Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
Jornalistas bem posicionados na mídia tradicional costumam justificar o clima de guerra que a imprensa mantém e estimula contra a aliança partidária que governa o Brasil desde 2003 com a frase produzida pelo falecido artista plástico, tradutor e humorista Millôr Fernandes (1923-2012), segundo o qual “imprensa é oposição; o resto é armazém de secos e molhados”. No entanto, como é prática na imprensa brasileira, a frase anedótica é repetida fora de seu contexto, no mesmo processo utilizado para falsear investigações, manipular indicadores e distorcer declarações.
Millôr cunhou a expressão para criticar a imprensa, em 1964, quando lançou a revista satírica Pif Paf, e nunca escondeu as grandes restrições que fazia às empresas de comunicação do Brasil, que conspiraram e apoiaram a ditadura militar e só deixaram de ser subservientes quando a censura se estabeleceu nas redações. Em 1980, em entrevista que depois se transformou no livro intitulado A entrevista, ele diria, enfaticamente, que “a imprensa brasileira sempre foi canalha. Se fosse um pouco melhor, poderia ter uma influência maravilhosa sobre o país”.
A frase famosa também poderia ter uma versão posterior, e atribuída ao diretor de Redação da Folha de S.Paulo, Otavio Frias Filho, que em fevereiro de 1996 declarou, no programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo, que a imprensa estava sendo servil ao então presidente Fernando Henrique Cardoso. Para ser mais preciso, o leitor pode ir aos arquivos (ver aqui) e comprovar o que disse literalmente o dirigente do diário paulista, ao responder uma pergunta do jornalista Dante Mattiusse sobre certa benevolência dos jornais com o governo da época:
“Com relação ao governo Fernando Henrique Cardoso, eu concordo totalmente. Eu acho que, de um modo geral, a imprensa brasileira tem sido quase que de um servilismo em relação a esse governo. Poucas vezes eu presenciei na minha vida profissional, exceto naquele curto interregno inicial do governo Collor, poucas vezes eu presenciei na mídia um espetáculo de tamanha adesão em relação ao governo, aos valores do governo, aos supostos acertos desse governo, às políticas desse governo”.
Dois partidos, duas balanças
Essa afirmação poderia ser repetida, em 2014, com referência à relação diferenciada da imprensa brasileira, conforme se trata o governo paulista, em mãos do PSDB, e o governo federal ou da administração petista na capital de São Paulo. Se questionado, Otavio Frias Filho seria obrigado a admitir que sua frase serviria, agora, para identificar a subserviência da mídia tradicional – a Folha incluída – ao governador Geraldo Alckmin.
No Estado de S. Paulo, podia-se ler na edição de quarta-feira (11/2): “Escola de SP tem sala com até 85 estudantes”. A reportagem, que apontava a superlotação e o fechamento de 3.017 salas nas escolas estaduais, justificava um escândalo, mas ficou por isso mesmo e não houve maior repercussão. A Folha ignorou o assunto, mas publicou na quinta-feira (12/2): “Haddad descumpre meta de lotação de sala na pré-escola” – e dá-lhe crítica pelo fato de a prefeitura paulistana colocar em média 31 crianças por sala, tendo anunciado que o ideal seria 29 alunos por sala.
Na cobertura sobre a crise de abastecimento de água na região da capital paulista, é notável o esforço dos jornais em destacar as medidas adotadas pelo governador, esquecendo suas responsabilidades por não haver tomado providências preventivas para evitar o problema. Por exemplo, a imprensa apresenta como positiva a primeira reunião do comitê metropolitano de gestão da crise hídrica, quando a medida só foi tomada pelo governador depois que os prefeitos da região se queixaram da centralização das decisões.
A lista de assuntos em que o dedo da imprensa pesa mais de um lado do que do outro é interminável, mas alguns detalhes podem ser observados a olho nu pelo leitor crítico. Por exemplo, registre-se o rigor com que a polícia paulista reprimiu os manifestantes que protestavam contra a crise de abastecimento de água, na quarta-feira (11), e aguarde-se a atitude das forças policiais no próximo dia 15/2, durante a manifestação programada para pedir o impeachment da presidente da República.
A metáfora de Millôr Fernandes faz sentido, quando se imagina que uma imprensa sem crítica equivale a qualquer outro tipo de negócio, como, por exemplo, um botequim ou uma loja de varejo. Mas quando a imprensa é oposição seletiva, conforme a sigla que está no poder, fica mais parecida com uma casa de tolerância.
Millôr cunhou a expressão para criticar a imprensa, em 1964, quando lançou a revista satírica Pif Paf, e nunca escondeu as grandes restrições que fazia às empresas de comunicação do Brasil, que conspiraram e apoiaram a ditadura militar e só deixaram de ser subservientes quando a censura se estabeleceu nas redações. Em 1980, em entrevista que depois se transformou no livro intitulado A entrevista, ele diria, enfaticamente, que “a imprensa brasileira sempre foi canalha. Se fosse um pouco melhor, poderia ter uma influência maravilhosa sobre o país”.
A frase famosa também poderia ter uma versão posterior, e atribuída ao diretor de Redação da Folha de S.Paulo, Otavio Frias Filho, que em fevereiro de 1996 declarou, no programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo, que a imprensa estava sendo servil ao então presidente Fernando Henrique Cardoso. Para ser mais preciso, o leitor pode ir aos arquivos (ver aqui) e comprovar o que disse literalmente o dirigente do diário paulista, ao responder uma pergunta do jornalista Dante Mattiusse sobre certa benevolência dos jornais com o governo da época:
“Com relação ao governo Fernando Henrique Cardoso, eu concordo totalmente. Eu acho que, de um modo geral, a imprensa brasileira tem sido quase que de um servilismo em relação a esse governo. Poucas vezes eu presenciei na minha vida profissional, exceto naquele curto interregno inicial do governo Collor, poucas vezes eu presenciei na mídia um espetáculo de tamanha adesão em relação ao governo, aos valores do governo, aos supostos acertos desse governo, às políticas desse governo”.
Dois partidos, duas balanças
Essa afirmação poderia ser repetida, em 2014, com referência à relação diferenciada da imprensa brasileira, conforme se trata o governo paulista, em mãos do PSDB, e o governo federal ou da administração petista na capital de São Paulo. Se questionado, Otavio Frias Filho seria obrigado a admitir que sua frase serviria, agora, para identificar a subserviência da mídia tradicional – a Folha incluída – ao governador Geraldo Alckmin.
No Estado de S. Paulo, podia-se ler na edição de quarta-feira (11/2): “Escola de SP tem sala com até 85 estudantes”. A reportagem, que apontava a superlotação e o fechamento de 3.017 salas nas escolas estaduais, justificava um escândalo, mas ficou por isso mesmo e não houve maior repercussão. A Folha ignorou o assunto, mas publicou na quinta-feira (12/2): “Haddad descumpre meta de lotação de sala na pré-escola” – e dá-lhe crítica pelo fato de a prefeitura paulistana colocar em média 31 crianças por sala, tendo anunciado que o ideal seria 29 alunos por sala.
Na cobertura sobre a crise de abastecimento de água na região da capital paulista, é notável o esforço dos jornais em destacar as medidas adotadas pelo governador, esquecendo suas responsabilidades por não haver tomado providências preventivas para evitar o problema. Por exemplo, a imprensa apresenta como positiva a primeira reunião do comitê metropolitano de gestão da crise hídrica, quando a medida só foi tomada pelo governador depois que os prefeitos da região se queixaram da centralização das decisões.
A lista de assuntos em que o dedo da imprensa pesa mais de um lado do que do outro é interminável, mas alguns detalhes podem ser observados a olho nu pelo leitor crítico. Por exemplo, registre-se o rigor com que a polícia paulista reprimiu os manifestantes que protestavam contra a crise de abastecimento de água, na quarta-feira (11), e aguarde-se a atitude das forças policiais no próximo dia 15/2, durante a manifestação programada para pedir o impeachment da presidente da República.
A metáfora de Millôr Fernandes faz sentido, quando se imagina que uma imprensa sem crítica equivale a qualquer outro tipo de negócio, como, por exemplo, um botequim ou uma loja de varejo. Mas quando a imprensa é oposição seletiva, conforme a sigla que está no poder, fica mais parecida com uma casa de tolerância.
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