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Merval Pereira tem a tarefa de falar mal do governo. De qualquer governo trabalhista, presumo.
Faz isso com a regularidade de um gotejamento em sua longuíssima coluna n’O Globo, na CBN e na Globonews.
No diário conservador carioca, a extensão dos escritos de Merval é inversamente proporcional à lógica do conteúdo.
Neste sábado, 3 de janeiro, a coluna de Merval, intitulada “Mal na fita”, poderia ficar no primeiro parágrafo: “O Brasil começa 2015 em situação descendente, em que pese a enganosa euforia da presidente Dilma em seu discurso de posse no segundo mandato”.
O ócio de uma manhã nublada nos permitiu uma aventura pelos parágrafos seguintes.
A “decadência” brasileira, expressa na desimportância crescente do Brasil no cenário internacional — sempre segundo Merval - se baseia em dois pontos.
Primeiro: por causa do baixo crescimento, o Brasil terá perdido duas posições no ranking das maiores economias do mundo quando 2015 terminar. Merval menciona a Índia, que por conta do tamanho de seu mercado tem ainda muito a avançar.
O colunista não explica exatamente qual a relevância disso para o papel do Brasil no cenário internacional. Também não explica como a queda no ranking, de sexta para oitava economia, prejudicou ou prejudicará o Itamaraty e a diplomacia brasileira.
Tenho comigo que, ao contrário do que escreve Merval, o Brasil tem assumido um papel cada vez mais relevante baseado exclusivamente no soft power e na quieta diplomacia de sussuros que é marca histórica de nossa política externa.
Ainda me lembro com clareza que, anos atrás, num artigo sobre política externa a revista dominical do New York Times esmiuçou a estratégia brasileira, descrita como sendo a de amarrar os Estados Unidos nos múltiplos compromissos de um mundo multipolar.
Portanto, ao contrário do que diz o colunista de O Globo, a importância do Brasil vai muito além dos BRICs. Deriva também do fato de o Itamaraty ter ajudado a construir - tanto na América do Sul, quanto na América Latina, quanto em escala global - uma arquitetura que beneficia o exercício de nosso forte, que é ironicamente o soft power.
Merval explica: “A desimportância econômica vem acompanhada de desimportância política internacional, reforçada pela política externa do governo Dilma, mais voltada para questões regionais e ideologicamente ligada aos parceiros do Mercosul, em detrimento das relações com Estados Unidos e Europa”.
No parágrafo acima, Merval espalha desinformação.
Em primeiro lugar, não houve qualquer esforço dos governos Lula e Dilma, ao menos que eu saiba, para prejudicar as relações com Estados Unidos e Europa.
Houve, sim, algumas constatações:
1. O fim da guerra fria e o crescimento econômico da China e da Índia, com suas imensas populações, apontavam na direção de um mundo multipolar;
2. O forte do Brasil é o soft power e, no contexto de uma liderança econômica inegável na América do Sul, este poder é ampliado quando o Brasil leva consigo os vizinhos do Mercosul.
Coloque a economia brasileira ao lado da chilena e espere sentado: a inércia tende a favorecer quem tem maior capacidade de acumular capital.
Merval também parece desconhecer o óbvio:
1. Na esteira de uma diplomacia que reduziu a importância relativa do comércio com Estados Unidos e Europa, o Brasil ocupou mercados que dinamizaram sua economia exportadora;
2. A indústria brasileira tem vantagens comparativas quando compete por mercados geograficamente próximos como são os da América do Sul; portanto, faz todo o sentido a política externa “mais voltada para as questões regionais e ideologicamente ligada aos parceiros do Mercosul”.
Ao contrário dos Estados Unidos, o Brasil não hostiliza a Venezuela no cenário internacional. Também há um motivo econômico para isso: nossas exportações para o vizinho são de U$ 4 a 5 bilhões anuais.
Merval escreve que a tarefa do novo ministro brasileiro das Relações Exteriores “será interromper a crescente desimportância brasileira”.
Neste caso, ele baseia sua argumentação numa espécie de concurso de miss: uma pesquisa de popularidade feita pelo Ash Center para a Governança Democrática e Inovação, da Harvard Kennedy School.
A pesquisa “perguntou a cidadãos de 30 países suas opiniões sobre dez influentes líderes nacionais que têm impacto global”.
Obama liderou com 93,9% e Dilma ficou em último com 25,4%.
O fato de a pesquisa ter sido feita em apenas 30 países — quais? — já seria suficiente para questionar a representatividade dos números.
Mas, dando de barato que ela realmente expresse a opinião majoritária no planeta, qual é a relevância do resultado? Ele reflete apenas desconhecimento ou é mesmo sinal de “desimportância política internacional” do Brasil que justifique uma guinada na política externa, como quer nos fazer crer Merval Pereira?
O colunista dedica oito longos parágrafos (e promete continuar amanhã) à pesquisa, omite informações e tortura a lógica para fazer disfarçadamente o que faz diuturnamente no rádio, na TV e no jornal: falar mal do governo Dilma com base em argumentos simplórios e irrelevantes.
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