quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Regulação da mídia: batalha do passado?

Por Valter Pomar, em seu blog:

Hélio Schwartsman, colunista da Folha de S.Paulo, acha (ver texto dele ao final) que o Partido dos Trabalhadores tem uma semelhança com o velho Estado-Maior francês.

A imagem é divertida, mas inaplicável para o caso.

No que toca a comunicação, o PT não deve ser acusado de estar "uma guerra atrasado".

A acusação realmente cabível seria outra: estar "atrasado para uma guerra".

Considero dispensável demonstrar que há uma guerra e que até agora o PT vem perdendo espaço nesta guerra.

Quero argumentar que, no que depender de Hélio Schwartsman, continuaremos perdendo espaço. Isto porque ele pretende nos convencer, e ao distinto público, que a democratização da mídia seria "uma boa batalha do passado".

Novamente, a imagem é boa, mas totalmente inexata.

Em toda "guerra" há várias "batalhas". Na "guerra da comunicação", uma das batalhas mais importantes ocorre em torno da "democratização da mídia".

No Brasil do século anterior, esta batalha foi travada e perdida várias vezes. A partir de 2003, com Lula na presidência, quando tínhamos chances melhores de vencer, quem poderia escolheu não travar esta batalha. Agora há sinais em sentido contrário e positivo.

O fato da batalha pela democratização da mídia não ter sido travada e/ou vencida antes, significa que atualmente e no futuro a existência do oligopólio da mídia perdeu relevância?

Hélio Schwartsman não chega ao ponto de afirmar isto, mas diz que não haveria "muita dúvida de que o problema caminha para tornar-se cada vez menos relevante".

O raciocínio de Hélio equivale a dizer que a escravidão seria um problema "menos relevante" em 1888 do que em 1850, porque em 1888 havia se alterado a proporção entre escravos e trabalhadores livres.

Para sustentar sua opinião sobre a "menor relevância" do oligopólio, Hélio Schwartsman recorre ao argumento clássico do ex-esquerdista envergonhado: não fui eu que mudei, foram as condições que mudaram.

Claro que as condições mudaram...

...mas o Brasil ainda precisa de reforma agrária, pois apesar do que a infelizmente ministra Kátia Abreu acredita, temos latifúndios improdutivos, temos trabalhadores sem terra, temos necessidade de mais e melhor produção de alimentos.

...mas o Brasil precisa julgar e punir os agentes de Estado que praticaram torturas, para que a tortura deixe de ser prática corrente como hoje, para reduzir as chances deste e de outros crimes de Estado voltarem a ocorrer no futuro e para que possamos fortalecer nossas forças armadas sem criar cuervos.

... mas o Brasil continua precisando de uma legislação que desfaça "a propriedade cruzada de meios de comunicação", que impeça "pessoas de ser simultaneamente detentores de cargos eletivos e donos de rádios e TVs, que são concessões públicas" etc. Sob pena da "democracia" ser cada vez menos democrática e da cultura popular ser cada vez mais mercantilizada.

Ainda que tenhamos perdido oportunidades para fazer a reforma agrária, para punir os criminosos da ditadura e para democratizar a mídia, todas estas ações continuam sendo necessárias e possíveis. Salvo, é claro, se a maioria pensar como Hélio Schwartsman e acreditar que a "concentração" caminha "para tornar-se cada vez menos relevante" por causa da... "tecnologia".

Este jeito de raciocinar é parente de outro, velho conhecido, segundo o qual o desemprego seria causado pelas novas tecnologias. Ou seja: decorrência inevitável do progresso e independente das opções políticas.

Na verdade, existe uma dialética entre os avanços tecnológicos e as relações políticas e sociais. É esta dialética que determina os níveis de comunicação, de emprego, de qualidade de vida etc.

Por exemplo: se não estiver sob domínio de oligopólios, a internet realmente possibilitará mais e melhor comunicação do que aquela possível em períodos anteriores, onde predominava a TV, o rádio e os impressos.

Mas se estiver sob domínio de oligopólios, não haverá novidade tecnológica que nos salve. Aliás, basta pensar o que ocorreu com a liberdade de comunicação ao longo dos últimos 20 anos, ao mesmo tempo em que a internet se expandiu.

Deixando de lado a discussão sobre quem controla a infraestrutura material da internet (os "tubos"), deixando de lado a discussão sobre quem gerencia a rede e controla os provedores, deixando de lado a discussão sobre a legislação pertinente e sobre a vigilância massiva, pensemos no conteúdo que circula na internet, especificamente aquele que tem direta relevância política.

Quando pensamos nisto, acabamos percebendo que grande parte do conteúdo político que circula pela internet é produzido por grandes empresas de comunicação.

Para concluir, há uma questão de fundo, expressa numa rápida passagem do texto de Hélio Schwartsman. Para ele, a internet torna possível ao cidadão "encontrar fontes de informação alternativas à grande imprensa".

Legal: a maioria do povo restaria a possibilidade de encontrar "alternativas". As ideias dominantes, estas continuarão dominantes, graças ao oligopólio.

Por outro lado, se não queremos apenas ser "alternativos"...

...se queremos uma democracia que valha este nome...

...se defendemos que a maioria social torne-se politicamente hegemônica...

... então não tem alternativa: é preciso travar e vencer a batalha pela democratização da comunicação.

Segue abaixo o texto criticado.

*****

Uma guerra atrasados

Hélio Schwartsman – Folha de S.Paulo
 
Qual a semelhança entre o PT e o Estado-Maior francês? Estão sempre uma guerra atrasados. A expressão "uma guerra atrasados" surgiu após o desastre de 1940, no qual o Exército francês, tendo apostado todas as suas fichas na construção da inútil linha Maginot (que talvez tivesse funcionado na 1ª Guerra Mundial), sucumbiu em 38 dias e com enormes perdas às "Panzerdivisionen" de Adolf Hitler.
De modo análogo, a democratização da mídia de que o PT voltou a falar após a reeleição de Dilma Rousseff é uma boa batalha do passado. Acredito que, no século anterior, o Brasil teria se beneficiado bastante de uma legislação que evitasse a propriedade cruzada de meios de comunicação. Melhor ainda se houvesse um dispositivo que de fato impedisse pessoas de ser simultaneamente detentores de cargos eletivos e donos de rádios e TVs, que são concessões públicas. Essa, porém, parece ser, como a reforma agrária e o julgamento de agentes do Estado que praticaram tortura, mais uma daquelas oportunidades históricas perdidas.
Eu não chegaria ao ponto de afirmar que a concentração deixou de ser uma questão, mas não há muita dúvida de que o problema caminha para tornar-se cada vez menos relevante. O responsável por isso é a tecnologia. Se, no passado, era difícil para o cidadão encontrar fontes de informação alternativas à grande imprensa, isso deixou de ser verdade depois que a internet se massificou.
Estima-se que sejam produzidos e no mundo hoje 2,5 quintilhões (2,5 x 10^18) de bytes de dados a cada dia, que é o equivalente a 450 bibliotecas do Congresso dos EUA. É espaço mais do que suficiente para assegurar que quase tudo seja objeto de quase todos os olhares possíveis. Basta apertar alguns botões no celular para ter acesso à maior parte disso.
Nesse contexto, afirmar que a informação é controlada por um pequeno grupo de "detentores do capital" é no mínimo inverossímil.

Um comentário:

  1. Com poucas mas honrosas exceções, eu não acredito em meteorologistas, economistas e jornalistas. Os primeiros porque olham pela janela para fazer suas previsões, os segundos porque chutam sem ao menos olhar pela janela e os terceiros porque emitem comentários e analises com a liberdade dada por quem os paga. Como mencionei existem exceções, poucas.

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