Por Breno Altman, em seu blog:
Nos últimos dias, despontam ataques ao relatório elaborado pela Comissão Nacional da Verdade, por suposta unilateralidade. Afinal, apenas os crimes cometidos pelo Estado, durante o regime militar, foram descritos no histórico documento.
A apuração realizada desde 2012 estaria contaminada porque exclui fatos violentos com origem na resistência democrática.
Esta abordagem tem, na sua vanguarda pública, um punhado de generais aposentados, devidamente acompanhados por escribas dedicados ao adoçamento da tirania.
Também marcham, do mesmo lado, meios de comunicação que estiveram, em algum momento, comprometidos com o arbítrio.
Chama atenção, no entanto, que se somem, ao coro de deslegitimação, ativistas supostamente vinculados à defesa dos direitos humanos.
Um destes cavalheiros é o chileno José Miguel Vivanco, da ONG Human Rights Watch, entidade conhecida por seu alinhamento com o governo norte-americano.
Entrevistado pelo diário Folha de S.Paulo, foi claro em sua opinião. “Não pode haver dois pesos e duas medidas”, declarou. “Se houve abusos cometidos por grupos armados irregulares, isso deve constar de um informe dessa natureza.”
A íntegra da entrevista de Vivanco está aqui: “Brasil precisa julgar crimes dos dois lados na ditadura militar”.
Outro que se somou à tese dos dois demônios, cobrando isenção da CNV diante do conflito entre ditadura e insurgência, foi o criminalista José Paulo Cavalcanti Filho, um dos sete integrantes do organismo ao qual decidiu criticar abertamente.
“A história vai se fazer a partir do confronto e exame dos dois lados”, afirmou em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo. De lambuja, ainda revelou simpatia pela divulgação de listas com nomes de pessoas supostamente mortas por grupos de esquerda, iniciativa à qual os clubes militares têm se dedicado.
A versão completa das declarações de Cavalcanti Filho pode ser lida em “História se faz com dois lados”.
Esta narrativa sobre os acontecimentos entre 1964 e 1985 recobre dupla mistificação, infelizmente pouco esclarecida pelo governo que nomeou a CNV e por seus próprios membros.
A primeira é de ordem moral e jurídica.
Toda quebra da ordem constitucional, para submeter uma nação à ditadura, estabelece imediatamente o pleno direito de insurgência contra a usurpação antidemocrática.
Adquire lastro ético toda e qualquer forma de ação resistente, contra quaisquer alvos que representem o arbítrio.
Ao mesmo tempo, torna-se ilegítimo qualquer julgamento ou ato repressivo, sob o regime de exceção, contra aqueles que se levantam, de forma armada ou pacífica, para derrubar a tirania.
Não é por outra razão, por exemplo, que militantes fascistas, na Itália pós-Mussolini, foram levados a juízo, ao contrário dos guerrilheiros que se alçaram contra o despotismo.
Nem sempre este paradigma é respeitado, mas trata-se de uma das mais importantes linhas de corte para identificar a higidez democrática: a violação da soberania popular e das garantias constitucionais universaliza o direito de resistir.
O segundo mito é de natureza política e histórica.
Aqueles que defendem a existência de dois projetos igualmente autoritários, antes e depois do golpe militar de 1964, capitulam diante da ignorância ou da má fé.
Apenas um dos lados, o dos militares e seus aliados civis, locais e internacionais, escolheu a via de atropelamento das instituições, recorrendo a um ato de guerra contra a liberdade.
Somente este lado, o dos golpistas, colocou o Estado a serviço da morte e da opressão sistemática, da repressão clandestina e da destruição de direitos civis.
Foi este o lado que estabeleceu, de forma tácita ou decretada, duas décadas de sítio sobre a nação.
Todos aqueles que perfilaram do lado oposto, o da resistência, serviram ao país e à democracia.
Por isto foram perseguidos, presos, torturados, assassinados. Muitos estão desaparecidos. Os autores destes delitos hediondos, contudo, jamais foram levados às cortes.
São estes motivos, entre outros, que validam a missão cumprida pela Comissão Nacional da Verdade: investigar um tempo sombrio, durante o qual foi o Estado tomado de assalto por uma fração militar, política, midiática e empresarial que fez dos crimes de lesa-humanidade seu instrumento de poder e riqueza.
Nos últimos dias, despontam ataques ao relatório elaborado pela Comissão Nacional da Verdade, por suposta unilateralidade. Afinal, apenas os crimes cometidos pelo Estado, durante o regime militar, foram descritos no histórico documento.
A apuração realizada desde 2012 estaria contaminada porque exclui fatos violentos com origem na resistência democrática.
Esta abordagem tem, na sua vanguarda pública, um punhado de generais aposentados, devidamente acompanhados por escribas dedicados ao adoçamento da tirania.
Também marcham, do mesmo lado, meios de comunicação que estiveram, em algum momento, comprometidos com o arbítrio.
Chama atenção, no entanto, que se somem, ao coro de deslegitimação, ativistas supostamente vinculados à defesa dos direitos humanos.
Um destes cavalheiros é o chileno José Miguel Vivanco, da ONG Human Rights Watch, entidade conhecida por seu alinhamento com o governo norte-americano.
Entrevistado pelo diário Folha de S.Paulo, foi claro em sua opinião. “Não pode haver dois pesos e duas medidas”, declarou. “Se houve abusos cometidos por grupos armados irregulares, isso deve constar de um informe dessa natureza.”
A íntegra da entrevista de Vivanco está aqui: “Brasil precisa julgar crimes dos dois lados na ditadura militar”.
Outro que se somou à tese dos dois demônios, cobrando isenção da CNV diante do conflito entre ditadura e insurgência, foi o criminalista José Paulo Cavalcanti Filho, um dos sete integrantes do organismo ao qual decidiu criticar abertamente.
“A história vai se fazer a partir do confronto e exame dos dois lados”, afirmou em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo. De lambuja, ainda revelou simpatia pela divulgação de listas com nomes de pessoas supostamente mortas por grupos de esquerda, iniciativa à qual os clubes militares têm se dedicado.
A versão completa das declarações de Cavalcanti Filho pode ser lida em “História se faz com dois lados”.
Esta narrativa sobre os acontecimentos entre 1964 e 1985 recobre dupla mistificação, infelizmente pouco esclarecida pelo governo que nomeou a CNV e por seus próprios membros.
A primeira é de ordem moral e jurídica.
Toda quebra da ordem constitucional, para submeter uma nação à ditadura, estabelece imediatamente o pleno direito de insurgência contra a usurpação antidemocrática.
Adquire lastro ético toda e qualquer forma de ação resistente, contra quaisquer alvos que representem o arbítrio.
Ao mesmo tempo, torna-se ilegítimo qualquer julgamento ou ato repressivo, sob o regime de exceção, contra aqueles que se levantam, de forma armada ou pacífica, para derrubar a tirania.
Não é por outra razão, por exemplo, que militantes fascistas, na Itália pós-Mussolini, foram levados a juízo, ao contrário dos guerrilheiros que se alçaram contra o despotismo.
Nem sempre este paradigma é respeitado, mas trata-se de uma das mais importantes linhas de corte para identificar a higidez democrática: a violação da soberania popular e das garantias constitucionais universaliza o direito de resistir.
O segundo mito é de natureza política e histórica.
Aqueles que defendem a existência de dois projetos igualmente autoritários, antes e depois do golpe militar de 1964, capitulam diante da ignorância ou da má fé.
Apenas um dos lados, o dos militares e seus aliados civis, locais e internacionais, escolheu a via de atropelamento das instituições, recorrendo a um ato de guerra contra a liberdade.
Somente este lado, o dos golpistas, colocou o Estado a serviço da morte e da opressão sistemática, da repressão clandestina e da destruição de direitos civis.
Foi este o lado que estabeleceu, de forma tácita ou decretada, duas décadas de sítio sobre a nação.
Todos aqueles que perfilaram do lado oposto, o da resistência, serviram ao país e à democracia.
Por isto foram perseguidos, presos, torturados, assassinados. Muitos estão desaparecidos. Os autores destes delitos hediondos, contudo, jamais foram levados às cortes.
São estes motivos, entre outros, que validam a missão cumprida pela Comissão Nacional da Verdade: investigar um tempo sombrio, durante o qual foi o Estado tomado de assalto por uma fração militar, política, midiática e empresarial que fez dos crimes de lesa-humanidade seu instrumento de poder e riqueza.
Não se pode tratar em pé de igualdadade os agentes do Estado repressor com o perseguido político. O reprimido está em desvantagem em relação ao opressor que tem o controle das forças de repressão do Estado. Quem toma de assalto o poder constituído, como fizeram os golpistas de 64, cassando a voz de seus opositores, não podem reclamar quando estes pegam em armas para se fazerem ouvir. Os grupos de resistência às ditaduras fascista e nazista pegaram em armas, praticaram sabotagens, mataram oficiais alemães, e nem por isso foram julgados no famoso Tribunal de Nuremberg.
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