Por Helena Martins e Jonas Valente, na revista CartaCapital:
O caráter da Internet e os direitos e deveres dos usuários da rede são objetos de consulta pública promovida pelo Ministério da Justiça por meio de uma plataforma virtual. Iniciada na última quarta-feira (28), ela trata da minuta do decreto presidencial que vai regulamentar o Marco Civil da Internet**. Não é exagerado afirmar que o que está em jogo é o futuro das comunicações no Brasil.
Com a consulta, tem início nova batalha. O desafio é garantir uma regulamentação que assegure os avanços conquistados com a aprovação da norma, no ano passado. Um dos pontos mais sensíveis é a neutralidade de rede, princípio que estabelece que todo o conteúdo que trafega na rede mundial de computadores deve ser tratado igualmente.
A norma prevê que a neutralidade poderá ser dispensada em casos relacionados aos requisitos técnicos indispensáveis para a prestação do serviço e à possível priorização do tráfego de conteúdo relativo aos serviços de emergência. Na prática, contudo, tem sido comum vermos ações empresariais que colocam em questão a neutralidade e, com isso, o caráter aberto da rede.
Exemplos disso são os contratos que possibilitam acesso ilimitado e sem uso de franquia a determinados aplicativos, como faz a TIM em parceria com o WhatsApp ou a Claro com o Twitter e o Facebook. Hoje, até mesmo a Justiça tem dificuldade de estabelecer se essas práticas vão de encontro à lei. Um cenário que favorece as empresas, mas golpeia a conquista da neutralidade. Princípio que não queremos que se transforme em uma palavra sem efetividade.
Privacidade
Também está em questão a proteção dos usuários. O Marco Civil já garante que os dados pertencem a eles e que a venda de informações pessoais ou sobre acesso pelas empresas só pode ocorrer com a autorização expressa do internauta. Ocorre que muitas vezes essa permissão é dada quase que automaticamente, por meio de cliques rápidos em links acompanhados por explicações em letras miúdas. Ou mesmo sem informações acessíveis.
É preciso criar padrões que assegurem maior clareza sobre procedimentos de segurança e de sigilo adotados pelas empresas e sobre o uso dos nossos dados pessoais. Além disso, tendo em vista que os registros deverão ser guardados pelos provedores para que possam ser acessados em caso de determinação judicial, a regulamentação deverá tratar dos padrões de segurança para a guarda e disponibilização desses dados.
A definição é importante para evitar que o armazenamento previsto na norma acabe legalizando e promovendo a vigilância em massa dos usuários. Também para enfrentar a lógica do controle, podem ser propostos mecanismos que garantam que a sociedade tenha conhecimentos sobre o uso dessas informações por parte das autoridades. Caso percamos essa batalha, poderemos ficar todos e permanentemente vigiados e sob suspeita.
Acesso
A regulamentação do Marco Civil deve tratar de forma menos detalhada, mas ainda assim não menos importante, dos princípios e objetivos que apontam para a essencialidade do serviço de acesso à Internet e para a garantia de que este seja assegurado a todos os brasileiros.
Uma primeira mudança que deve fazer parte do detalhamento da lei é fazer com que este serviço possa ser prestado em regime público, ou seja, que haja obrigações de universalização, de continuidade do serviço e controle maior sobre as tarifas e seus reajustes. Esse regime seria aplicado fundamentalmente àquelas operadoras que atuam no atacado, permitindo que no varejo (na prestação do serviço de acesso diretamente ao cidadão) seja mantido o regime privado.
Outra medida fundamental para a universalização do acesso à Internet é o estabelecimento de metas de atendimento a municípios e domicílios, incluindo, além de acessos fixos, centros coletivos a exemplo dos telecentros. Combinadas a elas, a regulamentação do Marco Civil pode envolver a melhoria dos parâmetros de qualidade, com obrigações relativas à continuidade do serviço e ao percentual da velocidade contratada.
Governança
O Marco Civil também traz em seus artigos diretrizes para a atuação do Poder Público em suas várias esferas. A regulamentação pode consolidar um sistema nacional de governança calcado no papel protagonista do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.Br) e na criação de comitês congêneres nos estados para acompanhamento das metas e da prestação dos serviços, de modo que este sistema de governança seja transparente, aberto e permeável à participação da sociedade.
Todos esses aspectos são fundamentais para resistir à transformação da Internet em um espaço cerceado e pautado por interesses privados e para fortalecer a luta por direitos no ambiente virtual. Uma vez mais, a batalha será intensa, afinal não são poucos ou frágeis os grupos que se opõem a um ambiente livre e pautado pela compreensão da comunicação como um direito fundamental.
Diante deste cenário, a participação popular – chave das conquistas na formulação e aprovação do Marco Civil da Internet – uma vez mais é nossa maior arma nesse enfrentamento.
* Helena Martins é jornalista, doutoranda em Comunicação Social pela Universidade de Brasília e representante do Intervozes no Conselho Nacional de Direitos Humanos. Jonas Valente é jornalista, doutorando em Sociologia pela Universidade de Brasília e integrante da Coordenação Executiva do Intervozes.
O caráter da Internet e os direitos e deveres dos usuários da rede são objetos de consulta pública promovida pelo Ministério da Justiça por meio de uma plataforma virtual. Iniciada na última quarta-feira (28), ela trata da minuta do decreto presidencial que vai regulamentar o Marco Civil da Internet**. Não é exagerado afirmar que o que está em jogo é o futuro das comunicações no Brasil.
Com a consulta, tem início nova batalha. O desafio é garantir uma regulamentação que assegure os avanços conquistados com a aprovação da norma, no ano passado. Um dos pontos mais sensíveis é a neutralidade de rede, princípio que estabelece que todo o conteúdo que trafega na rede mundial de computadores deve ser tratado igualmente.
A norma prevê que a neutralidade poderá ser dispensada em casos relacionados aos requisitos técnicos indispensáveis para a prestação do serviço e à possível priorização do tráfego de conteúdo relativo aos serviços de emergência. Na prática, contudo, tem sido comum vermos ações empresariais que colocam em questão a neutralidade e, com isso, o caráter aberto da rede.
Exemplos disso são os contratos que possibilitam acesso ilimitado e sem uso de franquia a determinados aplicativos, como faz a TIM em parceria com o WhatsApp ou a Claro com o Twitter e o Facebook. Hoje, até mesmo a Justiça tem dificuldade de estabelecer se essas práticas vão de encontro à lei. Um cenário que favorece as empresas, mas golpeia a conquista da neutralidade. Princípio que não queremos que se transforme em uma palavra sem efetividade.
Privacidade
Também está em questão a proteção dos usuários. O Marco Civil já garante que os dados pertencem a eles e que a venda de informações pessoais ou sobre acesso pelas empresas só pode ocorrer com a autorização expressa do internauta. Ocorre que muitas vezes essa permissão é dada quase que automaticamente, por meio de cliques rápidos em links acompanhados por explicações em letras miúdas. Ou mesmo sem informações acessíveis.
É preciso criar padrões que assegurem maior clareza sobre procedimentos de segurança e de sigilo adotados pelas empresas e sobre o uso dos nossos dados pessoais. Além disso, tendo em vista que os registros deverão ser guardados pelos provedores para que possam ser acessados em caso de determinação judicial, a regulamentação deverá tratar dos padrões de segurança para a guarda e disponibilização desses dados.
A definição é importante para evitar que o armazenamento previsto na norma acabe legalizando e promovendo a vigilância em massa dos usuários. Também para enfrentar a lógica do controle, podem ser propostos mecanismos que garantam que a sociedade tenha conhecimentos sobre o uso dessas informações por parte das autoridades. Caso percamos essa batalha, poderemos ficar todos e permanentemente vigiados e sob suspeita.
Acesso
A regulamentação do Marco Civil deve tratar de forma menos detalhada, mas ainda assim não menos importante, dos princípios e objetivos que apontam para a essencialidade do serviço de acesso à Internet e para a garantia de que este seja assegurado a todos os brasileiros.
Uma primeira mudança que deve fazer parte do detalhamento da lei é fazer com que este serviço possa ser prestado em regime público, ou seja, que haja obrigações de universalização, de continuidade do serviço e controle maior sobre as tarifas e seus reajustes. Esse regime seria aplicado fundamentalmente àquelas operadoras que atuam no atacado, permitindo que no varejo (na prestação do serviço de acesso diretamente ao cidadão) seja mantido o regime privado.
Outra medida fundamental para a universalização do acesso à Internet é o estabelecimento de metas de atendimento a municípios e domicílios, incluindo, além de acessos fixos, centros coletivos a exemplo dos telecentros. Combinadas a elas, a regulamentação do Marco Civil pode envolver a melhoria dos parâmetros de qualidade, com obrigações relativas à continuidade do serviço e ao percentual da velocidade contratada.
Governança
O Marco Civil também traz em seus artigos diretrizes para a atuação do Poder Público em suas várias esferas. A regulamentação pode consolidar um sistema nacional de governança calcado no papel protagonista do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.Br) e na criação de comitês congêneres nos estados para acompanhamento das metas e da prestação dos serviços, de modo que este sistema de governança seja transparente, aberto e permeável à participação da sociedade.
Todos esses aspectos são fundamentais para resistir à transformação da Internet em um espaço cerceado e pautado por interesses privados e para fortalecer a luta por direitos no ambiente virtual. Uma vez mais, a batalha será intensa, afinal não são poucos ou frágeis os grupos que se opõem a um ambiente livre e pautado pela compreensão da comunicação como um direito fundamental.
Diante deste cenário, a participação popular – chave das conquistas na formulação e aprovação do Marco Civil da Internet – uma vez mais é nossa maior arma nesse enfrentamento.
* Helena Martins é jornalista, doutoranda em Comunicação Social pela Universidade de Brasília e representante do Intervozes no Conselho Nacional de Direitos Humanos. Jonas Valente é jornalista, doutorando em Sociologia pela Universidade de Brasília e integrante da Coordenação Executiva do Intervozes.
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