Por Fabio Lau, no jornal Correio do Brasil:
A atitude do jornalista inglês do The Daily Telegraph, Peter Oborne, que pediu demissão por não concordar com a linha editorial do jornal na cobertura do escândalo Swissleaks/HSBC, não repercutiu na mídia tradicional brasileira. Nas suas páginas, telas ou ondas de rádio, naturalmente. Mas no meio profissional, nas rodas de conversa, o caso foi debatido – aos sussurros – durante todo o dia.
– Lá é fácil. Lá tem oferta de emprego e os patrões não representam uma oligarquia!
O profissional de longa data ainda acrescentou: “Aqui, se o repórter fizer isso, será discriminado pelos próprios colegas. Obedecer cegamente ao anseio do chefe (lugar-tenente do patrão) é sinônimo de profissionalismo!”
Fechadas as aspas, a gente encontra o tabuleiro que separa as peças deste jogo onde dono de jornal se diz porta-voz da mídia livre, mesmo que seja capaz de atos como o denunciado por Oborne: amenizar as críticas ao acusado (no caso, um dos maiores bancos do mundo) em troca de publicidade. Afinal, ao lado da corrupção profissional, ele apresentará uma justificativa que pode até soar nobre: agiu para garantir a sobrevivência da sua empresa, ao lado do status de empresário bem-sucedido.
Para que um leitor comum entenda, esta concessão escusa está para o jornalista (ou dono da mídia) como estaria a prática da eutanásia para um médico ou a assinatura da pena de morte por um juiz. São atos organicamente contraditórios.
Aos 58 anos, Peter Oborne reagiu de forma definitiva porque entendeu que os leitores do Daily Telegraph estavam sendo lesados no seu direito de serem bem informados.
O jornalista obtinha informações importantes sobre o esquema HSBC, chamado pela mídia internacional de Swissleaks, e o jornal as ignorava. Além disso, Oborne descobriu que naquele ano em que as denúncias começaram a surgir um patrocínio milionário fora oferecido pelo HSBC a uma das empresas do seu patrão. Estava fechado o círculo.
A omissão de conteúdo de informação, ou jornalístico, é o bem mais precioso cambiado pelas empresas de má fé. Negar a informação ao leitor/telespectador/ouvinte é mais lesivo (e lucrativo, se visto na outra ponta) do que deturpar ou favorecer. Omita o delito e ele, como num passe de mágica, deixará de existir. Por isso ele é tão caro – em todos os sentidos.
Não é de se esperar gestos heroicos de jornalistas brasileiros. A falta de pluralidade da mídia de certa forma pode tornar seletiva, também, a maneira de enxergar de muitos profissionais quanto ao contexto político em que se esteja inserido. Portanto, não são aparentemente tantos os casos de dramas de consciência ou frustração.
Outro particular é a escassez cada vez maior de postos de trabalho. Detentoras do mercado profissional, as cinco principais empresas brasileiras de comunicação jogam nas diversas esferas das plataformas de mídia (praticando a chamada propriedade cruzada) e sabotam a possibilidade de pluralizar o mercado. Controlam a verba de publicidade, privada e pública, eliminando assim o mais remoto ensaio de concorrência. Além disso, reféns do modelo e da força manifestos pela mídia corporativa, os governantes, de todos os partidos e matizes, se curvam e evitam o confronto.
Iniciativas heroicas da mídia livre, notadamente instadas na internet, são o único foco de resistência ao modelo que é lesivo aos leitores/ouvintes/telespectadores/internautas e jornalistas. Somente estes pequenos empreendimentos garantem a possibilidade de fazer vazar informações controladas – como o pedido de demissão de um importante jornalista do Daily Telegraph, por razões profissionais e éticas.
Por outro lado, no contexto das redações brasileiras, não raro percebe-se, aqui e ali, uma reportagem que de tão profunda e contestadora, transgressora até do ambiente político tradicional, faz despertar no seu consumidor (de TV, jornal, rádio ou internet) a crítica sobre o universo que o cerca e que a velha mídia tenta colorir com o ponto de vista do dono – do dono da voz.
Estes heróis das redações, muitas vezes anônimos, são de fato os nossos focos de resistência na mídia corporativa. E o consumidor desavisado não faz ideia da oposição que estes jornalistas enfrentam, muitas vezes de seus próprios colegas, por pensarem e tentarem agir de forma diferente, mais livre. Em cada oportunidade, em cada brecha, surgem os jornalistas de verdade. São eles os Peter Oborne das nossas redações.
* Fábio Lau, é jornalista, editor-chefe do portal de notícias Conexão Jornalismo.
– Lá é fácil. Lá tem oferta de emprego e os patrões não representam uma oligarquia!
O profissional de longa data ainda acrescentou: “Aqui, se o repórter fizer isso, será discriminado pelos próprios colegas. Obedecer cegamente ao anseio do chefe (lugar-tenente do patrão) é sinônimo de profissionalismo!”
Fechadas as aspas, a gente encontra o tabuleiro que separa as peças deste jogo onde dono de jornal se diz porta-voz da mídia livre, mesmo que seja capaz de atos como o denunciado por Oborne: amenizar as críticas ao acusado (no caso, um dos maiores bancos do mundo) em troca de publicidade. Afinal, ao lado da corrupção profissional, ele apresentará uma justificativa que pode até soar nobre: agiu para garantir a sobrevivência da sua empresa, ao lado do status de empresário bem-sucedido.
Para que um leitor comum entenda, esta concessão escusa está para o jornalista (ou dono da mídia) como estaria a prática da eutanásia para um médico ou a assinatura da pena de morte por um juiz. São atos organicamente contraditórios.
Aos 58 anos, Peter Oborne reagiu de forma definitiva porque entendeu que os leitores do Daily Telegraph estavam sendo lesados no seu direito de serem bem informados.
O jornalista obtinha informações importantes sobre o esquema HSBC, chamado pela mídia internacional de Swissleaks, e o jornal as ignorava. Além disso, Oborne descobriu que naquele ano em que as denúncias começaram a surgir um patrocínio milionário fora oferecido pelo HSBC a uma das empresas do seu patrão. Estava fechado o círculo.
A omissão de conteúdo de informação, ou jornalístico, é o bem mais precioso cambiado pelas empresas de má fé. Negar a informação ao leitor/telespectador/ouvinte é mais lesivo (e lucrativo, se visto na outra ponta) do que deturpar ou favorecer. Omita o delito e ele, como num passe de mágica, deixará de existir. Por isso ele é tão caro – em todos os sentidos.
Não é de se esperar gestos heroicos de jornalistas brasileiros. A falta de pluralidade da mídia de certa forma pode tornar seletiva, também, a maneira de enxergar de muitos profissionais quanto ao contexto político em que se esteja inserido. Portanto, não são aparentemente tantos os casos de dramas de consciência ou frustração.
Outro particular é a escassez cada vez maior de postos de trabalho. Detentoras do mercado profissional, as cinco principais empresas brasileiras de comunicação jogam nas diversas esferas das plataformas de mídia (praticando a chamada propriedade cruzada) e sabotam a possibilidade de pluralizar o mercado. Controlam a verba de publicidade, privada e pública, eliminando assim o mais remoto ensaio de concorrência. Além disso, reféns do modelo e da força manifestos pela mídia corporativa, os governantes, de todos os partidos e matizes, se curvam e evitam o confronto.
Iniciativas heroicas da mídia livre, notadamente instadas na internet, são o único foco de resistência ao modelo que é lesivo aos leitores/ouvintes/telespectadores/internautas e jornalistas. Somente estes pequenos empreendimentos garantem a possibilidade de fazer vazar informações controladas – como o pedido de demissão de um importante jornalista do Daily Telegraph, por razões profissionais e éticas.
Por outro lado, no contexto das redações brasileiras, não raro percebe-se, aqui e ali, uma reportagem que de tão profunda e contestadora, transgressora até do ambiente político tradicional, faz despertar no seu consumidor (de TV, jornal, rádio ou internet) a crítica sobre o universo que o cerca e que a velha mídia tenta colorir com o ponto de vista do dono – do dono da voz.
Estes heróis das redações, muitas vezes anônimos, são de fato os nossos focos de resistência na mídia corporativa. E o consumidor desavisado não faz ideia da oposição que estes jornalistas enfrentam, muitas vezes de seus próprios colegas, por pensarem e tentarem agir de forma diferente, mais livre. Em cada oportunidade, em cada brecha, surgem os jornalistas de verdade. São eles os Peter Oborne das nossas redações.
* Fábio Lau, é jornalista, editor-chefe do portal de notícias Conexão Jornalismo.
Estabilidade no emprego para todos os profissionais da mídia.
ResponderExcluirPelo direito de que todos os profissionais da mídia possam eleger seus superiores hierárquicos.
MARCO REGULATÓRIO DA MÍDIA JÁ!