Por José Ricardo Figueiredo
Na República Velha, em contraponto à imprensa conservadora, da oligarquia dominante, existia uma imprensa de oposição, onde se destacava a juventude militar, e esta diversidade da imprensa teve importante papel no desenrolar dos acontecimentos até a Revolução de 1930. Nos anos seguintes continuou a florescer uma imprensa plural. Entretanto, após a instalação da ditadura em 1937, o governo Vargas submeteu toda a imprensa à censura do Departamento de Imprensa e Propaganda, além de financiar uma imprensa situacionista.
A imprensa foi retomando sua liberdade quando se anunciava a virada nas tendências da Segunda Guerra, a partir de 1941, quando os EUA entraram no conflito, e particularmente desde 1942, quando o Brasil abandonou a neutralidade em favor dos Aliados. Com o fim da guerra, tudo indicaria que as condições políticas favoreceriam o desabrochar da imprensa.
Entretanto, como observou o falecido historiador Nelson Werneck Sodré, ocorreu um forte processo de centralização da imprensa nas décadas de 1930 a 1950. Muitos títulos foram encerrados, e poucos vieram substituí-los. Como novidade maior, foram sendo criadas corporações englobando vários jornais e revistas, rádios e, depois dos anos 1950, televisões. A primeira destas corporações foi o Diários Associados, de Assis Chateaubriant, que incluía a antiga TV Tupy. Alertava o historiador: “A época é das grandes corporações que manipulam a opinião, conduzem as preferências, mobilizam os sentimentos. Campanhas gigantescas, preparadas meticulosamente, arrasam reputações, impõem notoriedades, derrubam governos”. Este artigo resume um pouco desta história.
Com o fim da guerra, em que os ideais democráticos derrotaram o fascismo, articulavam-se os caminhos para a redemocratização do Brasil. Uma das propostas era a convocação de uma assembleia constituinte com Getúlio, sob a vigência da constituição democrática de 1934. A proposta foi apoiada até pelos comunistas, muitos deles presos por Getúlio. Mas os conservadores, e com eles sua imprensa, não aceitaram tal tese, exigindo a queda de Getúlio.
Os ministros militares, que haviam servido à ditadura, depuseram Getúlio em outubro de 1945. Encaminharam uma eleição presidencial e uma constituinte excluindo o ex-ditador, mas sob a égide da constituição anti-democrática de 1937.
Sagra-se vencedor o general Dutra. Seu governo foi muito apoiado na imprensa conservadora por sua política econômica de arrocho salarial, por sua aproximação com os EUA, e pela repressão ao Partido Comunista, que foi cassado em 1947, e teve proibida a sua imprensa.
Já no governo Dutra se colocava a questão da exploração do petróleo. A propaganda das empresas de petróleo estrangeiras, ecoada pela grande imprensa, foi primeiro a de que o Brasil não tinha petróleo, o que foi desmentido pela exploração em Lobato, depois, o de que o Brasil não tinha capitais. Relata o historiador Nelson Werneck Sodré: “enquanto a polícia do governo Dutra espancava os que defendiam a tese da exploração estatal dos nossos recursos petrolíferos, a imprensa se unia para sustentar as teses antinacionais de entrega destes recursos à exploração estrangeira”.
Em 1950, Getúlio lançou-se candidato e venceu. A imprensa não o poupou jamais por sua política trabalhista, que duplicou o salário mínimo, e por seu nacionalismo, com a criação da Petrobrás. A imprensa foi pródiga em denúncias de corrupção. Em agosto de 1954 ocorreu o atentado da rua Torneleiros, que matou o major Vaz, da Aeronáutica, e teria ferido Carlos Lacerda na perna. As investigações da Aeronáutica levaram a Gregório Fortunato, que assumiu a tentativa de assassinato de Lacerda, isentando Getúlio, posição que manteve mesmo depois da morte de seu chefe. De fato, Getúlio não tinha por que criar um mártir da oposição às vésperas das eleições, e Gregório também fora alvo de críticas por Lacerda. Mas a grita da grande imprensa foi suficiente para convencer, de novo, os comandantes militares das três armas a exigirem a renúncia do presidente. Getúlio preferiu o suicídio físico ao suicídio moral e político.
O seguinte presidente eleito foi Juscelino Kubitschek, herdeiro político de Getúlio, eleito apesar de forte oposição da imprensa e de parte dos militares. Sua posse foi assegurada pela intervenção decisiva do general Henrique Teixeira Lott, que abortou um golpe. Por ter assegurado a normalidade constitucional, o general Lott foi tão criticado na imprensa que “moveu cerca de sessenta processos por crime de injúria e calúnia contra jornais controlados pelas agências estrangeiras de publicidade, todos sem resultado.”
Um dos poucos jornais criados nesta fase foi o Última Hora, por Samuel Weiner, que apoiava o governo de Getúlio Vargas, e que atingiu o porte dos maiores jornais da época. A grande imprensa gostou tanto da concorrência que desencadeou uma campanha pela cassação do jornal, que levou a uma CPI, argumentando que Samuel Weiner não era brasileiro nato, e questionando o empréstimo do Banco do Brasil que permitira a fundação do jornal, apesar de outros órgãos de imprensa também terem tido empréstimos do mesmo vulto.
O desenvolvimentismo otimista de Juscelino, particularmente com a construção de Brasília, foi sistematicamente criticado na grande imprensa: ali só se enxergava corrupção e ineficiência, não se via maior significado no Brasil voltar-se para seu próprio interior.
Na eleição seguinte, a grande imprensa deu destaque a Jânio Quadros, uma figura politicamente ambígua, que em poucos anos tornou-se prefeito de São Paulo, governador de São Paulo e presidente da República. Jânio tinha como símbolo a vassoura, com a qual iria varrer a corrupção deste país. A imprensa conservadora teria preferido outro candidato, mas Jânio servia como plano B contra a candidatura nacionalista do general Lott.
Jânio venceu, para renunciar em sete meses, inesperadamente, sem explicar porque. (Hipótese possível: repetir o que fizera Nasser, no Egito, que renunciara em frente a uma crise política para voltar, com maior poder, nos ombros do povo. Mas ninguém fez questão de manter Jânio.)
Sua renúncia quase levou o país à guerra civil, pela oposição dos chefes militares ao vice, João Goulart. O governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, resistiu ao golpe. A solução política foi uma instável e curta experiência parlamentarista. Após o plebiscito que restaurou o presidencialismo em 1963, a grande imprensa passou a atacar com redobrada intensidade o governo de João Goulart, advogando cada vez mais abertamente a intervenção dos militares, e vindo a apoiar quase unanimemente o golpe de 1964. A exceção foi o Última Hora, que nos dias do golpe foi depredado, depois descaracterizado e perdeu expressão.
O historiador Werneck Sodré registra desta época um importante processo de infiltração de capitais norte-americanos na imprensa brasileira, o que era proibido por lei. Pelo acordo entre a Globo e o consórcio americano Time-Life, a Globo recebeu em 1965 a quantia de 2,84 milhões de dólares, financiamento que lhe permitiu tornar-se o maior conglomerado de comunicação brasileiro, destronando a TV Tupi e os Diários Associados de Châteaubriant. Não foi o único caso. “Em São Paulo, antigo criador de aves e ovos, Otávio Frias de Oliveira, tornava-se, por singular passe de mágica, proprietário da empresa jornalística Folha de São Paulo, que mantinha três diários dos mais importantes da capital paulista.”
Foi denunciada influência do grupo Time-Life também na Editora Abril e na antiga TV Paulista, além da Globo. O grupo Rockfeller teria influência na Folha, Última Hora, Notícias Populares e TV Excelsior, e grupos mórmons seriam influentes na Rádio Piratininga e na Rádio e TV Bandeirantes.
A grande imprensa apoiou o primeiro governo militar, de Castelo Branco, pela política econômica de arrocho salarial e liberalização da economia, pela aproximação aos EUA, etc. Apoiou também o segundo, de Costa e Silva, um pouco mais envergonhadamente. O povo não vinha gostando do que via, e em 1967 e 1968 avolumavam-se as mobilizações contra o governo.
Na virada para 1969 houve o fechamento total do regime, começando com a Junta Militar que substituiu Costa e Silva adoentado, e seguindo com o general Emílio Médici. A imprensa sofreu censura militar, e a chamada auto-censura, quando o editor suprimia previamente aquilo que avaliava seria censurado. Mas a imprensa, com destaque a Rede Globo, também proporcionou voluntariamente uma farta propaganda publicitária do governo e seu ideal de Brasil-Potência.
Em seguida, veio Ernesto Geisel, que iniciou o processo de distensão política “lenta, gradual e segura”. Teve algumas críticas da imprensa, apesar da censura. O Estadão criticou o governo em editoriais quando o Brasil reinaugurou a política externa independente, afastando-se do alinhamento automático aos EUA, por exemplo no rápido reconhecimento de Angola independente, e quando o Brasil denunciou o acordo militar com os norte americanos. Mas em geral apoiava o governo. Já a Folha de São Paulo, que chegara a emprestar suas peruas para os órgãos de repressão, passou a aparecer como oposição. Comercialmente deu-se bem, tendo sua vendagem aumentada, superando o Estadão.
O último presidente do ciclo militar foi João Figueiredo, que pegou o país já em crise, com inflação beirando os 100% anuais, e foi levado “socorrer-se” junto ao FMI. Implantou uma política de “austeridade” (corte de gastos públicos) e de juros altos para combater, teoricamente, a inflação.
Explodiu a recessão e o desemprego. Entretanto, ao final do governo a inflação estava beirando os 1000% anuais. A imprensa apoiou as medidas do FMI, mas não tinha maior compromisso com um governo desgastado. Era hora de todos aparecerem como democratas convictos. Exceto a Globo, que se manteve fiel ao regime, e sequer noticiava as mobilizações que se sucediam em várias capitais, com cem mil, duzentas mil pessoas, exigindo eleições diretas. Só quando as mobilizações atingiram quinhentas mil pessoas a Globo parou de tentar esconder o que todo mundo já estava vendo.
Mas, independente do tom oposicionista ou simpático ao governo, toda a grande imprensa já vinha advogando com regularidade a desestatização como remédio para todos os males da economia. Todos os erros da ditadura foram atribuídos a seu estatismo, que traíra o ideário liberal dos verdadeiros revolucionários de 1964.
Derrotada no Congresso a eleição direta, as oposições e os dissidentes do partido do governo vencem no Congresso com a chapa Tancredo Neves - José Sarney, pelo PMDB. Tancredo adoece às vésperas da posse, e falece pouco depois, sendo substituído pelo governista dissidente José Sarney, que de início manteve o ministério de Tancredo. Em 1986 o país vive o plano Cruzado, com mudança de moeda e congelamento de preços. O plano rendeu popularidade suficiente ao governo para o PMDB eleger quase todos os governadores em 1986. Depois das eleições, o plano foi descaracterizado. Foi o primeiro grande “estelionato eleitoral” sofrido pelo povo. O Estadão desde o início recriminou o congelamento de preços. Mas boa parte da imprensa aderiu ao entusiasmo inicial. Com o fracasso do plano, todos fecharam-se num só diagnóstico: intervenção estatal não funciona, privatização já!
Entre 1986 e 1988 o país viveu nova constituinte, fortemente avançada em seu início, sob o impulso de demandas populares, mas que retroagiu com a articulação do “Centrão” conservador no Congresso e Sarney, com apoio da grande imprensa.
Nas primeiras eleições populares para presidente, em 1990, concorreram, entre outros, lideranças populares históricas, como Ulysses Guimarães e Leonel Brizola, uma liderança nova, Lula, e uma liderança construída artificialmente, Collor. De família tradicional alagoana, dono da filial da Globo em seu estado, foi endeusado pela Globo como “caçador de marajás” quando fora governador de Alagoas. O povo acreditou. Seu governo começou com confisco da poupança, e continuou com recessão e desemprego em massa. Collor começou o processo de privatização das estatais mas, sem força política, avançou pouco. Descontentando ao povo e a seus próprios criadores, levou impeachment.
Itamar Franco, o vice, assumiu, procurou construir um ministério de união nacional em momento de crise, e aplicou o Plano Real de estabilização da economia. Mas a grande imprensa fez o que pôde para ridicularizar o topetudo, e elegeu Fernando Henrique Cardoso como autor do Real. O povo acreditou.
O governo Fernando Henrique Cardoso foi a festa das privatizações. Quase todo o sistema elétrico foi privatizado aceitando em pagamento títulos da dívida pública desvalorizados no mercado pelo preço de face. A Vale do Rio Doce, detentora de todo subsolo brasileiro e de toda infraestrutura para explorá-lo, foi vendida por pouco mais de 3 bilhões de reais, que era seu faturamento trimestral. O gigantesco sistema telefônico brasileiro foi esquartejado e a vendido por 20 bilhões, equivalente aos gastos do governo nos três anos anteriores para “preparar a empresa para a privatização”. A festa das privatizações fez de Fernando Henrique Cardoso o herói da grande imprensa.
Além das privatizações, que em si mesma foram a maior dilapidação de riqueza pública na nossa história, houve várias outras denúncias graves durante o governo de FHC. Mas o presidente era elogiado pelas privatizações, e poupado pelas demais corrupções.
Um deputado confessou ter recebido duzentos mil reais para votar pela direito à reeleição, como propunha o governo, e também denunciou outros deputados pelo mesmo crime. Os deputados mencionados renunciaram, e ficou só por aí. Ninguém foi atrás da fonte de recursos, ninguém investigou a quem interessava o crime. Assim como a Pasta Rosa, ocaso SIVAN, e tantos outros.
Durante o processo de privatização da telefonia, a rádio CBN divulgou uma gravação com a nítida voz do próprio presidente interferindo a favor de um dos grupos em disputa. Isto era muito mais grave que qualquer coisa que Collor fizera. Mas apenas a revista Carta Capital transcreveu a fita, a grande imprensa não tocou no assunto.
A eleição seguinte elegeu Lula, apesar da grande imprensa difundir um mal explicado “medo de um governo Lula”. A eleição subsequente elegeu Lula de novo, a seguinte elegeu Dilma, apoiada por Lula, e agora, quando a imprensa pensava que teria sua a vitória, o povo elegeu Dilma de novo.
De verdade, quase venceu o candidato Aécio Neves. Ele esteve á frente das pesquisas no início do segundo turno, só perdendo a vantagem para Dilma quando ocorreram os debates diretos entre os dois.
Só nestes debates grande parte dos eleitores foi informada de que o ex-governador de Minas Gerais construiu, com recursos do seu estado, um aeroporto nas terras de seu tio-avô, a quem entregou as chaves, e outro aeroporto em condições igualmente suspeitas. E também se soube que o então governador nomeou vários primos e primas para cargos bem remunerados. Muita gente só então soube de tais fatos, informado pela presidenta e candidata.
Enfim, o Brasil quase elegeu um candidato pessoalmente envolvido em corrupção, acreditando que seu discurso moralista fosse sincero, porque a imprensa blindou o candidato contra críticas, enquanto acusava de corrupta uma presidenta que não tem uma única acusação contra sua pessoa. Além disso, é uma presidenta que sempre tem mandado investigar e encaminhado à justiça todos os casos de corrupção de seus subordinados.
Desta vez, porém, os derrotados não aceitam a derrota. Por conta da mesma corrupção na Petrobrás, da qual o povo já tinha sido informado antes das eleições, inventam a tese do impeachment. E também mostram a intenção de aproveitar a crise para privatizar a Petrobrás ou, pelo menos, para reverter o atual regime de parceria para o pré-sal em favor do regime de concessão, mais favorável para as multinacionais interessadas.
A grande imprensa anunciou e promoveu no último dia 15 de março manifestações em todo país, culminando com uma gigantesca em São Paulo, que bem mostra o seu poder de convencimento. Depois do chamamento intensivo da televisão para o evento, este ficará para a história como a “manifestação dos teleguiados”.
Lembrando a oposição raivosa da imprensa aos governos de Getúlio, de Juscelino, de Jango Goulart, de Lula, e agora de Dilma, e, por outro lado, a propaganda da imprensa a favor de Dutra, de Jânio, dos militares, de Collor e FHC, vê-se que a história do Brasil republicano tem uma moral: toda vez que o povo caiu na lábia da grande imprensa, o Brasil andou para trás, e povo se deu mal.
Referências
- Sodré, N. W. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 1999
- Bertolino, O. Pedro Pomar Idéias e batalhas. São Paulo: Anita Garibaldi: Fundação Maurício Grabois, 2013
- Wiener, S. Minha razão de viver – memórias de um repórter. Rio de Janeiro: Record, 2005.
Na República Velha, em contraponto à imprensa conservadora, da oligarquia dominante, existia uma imprensa de oposição, onde se destacava a juventude militar, e esta diversidade da imprensa teve importante papel no desenrolar dos acontecimentos até a Revolução de 1930. Nos anos seguintes continuou a florescer uma imprensa plural. Entretanto, após a instalação da ditadura em 1937, o governo Vargas submeteu toda a imprensa à censura do Departamento de Imprensa e Propaganda, além de financiar uma imprensa situacionista.
A imprensa foi retomando sua liberdade quando se anunciava a virada nas tendências da Segunda Guerra, a partir de 1941, quando os EUA entraram no conflito, e particularmente desde 1942, quando o Brasil abandonou a neutralidade em favor dos Aliados. Com o fim da guerra, tudo indicaria que as condições políticas favoreceriam o desabrochar da imprensa.
Entretanto, como observou o falecido historiador Nelson Werneck Sodré, ocorreu um forte processo de centralização da imprensa nas décadas de 1930 a 1950. Muitos títulos foram encerrados, e poucos vieram substituí-los. Como novidade maior, foram sendo criadas corporações englobando vários jornais e revistas, rádios e, depois dos anos 1950, televisões. A primeira destas corporações foi o Diários Associados, de Assis Chateaubriant, que incluía a antiga TV Tupy. Alertava o historiador: “A época é das grandes corporações que manipulam a opinião, conduzem as preferências, mobilizam os sentimentos. Campanhas gigantescas, preparadas meticulosamente, arrasam reputações, impõem notoriedades, derrubam governos”. Este artigo resume um pouco desta história.
Com o fim da guerra, em que os ideais democráticos derrotaram o fascismo, articulavam-se os caminhos para a redemocratização do Brasil. Uma das propostas era a convocação de uma assembleia constituinte com Getúlio, sob a vigência da constituição democrática de 1934. A proposta foi apoiada até pelos comunistas, muitos deles presos por Getúlio. Mas os conservadores, e com eles sua imprensa, não aceitaram tal tese, exigindo a queda de Getúlio.
Os ministros militares, que haviam servido à ditadura, depuseram Getúlio em outubro de 1945. Encaminharam uma eleição presidencial e uma constituinte excluindo o ex-ditador, mas sob a égide da constituição anti-democrática de 1937.
Sagra-se vencedor o general Dutra. Seu governo foi muito apoiado na imprensa conservadora por sua política econômica de arrocho salarial, por sua aproximação com os EUA, e pela repressão ao Partido Comunista, que foi cassado em 1947, e teve proibida a sua imprensa.
Já no governo Dutra se colocava a questão da exploração do petróleo. A propaganda das empresas de petróleo estrangeiras, ecoada pela grande imprensa, foi primeiro a de que o Brasil não tinha petróleo, o que foi desmentido pela exploração em Lobato, depois, o de que o Brasil não tinha capitais. Relata o historiador Nelson Werneck Sodré: “enquanto a polícia do governo Dutra espancava os que defendiam a tese da exploração estatal dos nossos recursos petrolíferos, a imprensa se unia para sustentar as teses antinacionais de entrega destes recursos à exploração estrangeira”.
Em 1950, Getúlio lançou-se candidato e venceu. A imprensa não o poupou jamais por sua política trabalhista, que duplicou o salário mínimo, e por seu nacionalismo, com a criação da Petrobrás. A imprensa foi pródiga em denúncias de corrupção. Em agosto de 1954 ocorreu o atentado da rua Torneleiros, que matou o major Vaz, da Aeronáutica, e teria ferido Carlos Lacerda na perna. As investigações da Aeronáutica levaram a Gregório Fortunato, que assumiu a tentativa de assassinato de Lacerda, isentando Getúlio, posição que manteve mesmo depois da morte de seu chefe. De fato, Getúlio não tinha por que criar um mártir da oposição às vésperas das eleições, e Gregório também fora alvo de críticas por Lacerda. Mas a grita da grande imprensa foi suficiente para convencer, de novo, os comandantes militares das três armas a exigirem a renúncia do presidente. Getúlio preferiu o suicídio físico ao suicídio moral e político.
O seguinte presidente eleito foi Juscelino Kubitschek, herdeiro político de Getúlio, eleito apesar de forte oposição da imprensa e de parte dos militares. Sua posse foi assegurada pela intervenção decisiva do general Henrique Teixeira Lott, que abortou um golpe. Por ter assegurado a normalidade constitucional, o general Lott foi tão criticado na imprensa que “moveu cerca de sessenta processos por crime de injúria e calúnia contra jornais controlados pelas agências estrangeiras de publicidade, todos sem resultado.”
Um dos poucos jornais criados nesta fase foi o Última Hora, por Samuel Weiner, que apoiava o governo de Getúlio Vargas, e que atingiu o porte dos maiores jornais da época. A grande imprensa gostou tanto da concorrência que desencadeou uma campanha pela cassação do jornal, que levou a uma CPI, argumentando que Samuel Weiner não era brasileiro nato, e questionando o empréstimo do Banco do Brasil que permitira a fundação do jornal, apesar de outros órgãos de imprensa também terem tido empréstimos do mesmo vulto.
O desenvolvimentismo otimista de Juscelino, particularmente com a construção de Brasília, foi sistematicamente criticado na grande imprensa: ali só se enxergava corrupção e ineficiência, não se via maior significado no Brasil voltar-se para seu próprio interior.
Na eleição seguinte, a grande imprensa deu destaque a Jânio Quadros, uma figura politicamente ambígua, que em poucos anos tornou-se prefeito de São Paulo, governador de São Paulo e presidente da República. Jânio tinha como símbolo a vassoura, com a qual iria varrer a corrupção deste país. A imprensa conservadora teria preferido outro candidato, mas Jânio servia como plano B contra a candidatura nacionalista do general Lott.
Jânio venceu, para renunciar em sete meses, inesperadamente, sem explicar porque. (Hipótese possível: repetir o que fizera Nasser, no Egito, que renunciara em frente a uma crise política para voltar, com maior poder, nos ombros do povo. Mas ninguém fez questão de manter Jânio.)
Sua renúncia quase levou o país à guerra civil, pela oposição dos chefes militares ao vice, João Goulart. O governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, resistiu ao golpe. A solução política foi uma instável e curta experiência parlamentarista. Após o plebiscito que restaurou o presidencialismo em 1963, a grande imprensa passou a atacar com redobrada intensidade o governo de João Goulart, advogando cada vez mais abertamente a intervenção dos militares, e vindo a apoiar quase unanimemente o golpe de 1964. A exceção foi o Última Hora, que nos dias do golpe foi depredado, depois descaracterizado e perdeu expressão.
O historiador Werneck Sodré registra desta época um importante processo de infiltração de capitais norte-americanos na imprensa brasileira, o que era proibido por lei. Pelo acordo entre a Globo e o consórcio americano Time-Life, a Globo recebeu em 1965 a quantia de 2,84 milhões de dólares, financiamento que lhe permitiu tornar-se o maior conglomerado de comunicação brasileiro, destronando a TV Tupi e os Diários Associados de Châteaubriant. Não foi o único caso. “Em São Paulo, antigo criador de aves e ovos, Otávio Frias de Oliveira, tornava-se, por singular passe de mágica, proprietário da empresa jornalística Folha de São Paulo, que mantinha três diários dos mais importantes da capital paulista.”
Foi denunciada influência do grupo Time-Life também na Editora Abril e na antiga TV Paulista, além da Globo. O grupo Rockfeller teria influência na Folha, Última Hora, Notícias Populares e TV Excelsior, e grupos mórmons seriam influentes na Rádio Piratininga e na Rádio e TV Bandeirantes.
A grande imprensa apoiou o primeiro governo militar, de Castelo Branco, pela política econômica de arrocho salarial e liberalização da economia, pela aproximação aos EUA, etc. Apoiou também o segundo, de Costa e Silva, um pouco mais envergonhadamente. O povo não vinha gostando do que via, e em 1967 e 1968 avolumavam-se as mobilizações contra o governo.
Na virada para 1969 houve o fechamento total do regime, começando com a Junta Militar que substituiu Costa e Silva adoentado, e seguindo com o general Emílio Médici. A imprensa sofreu censura militar, e a chamada auto-censura, quando o editor suprimia previamente aquilo que avaliava seria censurado. Mas a imprensa, com destaque a Rede Globo, também proporcionou voluntariamente uma farta propaganda publicitária do governo e seu ideal de Brasil-Potência.
Em seguida, veio Ernesto Geisel, que iniciou o processo de distensão política “lenta, gradual e segura”. Teve algumas críticas da imprensa, apesar da censura. O Estadão criticou o governo em editoriais quando o Brasil reinaugurou a política externa independente, afastando-se do alinhamento automático aos EUA, por exemplo no rápido reconhecimento de Angola independente, e quando o Brasil denunciou o acordo militar com os norte americanos. Mas em geral apoiava o governo. Já a Folha de São Paulo, que chegara a emprestar suas peruas para os órgãos de repressão, passou a aparecer como oposição. Comercialmente deu-se bem, tendo sua vendagem aumentada, superando o Estadão.
O último presidente do ciclo militar foi João Figueiredo, que pegou o país já em crise, com inflação beirando os 100% anuais, e foi levado “socorrer-se” junto ao FMI. Implantou uma política de “austeridade” (corte de gastos públicos) e de juros altos para combater, teoricamente, a inflação.
Explodiu a recessão e o desemprego. Entretanto, ao final do governo a inflação estava beirando os 1000% anuais. A imprensa apoiou as medidas do FMI, mas não tinha maior compromisso com um governo desgastado. Era hora de todos aparecerem como democratas convictos. Exceto a Globo, que se manteve fiel ao regime, e sequer noticiava as mobilizações que se sucediam em várias capitais, com cem mil, duzentas mil pessoas, exigindo eleições diretas. Só quando as mobilizações atingiram quinhentas mil pessoas a Globo parou de tentar esconder o que todo mundo já estava vendo.
Mas, independente do tom oposicionista ou simpático ao governo, toda a grande imprensa já vinha advogando com regularidade a desestatização como remédio para todos os males da economia. Todos os erros da ditadura foram atribuídos a seu estatismo, que traíra o ideário liberal dos verdadeiros revolucionários de 1964.
Derrotada no Congresso a eleição direta, as oposições e os dissidentes do partido do governo vencem no Congresso com a chapa Tancredo Neves - José Sarney, pelo PMDB. Tancredo adoece às vésperas da posse, e falece pouco depois, sendo substituído pelo governista dissidente José Sarney, que de início manteve o ministério de Tancredo. Em 1986 o país vive o plano Cruzado, com mudança de moeda e congelamento de preços. O plano rendeu popularidade suficiente ao governo para o PMDB eleger quase todos os governadores em 1986. Depois das eleições, o plano foi descaracterizado. Foi o primeiro grande “estelionato eleitoral” sofrido pelo povo. O Estadão desde o início recriminou o congelamento de preços. Mas boa parte da imprensa aderiu ao entusiasmo inicial. Com o fracasso do plano, todos fecharam-se num só diagnóstico: intervenção estatal não funciona, privatização já!
Entre 1986 e 1988 o país viveu nova constituinte, fortemente avançada em seu início, sob o impulso de demandas populares, mas que retroagiu com a articulação do “Centrão” conservador no Congresso e Sarney, com apoio da grande imprensa.
Nas primeiras eleições populares para presidente, em 1990, concorreram, entre outros, lideranças populares históricas, como Ulysses Guimarães e Leonel Brizola, uma liderança nova, Lula, e uma liderança construída artificialmente, Collor. De família tradicional alagoana, dono da filial da Globo em seu estado, foi endeusado pela Globo como “caçador de marajás” quando fora governador de Alagoas. O povo acreditou. Seu governo começou com confisco da poupança, e continuou com recessão e desemprego em massa. Collor começou o processo de privatização das estatais mas, sem força política, avançou pouco. Descontentando ao povo e a seus próprios criadores, levou impeachment.
Itamar Franco, o vice, assumiu, procurou construir um ministério de união nacional em momento de crise, e aplicou o Plano Real de estabilização da economia. Mas a grande imprensa fez o que pôde para ridicularizar o topetudo, e elegeu Fernando Henrique Cardoso como autor do Real. O povo acreditou.
O governo Fernando Henrique Cardoso foi a festa das privatizações. Quase todo o sistema elétrico foi privatizado aceitando em pagamento títulos da dívida pública desvalorizados no mercado pelo preço de face. A Vale do Rio Doce, detentora de todo subsolo brasileiro e de toda infraestrutura para explorá-lo, foi vendida por pouco mais de 3 bilhões de reais, que era seu faturamento trimestral. O gigantesco sistema telefônico brasileiro foi esquartejado e a vendido por 20 bilhões, equivalente aos gastos do governo nos três anos anteriores para “preparar a empresa para a privatização”. A festa das privatizações fez de Fernando Henrique Cardoso o herói da grande imprensa.
Além das privatizações, que em si mesma foram a maior dilapidação de riqueza pública na nossa história, houve várias outras denúncias graves durante o governo de FHC. Mas o presidente era elogiado pelas privatizações, e poupado pelas demais corrupções.
Um deputado confessou ter recebido duzentos mil reais para votar pela direito à reeleição, como propunha o governo, e também denunciou outros deputados pelo mesmo crime. Os deputados mencionados renunciaram, e ficou só por aí. Ninguém foi atrás da fonte de recursos, ninguém investigou a quem interessava o crime. Assim como a Pasta Rosa, ocaso SIVAN, e tantos outros.
Durante o processo de privatização da telefonia, a rádio CBN divulgou uma gravação com a nítida voz do próprio presidente interferindo a favor de um dos grupos em disputa. Isto era muito mais grave que qualquer coisa que Collor fizera. Mas apenas a revista Carta Capital transcreveu a fita, a grande imprensa não tocou no assunto.
A eleição seguinte elegeu Lula, apesar da grande imprensa difundir um mal explicado “medo de um governo Lula”. A eleição subsequente elegeu Lula de novo, a seguinte elegeu Dilma, apoiada por Lula, e agora, quando a imprensa pensava que teria sua a vitória, o povo elegeu Dilma de novo.
De verdade, quase venceu o candidato Aécio Neves. Ele esteve á frente das pesquisas no início do segundo turno, só perdendo a vantagem para Dilma quando ocorreram os debates diretos entre os dois.
Só nestes debates grande parte dos eleitores foi informada de que o ex-governador de Minas Gerais construiu, com recursos do seu estado, um aeroporto nas terras de seu tio-avô, a quem entregou as chaves, e outro aeroporto em condições igualmente suspeitas. E também se soube que o então governador nomeou vários primos e primas para cargos bem remunerados. Muita gente só então soube de tais fatos, informado pela presidenta e candidata.
Enfim, o Brasil quase elegeu um candidato pessoalmente envolvido em corrupção, acreditando que seu discurso moralista fosse sincero, porque a imprensa blindou o candidato contra críticas, enquanto acusava de corrupta uma presidenta que não tem uma única acusação contra sua pessoa. Além disso, é uma presidenta que sempre tem mandado investigar e encaminhado à justiça todos os casos de corrupção de seus subordinados.
Desta vez, porém, os derrotados não aceitam a derrota. Por conta da mesma corrupção na Petrobrás, da qual o povo já tinha sido informado antes das eleições, inventam a tese do impeachment. E também mostram a intenção de aproveitar a crise para privatizar a Petrobrás ou, pelo menos, para reverter o atual regime de parceria para o pré-sal em favor do regime de concessão, mais favorável para as multinacionais interessadas.
A grande imprensa anunciou e promoveu no último dia 15 de março manifestações em todo país, culminando com uma gigantesca em São Paulo, que bem mostra o seu poder de convencimento. Depois do chamamento intensivo da televisão para o evento, este ficará para a história como a “manifestação dos teleguiados”.
Lembrando a oposição raivosa da imprensa aos governos de Getúlio, de Juscelino, de Jango Goulart, de Lula, e agora de Dilma, e, por outro lado, a propaganda da imprensa a favor de Dutra, de Jânio, dos militares, de Collor e FHC, vê-se que a história do Brasil republicano tem uma moral: toda vez que o povo caiu na lábia da grande imprensa, o Brasil andou para trás, e povo se deu mal.
Referências
- Sodré, N. W. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 1999
- Bertolino, O. Pedro Pomar Idéias e batalhas. São Paulo: Anita Garibaldi: Fundação Maurício Grabois, 2013
- Wiener, S. Minha razão de viver – memórias de um repórter. Rio de Janeiro: Record, 2005.
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