado dos dirigentes da CBF, teria dinheiro de sobra. Também a garra dos portenhos, o exemplo "de las abuelas e madres del pais vecino", quedam-me apático. Mas, Breno, porque sou espírita e não termos um Papa, procuramos a causa primeira do Universo. Não através da fé cega, mas da Fé raciocinada, da Fé evidente, isto é, daquela fé que decorre da inexistência do contrário. A fé intrínseca, autêntica e pertinente ao Ser Humano, o ‘Cogito’ Cartesiano. Quase todos os papas jamais admitiram o Espiritismo, alegando que a nossa Bíblia é decorrente do pensamento de apenas uma pessoa, Allan Kardec comentário que pouco, ou nada, nos importa. A bíblia, antigo e novo testamento, foi escrita por Deus ou por homens? E o Alcorão? O teólogo Leonardo Boff e várias outras autoridades não nos hostilizam dizendo que trabalhamos com mortos. Ledo e puro engano daqueles que são contra eles que nos entendem. Lidamos com a parte imortal do ser, lidamos com o Espírito que, quando encarnado, é a Alma da pessoa. O Papa Francisco I, que foi até alvo de chacota por suceder ao Bento XVI, sendo por nós chamado o "Papa Chico Bento", em homenagem ao Maurício de Souza, acolheu-nos com sinceridade, hombridade e humildade. Também faço aqui o mea-culpa por ter duvidado da capacidade do atual Papa de acolher-nos com carinho, não indo contra a Teologia da Libertação, regra católica que nós espiritas seguimos porque inclui o pobre, os invisíveis, na parte mais importante do Igreja, o que nos envaidece e redime: ”E a Igreja se fez Povo", abrindo o caminho para que, na esfera política, possamos um dia dizer "O Estado se Fez Povo" e não como agora vemos, "O Estado se fez Presidente, Ministros, Juízes, senadores, deputados e partidos políticos" e governar-nos através de nossas CEBD (Comunidades Estaduais de Base Democrática).