A imprensa internacional ecoa na segunda-feira (12/1) a grande manifestação realizada em Paris no domingo (11), contra o terrorismo que vitimou 17 pessoas na França. O núcleo do protesto, claro, é o ataque à redação do semanário satírico Charlie Hebdo e seu significado mais imediato: o valor que se deve dar à liberdade de expressão versus o direito a preservar o sagrado. No entanto, temas correlatos como as tensões no Oriente Médio, disputas políticas na Europa e até reminiscências do colonialismo do século 20 entram em pauta.
Se é capaz de produzir alguma convicção, o noticiário dos últimos dias, somado à fartura de entrevistas, debates e artigos que inundam a mídia, apenas consolida a suspeita de que nos tornamos incapazes de entender a realidade contemporânea. Somente um grande empreendimento de comunicação ou uma ampla rede de reflexões – do tipo que em inglês é chamado de “think tank” - poderia se aproximar de uma interpretação satisfatória para os fatos dos últimos dias. Infelizmente, não é o caso dos formatos tradicionais que sustentam a narrativa jornalística.
Com todos os recursos de tecnologia disponíveis, uma organização em rede poderia formatar o conteúdo em conjuntos mais compreensíveis do que as colunas de textos e imagens que configuram o atual sistema de organização de informações. O diagrama tipo “mapa conceitual”, criado nos anos 1970 por Joseph Novak, e o sistema chamado de “mapa mental”, desenvolvido pouco depois pelo educador Anthony Buzan, ainda são as melhores ferramentas para o tratamento de temas complexos.
Assim, a manifestação em Paris seria colocada no centro do diagrama, de onde sairiam as espirais onde se desenvolveriam diferentes aspectos associados ao atentado contra oCharlie: o poder militar dos grupos que tentam impor ao mundo sua própria interpretação do islamismo; o choque cultural produzido em comunidades remotas pela globalização do capital e da cultura de massas ocidental; a permanência de governos totalitários em boa parte do planeta; o interesse da indústria de armas; a desconfiança mútua entre as potências do mundo dito democrático – e por aí vai.
A xenofobia dissimulada
Na falta de um bom sistema de gestão de informações, resta à imprensa administrar o espaço e o tempo limitados com o que houver de relevante ou original na diversidade dos palpites que inundam o ambiente hipermediado. O problema, para o leitor, é que ele terá que se conformar com as escolhas dos editores, que têm suas próprias convicções, ou criar disponibilidade para garimpar informações e opiniões fora do sistema da mídia tradicional.
Às vezes, mesmo discordando do conteúdo explícito, pode-se encontrar informações úteis até em fontes de onde nada se espera, como o site oficial do partido da extrema-direita francesa Frente Nacional (ver aqui). Com um pouco de paciência, o leitor acaba descobrindo que boa parte da xenofobia e das ideias retrógradas defendidas pelo partido de Marine Le Pen está presente em manifestações de festejados articulistas da imprensa brasileira. Quase sempre dissimulados sob o manto da defesa dos “valores universais da civilização ocidental”, estão ali, visíveis, os sinais da intolerância que é a verdadeira ameaça aos princípios civilizatórios que supostamente movem os autores. Por exemplo, usa-se a expressão “islamismo radical” ou “fundamentalismo islâmico”, mas ao mesmo tempo se afirma que o islamismo, em suas raízes e fundamentos, é pacifista.
Em geral, o discurso da xenofobia e do preconceito é articulado como uma antítese para teses pseudoesquerdistas ou derivadas da corrente gauche da esquerda tradicional. Assim, em contraposição a conceitos superficiais do progressismo, ainda que cultivados sobre preocupações humanitárias autênticas, constrói-se a retórica reacionária mais eloquente.
Mesmo os defensores do totalitarismo precisam eventualmente de uma capa de humanismo para vender seu peixe. Assim, se um articulista faz o elogio da racionalidade para condenar atos inspirados em extremismo religioso, seu oponente no espectro ideológico vai dizer que tal pensamento tenta disfarçar o propósito de justificar os atos terroristas.
As contradições ficam encobertas pelo palavrório, mas nada consegue esconder que a pretensão a uma análise definitiva desses acontecimentos apenas enfeita a tola busca por uma objetividade improvável.
Como diria Nelson Rodrigues, são os idiotas da objetividade.
Se é capaz de produzir alguma convicção, o noticiário dos últimos dias, somado à fartura de entrevistas, debates e artigos que inundam a mídia, apenas consolida a suspeita de que nos tornamos incapazes de entender a realidade contemporânea. Somente um grande empreendimento de comunicação ou uma ampla rede de reflexões – do tipo que em inglês é chamado de “think tank” - poderia se aproximar de uma interpretação satisfatória para os fatos dos últimos dias. Infelizmente, não é o caso dos formatos tradicionais que sustentam a narrativa jornalística.
Com todos os recursos de tecnologia disponíveis, uma organização em rede poderia formatar o conteúdo em conjuntos mais compreensíveis do que as colunas de textos e imagens que configuram o atual sistema de organização de informações. O diagrama tipo “mapa conceitual”, criado nos anos 1970 por Joseph Novak, e o sistema chamado de “mapa mental”, desenvolvido pouco depois pelo educador Anthony Buzan, ainda são as melhores ferramentas para o tratamento de temas complexos.
Assim, a manifestação em Paris seria colocada no centro do diagrama, de onde sairiam as espirais onde se desenvolveriam diferentes aspectos associados ao atentado contra oCharlie: o poder militar dos grupos que tentam impor ao mundo sua própria interpretação do islamismo; o choque cultural produzido em comunidades remotas pela globalização do capital e da cultura de massas ocidental; a permanência de governos totalitários em boa parte do planeta; o interesse da indústria de armas; a desconfiança mútua entre as potências do mundo dito democrático – e por aí vai.
A xenofobia dissimulada
Na falta de um bom sistema de gestão de informações, resta à imprensa administrar o espaço e o tempo limitados com o que houver de relevante ou original na diversidade dos palpites que inundam o ambiente hipermediado. O problema, para o leitor, é que ele terá que se conformar com as escolhas dos editores, que têm suas próprias convicções, ou criar disponibilidade para garimpar informações e opiniões fora do sistema da mídia tradicional.
Às vezes, mesmo discordando do conteúdo explícito, pode-se encontrar informações úteis até em fontes de onde nada se espera, como o site oficial do partido da extrema-direita francesa Frente Nacional (ver aqui). Com um pouco de paciência, o leitor acaba descobrindo que boa parte da xenofobia e das ideias retrógradas defendidas pelo partido de Marine Le Pen está presente em manifestações de festejados articulistas da imprensa brasileira. Quase sempre dissimulados sob o manto da defesa dos “valores universais da civilização ocidental”, estão ali, visíveis, os sinais da intolerância que é a verdadeira ameaça aos princípios civilizatórios que supostamente movem os autores. Por exemplo, usa-se a expressão “islamismo radical” ou “fundamentalismo islâmico”, mas ao mesmo tempo se afirma que o islamismo, em suas raízes e fundamentos, é pacifista.
Em geral, o discurso da xenofobia e do preconceito é articulado como uma antítese para teses pseudoesquerdistas ou derivadas da corrente gauche da esquerda tradicional. Assim, em contraposição a conceitos superficiais do progressismo, ainda que cultivados sobre preocupações humanitárias autênticas, constrói-se a retórica reacionária mais eloquente.
Mesmo os defensores do totalitarismo precisam eventualmente de uma capa de humanismo para vender seu peixe. Assim, se um articulista faz o elogio da racionalidade para condenar atos inspirados em extremismo religioso, seu oponente no espectro ideológico vai dizer que tal pensamento tenta disfarçar o propósito de justificar os atos terroristas.
As contradições ficam encobertas pelo palavrório, mas nada consegue esconder que a pretensão a uma análise definitiva desses acontecimentos apenas enfeita a tola busca por uma objetividade improvável.
Como diria Nelson Rodrigues, são os idiotas da objetividade.
Otimo
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