segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Meirelles não é amigo, mas avisa

Por Valter Pomar, em seu blog:

A Folha de S.Paulo deste domingo, 25 de janeiro, publicou um artigo assinado por Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central, ex-deputado federal do PSDB e ex-Banco de Boston.

O artigo é direto e reto: não basta o ajuste Levy-Barbosa; será necessário fazer reformas estruturais.

Na boca da esquerda, reformas estruturais significa entre outras coisas melhorar o padrão de vida da classe trabalhadora.

Na boca da direita, reformas estruturais significa entre outras coisas reduzir o valor da força de trabalho.

A seguir, reproduzo e comento trechos do artigo de Meirelles, que reproduzo integralmente ao final:

"1) O ajuste fiscal é fundamental para não só tirar o Brasil do rumo da insolvência, mas eliminar incertezas macroeconômicas que afastam investimentos";


- Na opinião de Meirelles, estariam certos os tucanos que diziam que estávamos no "rumo da insolvência";

- Dúvida: quais seriam as "incertezas macroeconômicas": a crise internacional? as altas taxas de juros? o câmbio? a oligopolização da economia? os níveis nababescos de rentabilidade a que o grande empresariado tupiniquim se acostumou? Ou seriam as políticas sociais e trabalhistas?

"2) 2015 será duríssimo, com desaceleração econômica numa economia já estagnada em função do ajuste fiscal e do aperto monetário - o quadro é de crescimento baixo ou zero, inflação e juros altos e crise no setor de energia e água";

- Ou seja: nossa economia já estaria "estagnada"...

- E mesmo assim vai piorar, porque teremos "desaceleração econômica"... "em função do ajuste fiscal e do aperto monetário";

- Ou seja: o ajuste vai aprofundar a desaceleração econômica!!!

"3) Se tem razão quem vê o ajuste fiscal como gerador de estabilidade, confiança e investimentos, tem razão também quem vê um quadro difícil nos próximos anos".

- Ou seja, se o ajuste fiscal vai gerar "estabilidade, confiança e investimentos" no andar de cima....

- No andar de baixo teremos "um quadro difícil nos próximos anos".

(Aliás, para quem não lembra, "nos próximos anos" teremos eleições municipais e presidenciais.)

Segundo Meirelles, não será suficiente fazer o ajuste fiscal.

Se o ajuste "for integral", o país deve "voltar a crescer".

Óbvio: reduzindo a remuneração da classe trabalhadora, desperta-se o espírito animal do empresariado; e depois de uma recessão, sempre vem algum crescimento ("exclusive" para os mortos e feridos).

Mas atenção: mesmo com um ajuste "integral" (pobre seguro-desemprego...), Henrique Meirelles alerta que "os problemas estruturais desenvolvidos nos últimos anos impedem o tipo de crescimento que todos esperam".

Ou seja: o que impede o "tipo de crescimento" que "todos esperam" são os problemas estruturais desenvolvidos "nos últimos anos", leia-se, durante os governos de presidentes petistas. Ou terá sido durante o último governo, quando Meirelles já não era presidente do Banco Central?

Seja como for, ele diz que para termos o crescimento que "todos (like Meirelles) esperam" será preciso remover os tais "problemas estruturais" e fazer o seguinte:

1) "reformas estruturais profundas";
2) "viabilização dos investimentos em infraestrutura";
3) "substituição dos incentivos ao consumo por incentivos ao investimento";
4) "melhora do ambiente de negócios";
5) "aumento continuado da produtividade";
6) "diminuição do custo de produção no Brasil".

Os itens 1, 3, 4, 5 e 6 são jargões cifrados que, na boca de gente como Meirelles, admitem a seguinte tradução: baratear a força de trabalho.

Meirelles não é amigo do PT, nem da esquerda. Mas não se pode negar que neste artigo ele avisa perfeitamente qual o script que Levy & Barbosa pretendem seguir.

*****

Acordes dissonantes

Henrique Meirelles – Folha de S.Paulo
O Brasil vive momento complexo em diversas frentes, gerando notícias aparentemente contraditórias.
De um lado, a equipe econômica anuncia medidas para aumentar a arrecadação e cortar despesas. No fórum de Davos, o ministro Levy diz que a responsabilidade fiscal é a base para melhor estruturação da economia e que, com incentivos corretos, trará de volta confiança e investimentos. A reação do mercado é positiva, com sinais de boa vontade de empresários e investidores com a retomada de investimentos no Brasil.
Do outro lado, um dos mais bem-sucedidos gestores de investimentos do país trabalha com cenário desastroso para o Brasil neste ano e desempenho medíocre nos próximos devido a problemas estruturais que vão além do reequilíbrio fiscal, como o aumento do tamanho do governo, o predomínio do consumo sobre investimento e a má gestão em áreas vitais como energia e água. Já a alta autoridade do Judiciário declara que o aumento de impostos como foi feito é confisco. E o criador do acrônimo BRIC prevê que Brasil e Rússia cairão da divisão de potências econômicas emergentes, restando só Índia e China, o IC.
Essas são só algumas das visões dissonantes que dificultam o entendimento.
Em resumo, o que se pode dizer é: 1) O ajuste fiscal é fundamental para não só tirar o Brasil do rumo da insolvência, mas eliminar incertezas macroeconômicas que afastam investimentos; 2) 2015 será duríssimo, com desaceleração econômica numa economia já estagnada em função do ajuste fiscal e do aperto monetário --o quadro é de crescimento baixo ou zero, inflação e juros altos e crise no setor de energia e água; 3) Se tem razão quem vê o ajuste fiscal como gerador de estabilidade, confiança e investimentos, tem razão também quem vê um quadro difícil nos próximos anos.
O país deve voltar a crescer se o ajuste for integral. Mas os problemas estruturais desenvolvidos nos últimos anos impedem o tipo de crescimento que todos esperam.
O potencial de crescimento do país caiu do patamar entre 4% e 5% da década passada para pouco acima de 2% na próxima década. O equilíbrio das contas públicas elimina um cenário de incerteza com risco de crise fiscal e aumento do custo país, mas não é suficiente para voltarmos a crescer no ritmo dos demais emergentes.
É possível aumentar esse potencial nos próximos anos, mas só voltaremos a crescer a taxas robustas com reformas estruturais profundas, viabilização dos investimentos em infraestrutura, substituição dos incentivos ao consumo por incentivos ao investimento e melhora do ambiente de negócios, gerando aumento continuado da produtividade e diminuição do custo de produção no Brasil.

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