Por Antonio Martins, no site Outras Palavras:
Como se previa, 2015 começou tenso e árido, no cenário brasileiro. As ruas do pós-reveillon ainda estão vazias e duas polêmicas já ocupam as manchetes dos jornais, noticiários de TV e sites de notícias. Ambas colocam o governo Dilma em situação delicada. Envolvem dois novos ministros: Nelson Barbosa, do Planejamento, e Ricardo Berzoini, das Comunicações.
Barbosa foi forçado a um recuo desgastante, depois de ouvir uma descompostura de Dilma. Ontem (2/1), ao tomar posse, ele acenara com a possibilidade de mudança – para pior – na fórmula de aumento do salário-mínimo. Foi lançada em 2008, como parte das medidas do governo Lula contra a crise econômica global. Garante tímida recuperação do valor real do salário. A cada 1º de janeiro, ele é reajustado por um percentual que soma a inflação registrada no anterior (medida pelo INPC) mais o aumento do PIB de dois anos atrás. Esta sistemática permitiu que, em 2014, o valor real suplantasse o de 1983, último ano do regime militar e equivalesse a mais que o dobro de 1995 (veja gráfico).
Empenhado no “ajuste fiscal” que a presidente comanda – e é contestado inclusive por economistas muito próximos a ela, como Luiz Gonzaga Belluzzo, o ministro Barbosa aventou a possibilidade de uma nova fórmula. A notícia foi capa, hoje, dos três jornais mais vendidos do país (1 2 3). Ao tomar conhecimento da repercussão, a presidente ordenou que Barbosa se retratasse. Novo barraco: na tarde deste sábado, os mesmos jornais destacam, em suas edições eletrônicas, a humilhação do ministro, obrigado a se desdizer em menos de 24 horas. Além de sua imagem, sofre a da própria presidente, pintada mais uma vez como autoritária e ríspida.
Com o ministro Berzoini, as circunstâncias foram outras – mas o resultado, muito semelhante. Ao ser empossado ontem, ele defendeu, com muitas ressalvas, algo que quatro artigos da Constituição (221, 222, 223 e 224) exigem desde 1988 – a regulação dos sistemas de Comunicação Social, É algo procrastinado pelo Congresso Nacional há 26 anos. Ainda assim, Berzoini afirmou que a exigência deveria ser cumprida “com tranquilidade, sem pressa”…
Foi desautorizado poucas horas depois: não pela presidente, mas pela base parlamentar que Dilma montou e que deu cara a seu ministério. Na manhã de hoje, o líder do PMDB e candidato a presidente da Câmara, Edurdo Cunha (RJ) declarava-se “radicalmente contrário” aos mansos desejos do ministro. E dava o recado: seu partido apoia a “pauta congressual da governabilidade”, mas “não apoiará de forma alguma” a “pauta ideológica do PT”. Em bom português, poderia ter dito: “defenderemos o mandato de Dilma enquanto ela não fizer nada nada que não desejamos”… Acrescente-se: ao dar tais declarações, Cunha faz um aceno óbvio aos tucanos. Também nesta manhã, o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) afirmava que a declaração do ministro Berzoini é uma “tentativa criminosa” de estabelecer “controle da imprensa”…
Dos episódios, é possível extrair uma fotografia dos quatro elementos centrais que compõe a conjuntura brasileira hoje:
a) Dilma é presa de sua esquizofrenia. Ela fez uma campanha que alardeava “Mais Mudanças”, mas se convenceu erradamente, durante ou após as eleições, de que, nos últimos doze anos, os governos da esquerda fizeram mais do que era possível; e de que, portanto, é preciso recuar agora (“Menos Mundanças”), antes de voltar a avançar;
b) Este recuo é tudo que a direita esperava. Como nota Belluzzo, a “nova” política do trio Levy-Barbosa-Tombini projetará a economia num cenário de recessão e corte de direitos do qual “será difícil sair”. Quando a presidente tentar fazê-lo, estará na metade final de seu novo mandato, com força política reduzidíssima. O Congresso não lhe dará ouvidos; a mídia se encarregará de ridicularizá-la; a agenda política estará toda voltada para a escolha de seu substituto;
c) Tem-se, por isso, uma clássica “vitória de Pirro”. A esquerda elegeu a presidente, mas ela está aprisionada numa agenda de direita. Executa o programa dos adversários e, ao fazê-lo, desgasta-se em nome deles. Eles têm suas principais propostas aprovadas e mantêm a confortável condição de “opositores”.
d) A direita está coesa; a esquerda, fragmentada. Em grande medida devido à campanha eleitoral autofágica promovida pela própria Dilma, romperam-se as pontes de solidariedade entre as múltiplas sensibilidades dos que se julgam, de algum modo, contrários à lógica do capital. Constate a partir de seu perfil no Facebook. Você certamente recebe, a cada semana, dezenas de postagens em que dilmistas, lulistas, petistas, comunistas, marinistas, psolistas, autonomistas, esquerdistas de qualquer sensibilidade atacam-se uns aos outros.
Mas procure um único texto empenhado em rebater com dados precisos, argumentos fortes e convincentes, a “necessidade” do “ajuste fiscal”. Ou preocupado em compreender o papel efetivo da Petrobras, diante dos que querem condená-la (e, provavelmente, sucateá-la) por ter sido vítima de corruptos.
Os dois episódios de hoje sugerem: 48 horas depois de instalado, o segundo governo Dilma está atônito. Até agora, quem ganha com isso não são sensibilidades à esquerda – que foram decisivas para o triunfo eleitoral da presidente – mas os interesses mais retrógrados e conservadores. Como reverter esta tendência? É, provavelmente, a pergunta essencial do momento.
Barbosa foi forçado a um recuo desgastante, depois de ouvir uma descompostura de Dilma. Ontem (2/1), ao tomar posse, ele acenara com a possibilidade de mudança – para pior – na fórmula de aumento do salário-mínimo. Foi lançada em 2008, como parte das medidas do governo Lula contra a crise econômica global. Garante tímida recuperação do valor real do salário. A cada 1º de janeiro, ele é reajustado por um percentual que soma a inflação registrada no anterior (medida pelo INPC) mais o aumento do PIB de dois anos atrás. Esta sistemática permitiu que, em 2014, o valor real suplantasse o de 1983, último ano do regime militar e equivalesse a mais que o dobro de 1995 (veja gráfico).
Empenhado no “ajuste fiscal” que a presidente comanda – e é contestado inclusive por economistas muito próximos a ela, como Luiz Gonzaga Belluzzo, o ministro Barbosa aventou a possibilidade de uma nova fórmula. A notícia foi capa, hoje, dos três jornais mais vendidos do país (1 2 3). Ao tomar conhecimento da repercussão, a presidente ordenou que Barbosa se retratasse. Novo barraco: na tarde deste sábado, os mesmos jornais destacam, em suas edições eletrônicas, a humilhação do ministro, obrigado a se desdizer em menos de 24 horas. Além de sua imagem, sofre a da própria presidente, pintada mais uma vez como autoritária e ríspida.
Com o ministro Berzoini, as circunstâncias foram outras – mas o resultado, muito semelhante. Ao ser empossado ontem, ele defendeu, com muitas ressalvas, algo que quatro artigos da Constituição (221, 222, 223 e 224) exigem desde 1988 – a regulação dos sistemas de Comunicação Social, É algo procrastinado pelo Congresso Nacional há 26 anos. Ainda assim, Berzoini afirmou que a exigência deveria ser cumprida “com tranquilidade, sem pressa”…
Foi desautorizado poucas horas depois: não pela presidente, mas pela base parlamentar que Dilma montou e que deu cara a seu ministério. Na manhã de hoje, o líder do PMDB e candidato a presidente da Câmara, Edurdo Cunha (RJ) declarava-se “radicalmente contrário” aos mansos desejos do ministro. E dava o recado: seu partido apoia a “pauta congressual da governabilidade”, mas “não apoiará de forma alguma” a “pauta ideológica do PT”. Em bom português, poderia ter dito: “defenderemos o mandato de Dilma enquanto ela não fizer nada nada que não desejamos”… Acrescente-se: ao dar tais declarações, Cunha faz um aceno óbvio aos tucanos. Também nesta manhã, o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) afirmava que a declaração do ministro Berzoini é uma “tentativa criminosa” de estabelecer “controle da imprensa”…
Dos episódios, é possível extrair uma fotografia dos quatro elementos centrais que compõe a conjuntura brasileira hoje:
a) Dilma é presa de sua esquizofrenia. Ela fez uma campanha que alardeava “Mais Mudanças”, mas se convenceu erradamente, durante ou após as eleições, de que, nos últimos doze anos, os governos da esquerda fizeram mais do que era possível; e de que, portanto, é preciso recuar agora (“Menos Mundanças”), antes de voltar a avançar;
b) Este recuo é tudo que a direita esperava. Como nota Belluzzo, a “nova” política do trio Levy-Barbosa-Tombini projetará a economia num cenário de recessão e corte de direitos do qual “será difícil sair”. Quando a presidente tentar fazê-lo, estará na metade final de seu novo mandato, com força política reduzidíssima. O Congresso não lhe dará ouvidos; a mídia se encarregará de ridicularizá-la; a agenda política estará toda voltada para a escolha de seu substituto;
c) Tem-se, por isso, uma clássica “vitória de Pirro”. A esquerda elegeu a presidente, mas ela está aprisionada numa agenda de direita. Executa o programa dos adversários e, ao fazê-lo, desgasta-se em nome deles. Eles têm suas principais propostas aprovadas e mantêm a confortável condição de “opositores”.
d) A direita está coesa; a esquerda, fragmentada. Em grande medida devido à campanha eleitoral autofágica promovida pela própria Dilma, romperam-se as pontes de solidariedade entre as múltiplas sensibilidades dos que se julgam, de algum modo, contrários à lógica do capital. Constate a partir de seu perfil no Facebook. Você certamente recebe, a cada semana, dezenas de postagens em que dilmistas, lulistas, petistas, comunistas, marinistas, psolistas, autonomistas, esquerdistas de qualquer sensibilidade atacam-se uns aos outros.
Mas procure um único texto empenhado em rebater com dados precisos, argumentos fortes e convincentes, a “necessidade” do “ajuste fiscal”. Ou preocupado em compreender o papel efetivo da Petrobras, diante dos que querem condená-la (e, provavelmente, sucateá-la) por ter sido vítima de corruptos.
Os dois episódios de hoje sugerem: 48 horas depois de instalado, o segundo governo Dilma está atônito. Até agora, quem ganha com isso não são sensibilidades à esquerda – que foram decisivas para o triunfo eleitoral da presidente – mas os interesses mais retrógrados e conservadores. Como reverter esta tendência? É, provavelmente, a pergunta essencial do momento.
O valor real do salário-mínimo não é suficiente. É preciso incorporar a proporção de trabalhadores que tiveram aumentos e passaram a receber SM. Caso contrário, os números demonstrariam que a melhor época para os trabalhadores foi a da ditadura militar.
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