Por Marcelo Hailer, na revista Fórum:
O acesso à comunicação é considerado pela Unesco como um “direito humano fundamental”. A Bolívia e o Equador incluíram em suas novas constituições a comunicação com base neste entendimento. Já no texto da Constituição brasileira a comunicação é tratada mais como um serviço, não como algo fundamental, e na prática ela se torna uma mercadoria que pode ser oferecida por entes públicos e privados. Apesar de existirem regras brasileira que proíbem a concentração (monopólio), isso não acontece na área da comunicação e a realidade brasileira é um verdadeiro latifúndio comunicacional.
Na era pré-internet até o fim dos anos 1990, para sermos mais específicos, a narrativa comunicacional brasileira era completamente homogênea e atendia e construía, exclusivamente, a imagem da Casa Grande, ou seja, a ideologia que governava as linhas transmissoras de rádio e TV estavam voltadas para manter o subalterno na subalternidade e fazer as classes mais abastadas cada vez mais ricas. O exemplo mais clássico disso é quando a Rede Globo editou o debate entre Collor e Lula (1989) e manipulou a opinião pública a votar no “caçador de marajás”, que, pouco mais de dois anos e meio adiante, teria o seu mandato cassado pelo Congresso Nacional.
Por ser considerado um serviço e não um direito fundamental, a produção e o acesso à comunicação sempre foram tratados como algo distante, assim como a política: dois poderes presentes no cotidiano do cidadão que era levado geralmente a crer que não fazia parte da arena comunicacional e política. Os dispositivos participativos, ainda que precários, foram o primeiro passo para que os sujeitos se dessem conta de que tinham a possibilidade de participar ativamente das decisões políticas. Com a chegada da internet nos anos 1990, este sentimento começa a ser transferido à comunicação, ainda que timidamente. Porém, com a ascensão das redes sociais e dos portais alternativos de comunicação, as barreiras dos conglomerados (Band, Record, Globo e SBT) começam a sofrer profundas fissuras… Um terror à Casa Grande, uma conquista da senzala subversiva.
Conglomerados em crise?
Desde 2013 temos notícias de crises financeiras que se abatem sobre os principais conglomerados comunicacionais do Brasil. A primeira grande crise a ser conhecida pela população brasileira foi a da Editora Abril que teve de entregar metade dos andares onde funciona e assistiu, atônita, à retirada do busto do fundador da editora, Victor Civita. Mas não só isso: em 2013, a editora encerrou 4 revistas, portais e demitiu cerca de 150 pessoas.
Na primeira semana deste ano, o jornal carioca O Globo (das organizações Globo) demitiu mais de 100 funcionários de setores administrativos e jornalistas, entre eles o colunista Artur Xexeo e a editora-assistente do Caderno Rio, Ângela Nunes, e anunciou o fechamento dos cadernos “Carros etc”, “Morar Bem” e “Boa Chance”. Na mesma semana, o Estado de Minas também anunciou a demissão de 11 jornalistas e a “reestruturação”, leia-se, ajuste econômico. Há dois anos, o jornal O Estado de São Paulo promoveu demissões e encerrou o caderno “Metrópole”, que hoje é parte do caderno de Política.
A crise que atravessa os grupos midiáticos do Brasil não pode ser entendida apenas como “crise econômica”. É fato que as revistas e jornais impressos viram as suas vendas e assinaturas despencarem, mas a situação também deve ser lida como o fim de uma era, que leva junto uma forma de desenhar o mundo cotidiano. “Essa ‘era’ acabou há uma década, quando se consolidou a revolução digital no mundo e no Brasil. O modelo de negócio das grandes corporações de mídia é calcado na revolução industrial, nos meios e nos métodos”, diz Leandro Fortes, jornalista especializado em comunicação digital.
Para Fortes, além da questão econômica, essa crise também tem a ver com a precarização do trabalho do jornalista. “A crise em que vivem esses conglomerados tem fatores econômicos muito claros, mas diz respeito, também, à degradação da profissão: os baixos salários, a formação capenga dos profissionais e a submissão acrítica aos interesses dos patrões”, analisa Fortes.
Revolução digital?
Com a ascensão da esfera digital, a profissão jornalista encontrou uma seara fértil para produzir novas formas do fazer jornalismo. Desde o início dos anos 2000 que inúmeros portais com outras narrativas propostas que não a mesma produzida pelo meios de comunicação tradicionais pipocaram e ainda pipocam. As ferramentas como os blogues, redes sociais e outras formas de financiamento possibilitadas pela internet foram cruciais para o surgimento de um outro jornalismo possível.
Porém, para Leandro Fortes, o jornalismo feito pelos meios tradicionais “morreu”. A internet é só o meio, um ótimo meio, mas não vai salvar o jornalismo que aí está. Esse jornalismo morreu, só não foi enterrado ainda. A internet criou um novo ambiente de comunicação, desta feita, em rede, de forma interativa e solidária. Esse é o futuro do novo jornalismo que está se esboçando no mundo digital”, avalia.
Mas ainda que as editoras de revistas e jornais impressos estejam em crise, elas já se organizam para replicar o seu latifúndio na plataforma digital. “Elas podem – e vão – promover monopólio se e quando a lei estiver a favor delas, como hoje está. A razão do monopólio não é a plataforma, mas a legislação”, afirma.
Fortes toca em um ponto crucial a respeito desta nova fase comunicacional que emerge no Brasil: a legislação e os dispositivos constitucionais que regulam o setor de comunicação brasileira. Apesar de proibido, ainda é muito comum a prática do “coronelismo eletrônico”, onde políticos são donos de rádios e TVs, o que é expressamente proibido pelo texto constitucional que, porém, carece de dispositivos que o regulamente. Mas está em curso no Brasil uma disputa pela regulamentação dos meios de comunicação que visa justamente democratizar o acesso à comunicação.
Talvez, a crise do conglomerado midiático brasileiro possa ser um passo fundamental para que, de fato, o Brasil avance e transforme o acesso à comunicação em um direito humano fundamental.
Um devir comunicacional se apresenta?
O acesso à comunicação é considerado pela Unesco como um “direito humano fundamental”. A Bolívia e o Equador incluíram em suas novas constituições a comunicação com base neste entendimento. Já no texto da Constituição brasileira a comunicação é tratada mais como um serviço, não como algo fundamental, e na prática ela se torna uma mercadoria que pode ser oferecida por entes públicos e privados. Apesar de existirem regras brasileira que proíbem a concentração (monopólio), isso não acontece na área da comunicação e a realidade brasileira é um verdadeiro latifúndio comunicacional.
Na era pré-internet até o fim dos anos 1990, para sermos mais específicos, a narrativa comunicacional brasileira era completamente homogênea e atendia e construía, exclusivamente, a imagem da Casa Grande, ou seja, a ideologia que governava as linhas transmissoras de rádio e TV estavam voltadas para manter o subalterno na subalternidade e fazer as classes mais abastadas cada vez mais ricas. O exemplo mais clássico disso é quando a Rede Globo editou o debate entre Collor e Lula (1989) e manipulou a opinião pública a votar no “caçador de marajás”, que, pouco mais de dois anos e meio adiante, teria o seu mandato cassado pelo Congresso Nacional.
Por ser considerado um serviço e não um direito fundamental, a produção e o acesso à comunicação sempre foram tratados como algo distante, assim como a política: dois poderes presentes no cotidiano do cidadão que era levado geralmente a crer que não fazia parte da arena comunicacional e política. Os dispositivos participativos, ainda que precários, foram o primeiro passo para que os sujeitos se dessem conta de que tinham a possibilidade de participar ativamente das decisões políticas. Com a chegada da internet nos anos 1990, este sentimento começa a ser transferido à comunicação, ainda que timidamente. Porém, com a ascensão das redes sociais e dos portais alternativos de comunicação, as barreiras dos conglomerados (Band, Record, Globo e SBT) começam a sofrer profundas fissuras… Um terror à Casa Grande, uma conquista da senzala subversiva.
Conglomerados em crise?
Desde 2013 temos notícias de crises financeiras que se abatem sobre os principais conglomerados comunicacionais do Brasil. A primeira grande crise a ser conhecida pela população brasileira foi a da Editora Abril que teve de entregar metade dos andares onde funciona e assistiu, atônita, à retirada do busto do fundador da editora, Victor Civita. Mas não só isso: em 2013, a editora encerrou 4 revistas, portais e demitiu cerca de 150 pessoas.
Na primeira semana deste ano, o jornal carioca O Globo (das organizações Globo) demitiu mais de 100 funcionários de setores administrativos e jornalistas, entre eles o colunista Artur Xexeo e a editora-assistente do Caderno Rio, Ângela Nunes, e anunciou o fechamento dos cadernos “Carros etc”, “Morar Bem” e “Boa Chance”. Na mesma semana, o Estado de Minas também anunciou a demissão de 11 jornalistas e a “reestruturação”, leia-se, ajuste econômico. Há dois anos, o jornal O Estado de São Paulo promoveu demissões e encerrou o caderno “Metrópole”, que hoje é parte do caderno de Política.
A crise que atravessa os grupos midiáticos do Brasil não pode ser entendida apenas como “crise econômica”. É fato que as revistas e jornais impressos viram as suas vendas e assinaturas despencarem, mas a situação também deve ser lida como o fim de uma era, que leva junto uma forma de desenhar o mundo cotidiano. “Essa ‘era’ acabou há uma década, quando se consolidou a revolução digital no mundo e no Brasil. O modelo de negócio das grandes corporações de mídia é calcado na revolução industrial, nos meios e nos métodos”, diz Leandro Fortes, jornalista especializado em comunicação digital.
Para Fortes, além da questão econômica, essa crise também tem a ver com a precarização do trabalho do jornalista. “A crise em que vivem esses conglomerados tem fatores econômicos muito claros, mas diz respeito, também, à degradação da profissão: os baixos salários, a formação capenga dos profissionais e a submissão acrítica aos interesses dos patrões”, analisa Fortes.
Revolução digital?
Com a ascensão da esfera digital, a profissão jornalista encontrou uma seara fértil para produzir novas formas do fazer jornalismo. Desde o início dos anos 2000 que inúmeros portais com outras narrativas propostas que não a mesma produzida pelo meios de comunicação tradicionais pipocaram e ainda pipocam. As ferramentas como os blogues, redes sociais e outras formas de financiamento possibilitadas pela internet foram cruciais para o surgimento de um outro jornalismo possível.
Porém, para Leandro Fortes, o jornalismo feito pelos meios tradicionais “morreu”. A internet é só o meio, um ótimo meio, mas não vai salvar o jornalismo que aí está. Esse jornalismo morreu, só não foi enterrado ainda. A internet criou um novo ambiente de comunicação, desta feita, em rede, de forma interativa e solidária. Esse é o futuro do novo jornalismo que está se esboçando no mundo digital”, avalia.
Mas ainda que as editoras de revistas e jornais impressos estejam em crise, elas já se organizam para replicar o seu latifúndio na plataforma digital. “Elas podem – e vão – promover monopólio se e quando a lei estiver a favor delas, como hoje está. A razão do monopólio não é a plataforma, mas a legislação”, afirma.
Fortes toca em um ponto crucial a respeito desta nova fase comunicacional que emerge no Brasil: a legislação e os dispositivos constitucionais que regulam o setor de comunicação brasileira. Apesar de proibido, ainda é muito comum a prática do “coronelismo eletrônico”, onde políticos são donos de rádios e TVs, o que é expressamente proibido pelo texto constitucional que, porém, carece de dispositivos que o regulamente. Mas está em curso no Brasil uma disputa pela regulamentação dos meios de comunicação que visa justamente democratizar o acesso à comunicação.
Talvez, a crise do conglomerado midiático brasileiro possa ser um passo fundamental para que, de fato, o Brasil avance e transforme o acesso à comunicação em um direito humano fundamental.
Um devir comunicacional se apresenta?
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