segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Não tentem sufocar a Grécia

Por Nuno Ramos de Almeida, no site Outras Palavras:

O secretário de Estado Henry Kissinger, o poderoso chefe da diplomacia norte-americana nos anos de fogo da revolução portuguesa, que esteve nos governos de Richard Nixon e Gerald Ford, ficou famoso pela sua teoria da vacina. Se Portugal caísse nas mãos dos comunistas – uma espécie de Cuba no velho continente –, isso serviria de exemplo, evitando que outros países do Sul da Europa seguissem o mesmo caminho. Segundo documentos revelados recentemente, numa reunião na Casa Branca em Abril de 75 com o presidente Ford e o conselheiro nacional de segurança Brent Scowcroft, o homem que vaticinava que Mário Soares se tornaria o Kerenski português [primeiro-ministro russo derrubado por Lênin] até arriscou uma previsão: “Em 1980 podemos ter comunistas governando Portugal, a Grécia e talvez Itália.”

A 27 de Março, quando Ford e Kissinger receberam o ex-chanceler alemão Willy Brandt, à época presidente da Internacional Socialista, o secretário de Estado norte-americano declarou: “Os europeus estabeleceram dois objetivos [quanto a Portugal]: a realização de eleições e evitar a tomada do poder pelos comunistas. Acho que podemos conseguir esses dois objetivos e mesmo assim “perder” o país, porque os comunistas “governam” através do Movimento das Forças Armadas (MFA). O que vamos fazer se este tipo de governo quiser manter o país na OTAN? Quais os efeitos disso na Itália? E na França? Provavelmente temos que atacar Portugal, qualquer que seja o resultado, e expulsá-lo da OTAN.”

Normalmente, segundo uma conhecida frase de Marx comentando Hegel, a história repete-se, primeiro como tragédia e depois como farsa. A ideia de um conjunto de governantes alemães e comentaristas portugueses, de que vai ser possível usar a Grécia como vacina contra a mudança de atitude dos povos do Sul da Europa é peregrina mas pouco inteligente.

É verdade que a Grécia deve dinheiro à troika, mas esse laço econômico serve para o país devedor como para os países credores. Pensar que é possível castigar Atenas sem que isso se repercuta na economia da União Europeia (UE) é ignorar completamente a dinâmica da economia. No início da crise grega também se dizia que este país pesava menos de 1% na economia europeia, e nem por isso que a inação da UE e da Alemanha deixou de provocar contágio em grande parte dos países europeus.

Como diz o Nobel Joseph Stiglitz, as reivindicações dos gregos, agora governados pelo Syriza, são muito mais sensatas do ponto de vista econômico que as medidas da troika, que apenas conduziram à destruição da economia e da sociedade grega e ao aumento do seu endividamento.

Se Bruxelas e Berlim se recusarem a negociar a dívida com a Grécia, apenas estarão cavando a sepultura desta União Europeia, tão expedita a salvar bancos de amigos poderosos e tão alérgica a ajudar os povos do velho continente.

O governo de Berlim não é a única força no mundo; de há uns anos para cá verifica-se o recrudescimento das tensões na Europa. E não será de admirar que a Rússia, ou outras potências, possam vir em ajuda de um país da OTAN desavindo com os donos da União Europeia. As recentes quedas do preço do petróleo enfraquecem a economia russa, mas são preços de pouco fôlego. As reservas de combustíveis fósseis não vão aumentar, e a Rússia é poderosa do ponto de vista das suas reservas de gás natural e petróleo.

A incapacidade das medidas da troika de resolverem os verdadeiros problemas da Europa, como o desemprego e o crescimentos das desigualdades, está para durar. E a vitória do Syriza é a primeira derrota significativa dos blocos de interesses ligados ao grande capital financeiro que governaram o continente. É de esperar que mais partidos ditos extremistas ganhem as eleições nos próximos anos. Espanha, França e até o Reino Unido são os próximos problemas com que a governação alemã da UE se vai debater.

Antes da integração europeia, estas tensões foram historicamente dirimidas em guerras mundiais. A vaga islamofóbica é uma tendência nesse sentido. Mas uma coisa é certa: mais que a teoria da vacina, a vitória do Syriza pode provar a teoria do dominó. A viragem começou.

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