Foto: Roberto Stuckert Filho/PR |
A correlação de forças não é favorável ao governo neste momento.
Um empresariado que, pela primeira vez, se opôs frontalmente a uma candidatura ainda assim triunfante, basicamente com o voto popular. Um Congresso bastante mais conservador que o anterior. Uma situação econômica ruim – entre estagnação e recessão. Uma mídia monopolista que continua a atuar como partido da oposição.
Todos esses fatores não caíram do céu. Foram resultado da forma assumida pela crise do capitalismo internacional, que assume uma luta política que a esquerda tem tido muita dificuldade para encarar.
A arquitetura política montada por Lula se desfez. Não há mais acordo com pelo menos um setor do empresariado, para que invista de forma convergente com o modelo hegemônico no país de crescimento com distribuição de renda.
A aliança com o PMDB, que propiciava maioria ao governo, capaz então de implementar o essencial do seu programa – política externa soberana, resgate do papel ativo do Estado, prioridade das politicas sociais – se desfez.
A contradição central que enfrenta o pais se dá entre um modelo de desenvolvimento econômico com distribuição de renda, aprovado majoritariamente pelo país em quatro eleições presidenciais consecutivas, e a falta de disposição do grande empresariado em investir em setores produtivos que atendam às demandas da massa da população. Como estamos numa sociedade capitalista, predomina a propriedade privada dos meios de produção. Os capitalistas dispõem, conforme seus interesses econômicos e políticos, onde investir seus capitais.
Já no primeiro mandato de Dilma isso começou a acontecer, fazendo com que a economia se estancasse, crescesse apenas ao nível da expansão demográfica. Ainda assim o governo seguiu expandindo políticas sociais, o que teve, como uma de suas consequências, desarranjos nas contas públicas, que trata de reordenar agora.
Mas a arquitetura montada por Lula, que permitiu ao PT, mesmo sem ser majoritário, impor políticas antineoliberais, se desarmou. Juntam-se assim, contra o governo, o já conhecido – e até agora não afetado praticamente em nada – monopólio privado da mídia, que joga de forma brutal e coesa contra o governo, como meios de comunicação do bloco opositor, como instância orgânica das forças políticas de oposição ao governo.
Soma-se a isso um boicote do grande empresariado, que se nega a investir de forma produtiva, fortalecendo seu viés especulativo, valendo-se dos sucessivos – quatro vezes seguidas – aumentos das taxas de juros. Somam-se abertamente agora ao bloco político da oposição, superando uma brecha, existente anteriormente, entre a oposição cerrada da mídia e dos partidos da direita, e os interesses econômicos do grande empresariado, que mantinha seu nível de investimentos na economia.
O outro componente do bloco opositor ampliado é a nova configuração interna do PMDB, com seus reflexos na nova configuração interna do Congresso. Mesmo antes da revelação dos nomes da Lava Jato, o Congresso já havia revelado seu novo perfil opositor, impondo várias derrotas ao governo e prometendo outras.
Essa revelação pode ter desarticulado a cabeça desse esquema, mesmo se de imediato se reflete numa exacerbação do radicalismo opositor, como reação ao envolvimento dos presidentes das duas Casas que, sem argumentos, colocam a culpa no governo.
Esse ampliado bloco opositor goza da iniciativa total no plano político e ideológico. Através da mídia monopolista, da ação no Congresso, da postura da maioria do grande empresariado, centram seus ataques em três direções: nos impasses econômicos, nas denuncias de corrupção e nas tentativas de deslegitimição do segundo mandato da Dilma, com mobilizações contra o governo e o apelo ao tema do impeachment.
O governo se limita a – quando o faz – a se defender. Alguns desmentidos, algumas declarações de ministros, mas nada que sequer coloque em questão a pauta da oposição. O governo aceita a agenda do ajuste fiscal, o coloca em pratica e, pior, a única grande iniciativa política do governo é tentar aprovar o pacote – de discutível validade e eficiência – da previdência. Mudar o tema e atacar suas raízes mais profundas, com um conteúdo claramente popular, seria dirigir suas baterias na outra direção – imposto às grandes fortunas, combate drástico à sonegação. Sobre a primeira dessas iniciativas, o governo manifesta disposição de tomar iniciativas, mas até agora nenhuma delas se concretizou.
Sobre as denúncias de corrupção, o governo praticamente assiste o seu desenrolar, sobre o conteúdo e sobre as formas que assume, torcendo por resultados menos negativos e para que setores da oposição sejam mais atingidos. O mesmo acontece com as manifestações e temas opositores que tentam deslegitimar o mandato da Dilma. O próprio silencio do governo, numa conjuntura extremamente densa e desfavorável, parece revelar incapacidade do governo para retomar a iniciativa, com novos temas e novas propostas.
A conjuntura se apresenta de forma labiríntica para o governo. Como se sabe, de um labirinto não se sai percorrendo os mesmos caminhos, que levam ao mesmo lugar, mas se sai de um labirinto por cima, desfazendo suas armadilhas. Neste caso concreto, retomando a iniciativa e mudando a agenda nacional: imposto às grandes fortunas, combate à sonegação, democratização dos meios de comunicação, fim do financiamento privado das campanhas eleitorais, entre outros temas.
Para isso o governo teria, antes de tudo, de definir seus objetivos, que não estão nada claros. A prioridade parece retirada da pauta opositora: o ajuste fiscal, em condições que a própria presidente expressou tantas vezes, anteriormente, que ajustes, cortes, austeridade, não levam à retomada do crescimento. Mas agora parece render-se a esse caminho tortuoso, desgastante e ineficaz.
Os cortes se fazem sentir em praticamente todos os setores – inclusive na educação -, a taxa de juros continua a subir, apesar da cotação recorde do dólar, a balança comercial segue aumentando seu déficit. É impossível entender a lógica dessa errática política econômica, que fortalece a pauta opositora do pessimismo reinante e da projeção de recessão, maior nível de desemprego, entre outros. Enquanto isso, o governo parece se resignar a dois anos de estagnação - isto é, a metade do segundo mandato de Dilma,.
Não parece haver condução tática nem estratégica da parte do governo, apesar de contar com excelentes quadros políticos. Assim, tudo indica que o governo seguirá respondendo às iniciativas da oposição, conforme as agendas da oposição. O governo não tem iniciativas próprias, não disputa agendas com a oposição, aceita um papel subordinado no cenário político.
O governo encontra dificuldades para retomar a iniciativa, com agenda própria, única forma de disputar a condução politica à oposição no plano nacional e deixar claro para os setores que o apoiam quais as tarefas fundamentais do segundo mandato – começando por detalhar e concretizar a Pátria Educadora.
Mas o pior é que, diante dessa situação, o governo não demonstra nenhum poder de iniciativa, que é a chave para alterar a correlação de forças a seu favor. A iniciativa permite disputar a agenda nacional, promover a unidade das suas forças, conquistar novas forças, neutralizar setores vacilantes e isolar os adversários. E, principalmente, dar a pauta central do pais.
O governo só reage às iniciativas da oposição e, quando o faz, revela ausência de condução – tática e estratégica – no campo político.
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