Por Miguel do Rosário, no blog O Cafezinho:
No dia 11 de novembro último, escrevi um post que terminava prometendo uma continuação, na qual relataria o caso Enzo Tortora, o maior escândalo judicial das últimas décadas na Itália, quiçá da Europa. Só que a blogagem política no Brasil é uma montanha russa. Todo dia um susto, uma nova tentativa de golpe, um escândalo, uma manipulação torpe, e como eu sou apenas um, nem sempre consigo tempo, tampouco serenidade, para escrever o que eu quero. A gente fica à mercê das tempestades.
O caso Enzo Tortora foi mencionado por Henrique Pizzolato, numa entrevista para a imprensa italiana que o Estadão surrupiou e publicou como se fosse dada ao jornal brasileiro, mas mutilando a parte em que o petista compara o seu calvário ao de Tortora.
“Sou um novo Tortora”, disse Pizzolato, e a frase foi para a manchete de dois jornais italianos.
Quem foi Enzo Tortora? Por que Pizzolato o citou? Por que os jornais italianos deram manchete justamente a essa frase? Por que os jornais brasileiros cortaram a menção na entrevista que publicaram aqui?
Eu vou resumir a história de Tortora, que na verdade é bem simples.
Trata-se de um escandaloso episódio de erro judicial, envolvendo delação premiada. Um inocente foi preso, e só foi inocentado oito anos depois, após sua vida e de sua família serem destruídas na mídia.
A comoção na Itália, e a vergonha na opinião pública, foram tão grandes, quando se deu conta do erro, que foi realizado um plebiscito para aprovar uma lei, impondo duras penalidades a juízes e promotores que cometessem arbítrios contra cidadãos italianos, como cercear o direito à defesa ou agir deliberadamente, sem a devida imparcialidade, para culpabilizar o réu.
A lei ganhou o plebiscito com mais de 80% de aprovação. Quando foi sancionada, porém, em 1987, recebeu cortes que a descaracterizaram, mas uma nova lei, agora aceitando integralmente os termos constantes no plebiscito, foi aprovada no início deste ano de 2014.
A história de Tortora oferece um alerta fundamental para os riscos da instituição da delação premiada, sobretudo em países onde a comoção pública parece se converter em linchamento, pressionando promotores e juízes a condenarem mesmo sem provas.
Aconteceu o seguinte.
Às quatro e quinze da manhã, do dia 17 de junho de 1983, o famoso apresentador de TV, Enzo Tortora, acordou ao som de fortes batidas em sua porta, no hotel em que vivia em Roma.
Eram “carabineri”, a polícia italiana, que vinham lhe prender.
Tortora havia sido acusado de envolvimento com a Nova Camorra, uma das máfias mais poderosas do crime organizado italiano.
Em maio de 1982, o parlamento italiano havia aprovado a chamada “legge sui pentiti”, a lei dos arrependidos, que previa redução da pena a quem se dispunha a colaborar com o Estado na luta contra o terrorismo e a criminalidade organizada.
Então, um presidiário ligado à máfia acusa Enzo Tortora de fazer parte do grupo, operando no tráfico de cocaína.
Tortora apresentava um programa do tipo bem comercial, em que os telespectadores enviavam produtos excêntricos, para que fossem leiloados ao vivo.
Um presidiário, ligado a Camorra, enviou um jogo de bordados que ele mesmo tinha feito, para o programa. Passado vários meses, o presidiário começou a escrever cartas perguntando o que tinha sido feito de seus bordados. A produção do programa pediu que o depósito fosse vistoriado, mas eles não foram encontrados.
Tortora, então, escreve uma carta ao camorrista, relatando o extravio do material e propondo uma indenização pecuniária.
O camorrista irá, em seguida, usar esta carta para incriminar Tortora, dizendo que ela vinha escrita em linguagem cifrada, e que o bordado significava drogas, e que a oferta de dinheiro relacionava-se à quantia a ser paga.
Quando Tortora se defende perante o juiz e imprensa, que acompanha o caso em tom sensacionalista, jurando que não conhecia o delator, o presidiário mostra a carta, como prova que eles mantinham contato.
Uma sequência de fatos se desencadeia em desfavor de Enzo Tortora.
Outros mafiosos, que ouviram a história na TV e a leram nos jornais, resolvem também delatar Enzo Tortora.
No apartamento de um dos delatores, a polícia encontra uma agenda onde se lia o nome “Tortora”, ao lado de um número telefônico (em seguida, seria comprovado que o nome certo era Tortona, não Tortora, e que o número de telefone não era do apresentador).
Os jornais caem em cima de Tortora, sem piedade. Longos editoriais, artigos, crônicas, charges, são publicadas contra o pobre apresentador, que esbravejava inutilmente sua inocência. Raríssimos intelectuais saíram em sua defesa. Certamente, os que entendiam ética também como respeito absoluto as direitos individuais, onde se inclui o direito à dignidade, contra o Estado, a mídia e as massas.
Sua única defesa, perante tantos delatores lhe acusando, era que todos eram bandidos, e sua palavra não merecia fé.
Aí aparece um pintor, sem ligação com a máfia, afirmando que tinha visto Enzo Tortora vendendo cocaína num banheiro de uma festa VIP.
O tal pintor vai a todos os programas de TV possíveis.
A casa caiu para Enzo Tortora.
Ele não tinha mais como se defender.
Juízes e procuradores também usaram o caso para se promoverem.
Enzo Tortora, já visto por uma parcela da opinião pública como uma vítima de um judiciário negligente, mas ainda não absolvido pela Justiça, foi eleito deputado do parlamento europeu por um partido da nova esquerda italiana, o Partido Radical.
Mesmo eleito deputado, Tortora perdeu os últimos recursos a que tinha direito, e foi condenado a tantos anos de reclusão, logo convertida para prisão domiciliar. Ele renuncia ao parlamento europeu para cumprir a pena.
Anos depois, tudo começou a ruir.
Era tudo mentira. O pintor apenas queria aparecer. Descobriu-se que ele já tinha sido condenado, em outras ocasiões, por fazer acusações falsas.
Os mafiosos queriam apenas se beneficiar da delação premiada, e escolheram Enzo Tortora como um alvo perfeito. Era um cara importante o suficiente para fazer bonito junto à promotoria. E era inocente, ou seja, eles não denunciavam nenhum perigoso figurão da máfia, que naturalmente não ficaria satisfeito em ser delatado.
Ao cabo, um novo julgamento é realizado, e Tortora é totalmente absolvido.
No documentário, é comovente a cena do advogado de Tortora chorando copiosamente com o fim de um pesadelo de oito anos.
A delação premiada é o pesadelo dos advogados, que vê seu cliente ser acusado sem que seja apresentada nenhuma prova.
No Brasil, a instituição da delação premiada, que pode ser importante em alguns casos, está se tornando uma verdadeira panaceia, e a comunidade jurídica e política devem se insurgir contra a tentativa de torná-la em instrumento do arbítrio, sobretudo se manipulada inescrupulosamente pela mídia.
Vou contar-lhes um outro caso, atual, que demonstra os perigos da delação premiada. Acaba de acontecer com o diretor regional dos Correios, do Rio de Janeiro, Omar de Assis Moreira.
Através de conhecidos em comum, ele me procurou, e conversamos por algumas horas. Parece-me mais uma história de arbítrio e erro judicial, possivelmente com o dedinho de algum procurador metido a justiceiro.
Em abril de 2013, Omar exonerou o gerente de saúde dos Correios. Ele ainda não sabia das irregularidades que seriam encontradas na área. Foi por outra razão: o gerente deixou de atender um funcionário que se encontrava num hospital público de uma cidade do interior do estado. Um caso de negligência explícita, com requintes de desumanidade.
O novo gerente de Saúde, então, começou a achar coisas estranhas nos contratos com os planos de saúde e hospitais conveniados e procurou Omar.
Omar pediu que fosse feito um relatório. Feito o relatório, criou uma comissão interna para avaliar a procedência das informações contidas no documento. Sim, havia irregularidades.
O diretor então cria imediatamente uma sindicância interna e aciona a Polícia Federal.
Tem início o processo oficial de investigação do que, mais tarde, se revelaria um esquema de fraude nos pagamentos aos planos de saúde dos funcionários dos Correios.
Aí entra um outro personagem na história: um dos assessores de Omar. Ao ser empossado diretor regional dos Correios, Omar tinha o direito de chamar mais ou menos meia dúzia de assessores. Um deles é o personagem da nossa história.
Em outubro de 2013, o assessor de Omar é flagrado numa fraude grotesca. Ele havia simulado o internamento de sua mulher num hospital de Laranjeiras, zona sul do Rio. Na mesma data da internação, entre julho e agosto de 2013, a mulher e ele apareciam numa festinha de amigos, com fotos no Facebook.
Os boatos começam a circular nos corredores, até porque o clima andava tenso, com a existência de uma sindicância interna para apurar justamente fraudes na gestão dos planos de saúde dos carteiros, e chegam aos ouvidos de Omar.
A Polícia Federal então investiga o caso e descobre rapido e facilmente que o assessor, de fato, havia fraudado a internação da esposa, provavelmente em conluio com gente do hospital.
Omar o exonera imediatamente, assim que ele é indiciado pela PF.
As investigações correm e, em março deste ano de 2014, mais dois funcionários são pegos pela PF protagonizando a mesma fraude cometida pelo assessor de Omar, na mesma época e no mesmo hospital.
A PF ou a promotoria voltam a apertar o assessor. Pedem que ele denuncie gente graúda que fazia parte do esquema.
Daí o assessor inicia um processo de delação premiada, e quem ele acusa?
Omar, o diretor regional dos Correios.
Segundo o assessor, Omar receberia R$ 6 mil por mês para acobertar o esquema. Não apresentou provas, apenas a sua palavra, além de duas testemunhas, um sobrinho, que ele havia empregado nos Correios, e um amigo. As duas testemunhas apenas dizem que, em certa ocasião, estando na companhia do assessor, viram-no ir até um outro carro, num posto de gasolina, e entregar um envelope a ele.
Pelo que Omar me contou, é um caso bastante fraco de delação premiada. Mas já rendeu matéria na Veja e no RJ TV, onde apenas a palavra do delator foi ouvida. A Veja foi, como sempre, a mais pobre: não deu o nome do delator, disse apenas que era fonte anônima.
O caso me parece mais um episódio a comprovar o cuidado que devemos ter com a instituição da delação premiada.
Não há como deixar de pensar na Operação Lava Jato, onde também há uma grande volúpia, por parte do judiciário e do Ministério Público, e usar a delação premiada. Neste caso, parece que temos elementos mais consistentes, que não apenas a delação. Mesmo assim, ou antes justamente por isso, é preciso ter cuidado. A existência de provas pode dar substância à uma denúncia sincera de um criminoso, mas também pode ajudar a validar uma série de mentiras. Por exemplo, descobre-se que fulano, já preso preventivamente, tem determinada conta na Suíça, proveniente de propina. Isso é prova que ele é corrupto, ou lavador de dinheiro, mas não pode servir para validar uma acusação falsa contra uma outra pessoa, sem que seja mostrada uma prova concreta que envolva esta pessoa.
Enfim, a juízes, promotores e delegados cumpre investigarem, acusarem e julgarem com honestidade, sem entrar no jogo sujo da política e da mídia, e sem se arvorarem em justiceiros.
A única coisa que interessa à nossa democracia e ao nosso povo, e apesar dos preconceitos do próprio povo, é que a justiça seja conduzida com sábia moderação e estrito compromisso com os ditames da Constituição e do bom senso.
O caso Enzo Tortora foi mencionado por Henrique Pizzolato, numa entrevista para a imprensa italiana que o Estadão surrupiou e publicou como se fosse dada ao jornal brasileiro, mas mutilando a parte em que o petista compara o seu calvário ao de Tortora.
“Sou um novo Tortora”, disse Pizzolato, e a frase foi para a manchete de dois jornais italianos.
Quem foi Enzo Tortora? Por que Pizzolato o citou? Por que os jornais italianos deram manchete justamente a essa frase? Por que os jornais brasileiros cortaram a menção na entrevista que publicaram aqui?
Eu vou resumir a história de Tortora, que na verdade é bem simples.
Trata-se de um escandaloso episódio de erro judicial, envolvendo delação premiada. Um inocente foi preso, e só foi inocentado oito anos depois, após sua vida e de sua família serem destruídas na mídia.
A comoção na Itália, e a vergonha na opinião pública, foram tão grandes, quando se deu conta do erro, que foi realizado um plebiscito para aprovar uma lei, impondo duras penalidades a juízes e promotores que cometessem arbítrios contra cidadãos italianos, como cercear o direito à defesa ou agir deliberadamente, sem a devida imparcialidade, para culpabilizar o réu.
A lei ganhou o plebiscito com mais de 80% de aprovação. Quando foi sancionada, porém, em 1987, recebeu cortes que a descaracterizaram, mas uma nova lei, agora aceitando integralmente os termos constantes no plebiscito, foi aprovada no início deste ano de 2014.
A história de Tortora oferece um alerta fundamental para os riscos da instituição da delação premiada, sobretudo em países onde a comoção pública parece se converter em linchamento, pressionando promotores e juízes a condenarem mesmo sem provas.
Aconteceu o seguinte.
Às quatro e quinze da manhã, do dia 17 de junho de 1983, o famoso apresentador de TV, Enzo Tortora, acordou ao som de fortes batidas em sua porta, no hotel em que vivia em Roma.
Eram “carabineri”, a polícia italiana, que vinham lhe prender.
Tortora havia sido acusado de envolvimento com a Nova Camorra, uma das máfias mais poderosas do crime organizado italiano.
Em maio de 1982, o parlamento italiano havia aprovado a chamada “legge sui pentiti”, a lei dos arrependidos, que previa redução da pena a quem se dispunha a colaborar com o Estado na luta contra o terrorismo e a criminalidade organizada.
Então, um presidiário ligado à máfia acusa Enzo Tortora de fazer parte do grupo, operando no tráfico de cocaína.
Tortora apresentava um programa do tipo bem comercial, em que os telespectadores enviavam produtos excêntricos, para que fossem leiloados ao vivo.
Um presidiário, ligado a Camorra, enviou um jogo de bordados que ele mesmo tinha feito, para o programa. Passado vários meses, o presidiário começou a escrever cartas perguntando o que tinha sido feito de seus bordados. A produção do programa pediu que o depósito fosse vistoriado, mas eles não foram encontrados.
Tortora, então, escreve uma carta ao camorrista, relatando o extravio do material e propondo uma indenização pecuniária.
O camorrista irá, em seguida, usar esta carta para incriminar Tortora, dizendo que ela vinha escrita em linguagem cifrada, e que o bordado significava drogas, e que a oferta de dinheiro relacionava-se à quantia a ser paga.
Quando Tortora se defende perante o juiz e imprensa, que acompanha o caso em tom sensacionalista, jurando que não conhecia o delator, o presidiário mostra a carta, como prova que eles mantinham contato.
Uma sequência de fatos se desencadeia em desfavor de Enzo Tortora.
Outros mafiosos, que ouviram a história na TV e a leram nos jornais, resolvem também delatar Enzo Tortora.
No apartamento de um dos delatores, a polícia encontra uma agenda onde se lia o nome “Tortora”, ao lado de um número telefônico (em seguida, seria comprovado que o nome certo era Tortona, não Tortora, e que o número de telefone não era do apresentador).
Os jornais caem em cima de Tortora, sem piedade. Longos editoriais, artigos, crônicas, charges, são publicadas contra o pobre apresentador, que esbravejava inutilmente sua inocência. Raríssimos intelectuais saíram em sua defesa. Certamente, os que entendiam ética também como respeito absoluto as direitos individuais, onde se inclui o direito à dignidade, contra o Estado, a mídia e as massas.
Sua única defesa, perante tantos delatores lhe acusando, era que todos eram bandidos, e sua palavra não merecia fé.
Aí aparece um pintor, sem ligação com a máfia, afirmando que tinha visto Enzo Tortora vendendo cocaína num banheiro de uma festa VIP.
O tal pintor vai a todos os programas de TV possíveis.
A casa caiu para Enzo Tortora.
Ele não tinha mais como se defender.
Juízes e procuradores também usaram o caso para se promoverem.
Enzo Tortora, já visto por uma parcela da opinião pública como uma vítima de um judiciário negligente, mas ainda não absolvido pela Justiça, foi eleito deputado do parlamento europeu por um partido da nova esquerda italiana, o Partido Radical.
Mesmo eleito deputado, Tortora perdeu os últimos recursos a que tinha direito, e foi condenado a tantos anos de reclusão, logo convertida para prisão domiciliar. Ele renuncia ao parlamento europeu para cumprir a pena.
Anos depois, tudo começou a ruir.
Era tudo mentira. O pintor apenas queria aparecer. Descobriu-se que ele já tinha sido condenado, em outras ocasiões, por fazer acusações falsas.
Os mafiosos queriam apenas se beneficiar da delação premiada, e escolheram Enzo Tortora como um alvo perfeito. Era um cara importante o suficiente para fazer bonito junto à promotoria. E era inocente, ou seja, eles não denunciavam nenhum perigoso figurão da máfia, que naturalmente não ficaria satisfeito em ser delatado.
Ao cabo, um novo julgamento é realizado, e Tortora é totalmente absolvido.
No documentário, é comovente a cena do advogado de Tortora chorando copiosamente com o fim de um pesadelo de oito anos.
A delação premiada é o pesadelo dos advogados, que vê seu cliente ser acusado sem que seja apresentada nenhuma prova.
No Brasil, a instituição da delação premiada, que pode ser importante em alguns casos, está se tornando uma verdadeira panaceia, e a comunidade jurídica e política devem se insurgir contra a tentativa de torná-la em instrumento do arbítrio, sobretudo se manipulada inescrupulosamente pela mídia.
Vou contar-lhes um outro caso, atual, que demonstra os perigos da delação premiada. Acaba de acontecer com o diretor regional dos Correios, do Rio de Janeiro, Omar de Assis Moreira.
Através de conhecidos em comum, ele me procurou, e conversamos por algumas horas. Parece-me mais uma história de arbítrio e erro judicial, possivelmente com o dedinho de algum procurador metido a justiceiro.
Em abril de 2013, Omar exonerou o gerente de saúde dos Correios. Ele ainda não sabia das irregularidades que seriam encontradas na área. Foi por outra razão: o gerente deixou de atender um funcionário que se encontrava num hospital público de uma cidade do interior do estado. Um caso de negligência explícita, com requintes de desumanidade.
O novo gerente de Saúde, então, começou a achar coisas estranhas nos contratos com os planos de saúde e hospitais conveniados e procurou Omar.
Omar pediu que fosse feito um relatório. Feito o relatório, criou uma comissão interna para avaliar a procedência das informações contidas no documento. Sim, havia irregularidades.
O diretor então cria imediatamente uma sindicância interna e aciona a Polícia Federal.
Tem início o processo oficial de investigação do que, mais tarde, se revelaria um esquema de fraude nos pagamentos aos planos de saúde dos funcionários dos Correios.
Aí entra um outro personagem na história: um dos assessores de Omar. Ao ser empossado diretor regional dos Correios, Omar tinha o direito de chamar mais ou menos meia dúzia de assessores. Um deles é o personagem da nossa história.
Em outubro de 2013, o assessor de Omar é flagrado numa fraude grotesca. Ele havia simulado o internamento de sua mulher num hospital de Laranjeiras, zona sul do Rio. Na mesma data da internação, entre julho e agosto de 2013, a mulher e ele apareciam numa festinha de amigos, com fotos no Facebook.
Os boatos começam a circular nos corredores, até porque o clima andava tenso, com a existência de uma sindicância interna para apurar justamente fraudes na gestão dos planos de saúde dos carteiros, e chegam aos ouvidos de Omar.
A Polícia Federal então investiga o caso e descobre rapido e facilmente que o assessor, de fato, havia fraudado a internação da esposa, provavelmente em conluio com gente do hospital.
Omar o exonera imediatamente, assim que ele é indiciado pela PF.
As investigações correm e, em março deste ano de 2014, mais dois funcionários são pegos pela PF protagonizando a mesma fraude cometida pelo assessor de Omar, na mesma época e no mesmo hospital.
A PF ou a promotoria voltam a apertar o assessor. Pedem que ele denuncie gente graúda que fazia parte do esquema.
Daí o assessor inicia um processo de delação premiada, e quem ele acusa?
Omar, o diretor regional dos Correios.
Segundo o assessor, Omar receberia R$ 6 mil por mês para acobertar o esquema. Não apresentou provas, apenas a sua palavra, além de duas testemunhas, um sobrinho, que ele havia empregado nos Correios, e um amigo. As duas testemunhas apenas dizem que, em certa ocasião, estando na companhia do assessor, viram-no ir até um outro carro, num posto de gasolina, e entregar um envelope a ele.
Pelo que Omar me contou, é um caso bastante fraco de delação premiada. Mas já rendeu matéria na Veja e no RJ TV, onde apenas a palavra do delator foi ouvida. A Veja foi, como sempre, a mais pobre: não deu o nome do delator, disse apenas que era fonte anônima.
O caso me parece mais um episódio a comprovar o cuidado que devemos ter com a instituição da delação premiada.
Não há como deixar de pensar na Operação Lava Jato, onde também há uma grande volúpia, por parte do judiciário e do Ministério Público, e usar a delação premiada. Neste caso, parece que temos elementos mais consistentes, que não apenas a delação. Mesmo assim, ou antes justamente por isso, é preciso ter cuidado. A existência de provas pode dar substância à uma denúncia sincera de um criminoso, mas também pode ajudar a validar uma série de mentiras. Por exemplo, descobre-se que fulano, já preso preventivamente, tem determinada conta na Suíça, proveniente de propina. Isso é prova que ele é corrupto, ou lavador de dinheiro, mas não pode servir para validar uma acusação falsa contra uma outra pessoa, sem que seja mostrada uma prova concreta que envolva esta pessoa.
Enfim, a juízes, promotores e delegados cumpre investigarem, acusarem e julgarem com honestidade, sem entrar no jogo sujo da política e da mídia, e sem se arvorarem em justiceiros.
A única coisa que interessa à nossa democracia e ao nosso povo, e apesar dos preconceitos do próprio povo, é que a justiça seja conduzida com sábia moderação e estrito compromisso com os ditames da Constituição e do bom senso.
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