sábado, 24 de janeiro de 2015

Estados policiais à moda do 'Ocidente'

Rebelión
Por Antonio Martins, no site Outras Palavras:

O serviço secreto da Grã-Bretanha adquiriu poderes para interceptar, a partir de cabos de fibra ótica, as comunicações mantidas, via internet, por cidadãos de qualquer nacionalidade. Esta invasão é praticada sem autorização judicial, e resulta na captura e armazenamento de um enorme volume de informações. Jornalistas de algumas das publicações mais conhecidas do mundo estiveram entre os alvos. Estes profissionais – em especial os repórteres investigativos – “representam uma ameaça potencial à segurança”, segundo documentos de circulação reservada. Como se fosse pouco, os governos da Grã-Bretanha e de outros países europeus preparam-se para intensificar medidas de controle e vigilância social – usando como pretexto o atentado contra o Charlie Hebdo.

Este conjunto de revelações amedrontadoras foi feito nos últimos dias pelo diário londrino The Guardian, com base em documentos vazados por Edward Snowden, ex-agente da CIA hoje perseguido pelos Estados Unidos e refugiado em Moscou. Houve intensa repercussão em diversas partes do mundo. Mas a mídia brasileira, que se diz frequentemente ameaçada de controle estatal, preferiu… omitir o fato de seus leitores.

Os novos sinais de que a liberdade de expressão está se tornando algo fictício nas “democracias ocidentais” surgiram nesta segunda-feira (19/1). Após checar documentos fornecidos por Snowden, o Guardian confirmou um “experimento” de espionagem praticado pela principal agência de “inteligência” britânica,. Batizada com nome orwelliano de Quartel-General de Comunicações do Governo (GCHQ, em inglês), ela trabalha em estreita colaboração com a NSA (Agência Nacional de Segurança), dos EUA. Agiu em novembro de 2008. Praticou então, segundo o jornal, uma das “inúmeras drenagens nos cabos de fibras óticas que constituem a espinha dorsal da Internet”.

Como é comum nestes casos, o GCHQ não precisou obter autorização judicial. Na Grã-Bretanha, a Lei de Regulação dos Poderes Investigatórios (RIPA), aprovada em 2000 e sucessivamente ampliada em 2003, 2005, 2006 e 2010, permite à agência capturar comunicações privadas dos cidadãos a partir da decisão de um órgão interno. No episódio documentado por Snowden, a punção nos cabos óticos durou “menos de dez minutos”. Nesse período “70 mil e-mails foram recolhidos”.

Teria sido um mero exercício técnico? Um detalhe sugere que não. Entre os emais violados estão os de jornalistas da BBC, agência Reuters, rede de TV NBC e de quatro jornais de relevância global: The Guardian, New York Times, Le Monde e Washington Post, além do tabloide britânico The Sun. Entre o material interceptado, estão diálogos entre repórteres e seus editores.

The Guardian é cauteloso. “Nada indica nem que os jornalistas tenham sido propositalmente visados, nem que não tenham…” Mas o próprio Snowden ajuda a resolver esta dúvida hamletiana. Também na segunda-feira, emergiram outros documentos vazados por ele, registrando observações que o GCHQ trocou com agências congêneres. Nestes textos, os jornalistas são vistos como ameaças equivalente a “serviços secretos inimigos, hackers ou terroristas” . Alguns dos trechos revelados sustentam: “jornalistas e repórteres de todos os tipos de mídia representam uma ameaça potencial à segurança”; “deve-se manter preocupação específica diante dos ‘jornalistas investigativos’”.

As tentativas de limitar a ação da imprensa vão além da espionagem. Na terça-feira, um dia depois das revelações de Snowden, um grupo de cem editores britânicos dirigiu carta conjunta ao primeiro-ministro David Cameron. O texto protesta contra a espionagem de que a imprensa é vítima e revela fatos espantosos. Em pelo menos um caso conhecido, a polícia de Londres serviu-se da RIPA para quebrar clandestinamente os sigilo telefônico de jornalistas – no caso, do tabloide The Sun. O objetivo, segundo uma matéria do Washington Post, foi quebrar o sigilo de fonte, uma dos pilares da liberdade de imprensa. Os comandantes da polícia puderam “identificar e punir fontes policiais legítimas” que haviam fornecido informações ao The Sun. As consequências são óbvias, frisa a carta enviada a Cameron. “Ninguém procurará a imprensa no futuro, para fazer revelações sobre o Estado, se agentes da lei tiverem o poder de quebrar o sigilo telefônico dos jornalistas”.

O alarme provocado pelos vazamentos de Snowden levará os governos da Grã-Bretanha e de toda a Europa a restaurar princípios democráticos elementares? Tudo indica que não, a depender dos atuais dirigentes. Na terça-feira (20/1), uma matéria publicada no The Intercept, o site dirigido pelo jornalista Glenn Greenwald, fez um breve balanço das novas medidas de controle social em exame nos Estados europeus, após o atentado contra o Charlie Hebdo.

O texto aponta: busca-se aprovar leis que “autorizem a captura e armazenamento de volumes maciços de dados pessoais”. Os governantes mais empenhados em dar este passo são os primeiros ministros da Alemanha e Grã-Bretanha, Angela Merkel e David Cameron, e o presidente francês François Hollande. A proteção contra atos bárbaros com a chacina de doze jornalistas é apenas pretexto, demonstra The Intercept.Precisamente porque na França (hoje, exceção na Europa) “já estão em vigor muitas das leis ‘anti-terror’ que Merkel e outros estão tentando adotar no continente – mas elas obviamente não preveniram o atentado em Paris”…

Mesmo na Europa, a reação da velha mídia aos atos que ameaçam sua liberdade é, até o momento, tímido. O escritor John Pilger tem lembrado que, diante de seu próprio declínio político e econômico, os governos ocidentais procuram produzir artificialmente um estado de guerra, ao qual submeteram-se jornais outrora combativos.

Mas nada se compara com o Brasil. Passados quatro dias após as revelações de Snowden, nada saiu a respeito nos três jornais mais vendidos no país – Folha, O Globo e Estado de S.Paulo. Desatenção? Incompetência? Ou simplesmente censura?

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