quinta-feira, 2 de abril de 2015

O escândalo da indústria da sonegação

Por Ricardo Kotscho, no blog Balaio do Kotscho:

"Vou lhe contar um pequeno segredo: aqui no Brasil empresas não gostam muito de pagar impostos".

Segredo para quem, cara pálida? O autor desta frase é exatamente quem deveria cuidar para que todos paguem seus impostos, o ministro da Fazenda Joaquim Levy. Em palestra que fez na semana passada, em São Paulo, a ex-alunos da Universidade de Chicago, onde também estudou, ele falou de passagem numa antiga prática, a sonegação fiscal, exercida desde sempre por amplos setores do alto empresariado nacional. Preferem pagar bons advogados e lobistas para pagar menos ou não pagar nada do que devem à Receita Federal.

Como de hábito, Levy depois tentou consertar o que disse, substituindo na transcrição oficial do inglês para o português a palavra "empresas" por "pessoas". Claro que ninguém gosta de pagar impostos, nem aqui, nem em Chicago, nem na China, mas o ministro deu azar de tocar neste assunto proibido justamente no momento em que a Polícia Federal deflagrava a Operação Zelotes, que está investigando 74 empresas suspeitas de causar um rombo de até R$ 19 bilhões aos já combalidos cofres públicos que Levy tenta salvar com seu ajuste fiscal.

Este é, de longe, o maior escândalo de corrupção da nossa história, quiçá do mundo, muito maior do que todos os mensalões e petrolões juntos, que há anos fazem a alegria da mídia udenista nativa, como mostram os números, que agora não tem mais jeito de esconder das manchetes e das capas de revista:

* Até o momento, do total do montante investigado, a Polícia Federal já identificou e comprovou prejuízos ao erário de R$ 6 bilhões causados pelo esquema, que envolve grandes grupos econômicos do porte dos bancos Bradesco, Santander, Boston Negócios, Safra e UBS Pactual, e empresas como Ford, Gerdau, RBS, TIM, BRF, Petrobras, Light, Mitsubishi, Brascan e Marcopolo. Não tem cachorro pequeno nesta história e, até agora, não apareceram nomes de políticos (apenas uma sigla, a do PP, sempre ele, está na lista dos sonegadores investigados).

* Só este valor já corresponde a três vezes mais do que o total desviado no esquema de corrupção na Petrobras descoberto pela Operação Lava Jato e divulgado pelo Ministério Público Federal em janeiro: R$ 2,1 bilhões.

Para se ter uma ideia do que representa esta verdadeira indústria da sonegação, os R$ 19 bilhões e 77 milhões que deixaram de ser recolhidos à Receita Federal, só nos processos investigados até agora, estão próximos dos R$ 18 bilhões que o ministro Joaquim Levy pretende cortar este ano em benefícios trabalhistas e previdenciários, as principais metas do pacote fiscal que está paralisando o país. Ou seja, se o Ministério da Fazenda e a Receita Federal cobrassem dos grandes sonegadores o que devem, o governo nem precisaria fazer ajuste nenhum.

Só agora, com a Operação Zelotes, nós, simples contribuintes, ficamos sabendo da existência de um tal de CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), a sigla que esconde o grande ninho da corrupção numa bilionária parceria público-privada, espécie de segunda instância a que as empresas podem recorrer quando se sentem "prejudicadas" pela fiscalização.

A curiosidade deste tribunal tributário especial é que ele é constituído de forma paritária por servidores do Ministério da Fazenda e representantes das confederações e sindicatos patronais, ou seja, das pessoas jurídicas autuadas pelo Fisco.

A cada dia, aos poucos, novos escândalos vão aparecendo e mostrando como o CARF se tornou um ótimo negócio para as empresas devedoras da Receita Federal. Vamos só pegar alguns exemplos:

* Para não pagar uma dívida relativa a suposta sonegação de impostos da ordem de R$ 793 milhões, o Banco Safra está sendo investigado pelo pagamento de uma propina de R$ 28 milhões negociada com conselheiros do CARF, entre eles um procurador da Fazenda Nacional, Jorge Victor Rodrigues, segundo denúncia do jornal O Globo, com base em gravações de conversas interceptadas pela Polícia Federal, com autorização judicial.

* As investigações da PF no processo da montadora Ford levaram a um ex-presidente do CARF, Edison Pereira Rodrigues, que oferece seus "serviços" em troca de módicos 2% a 3% do valor devido, com garantia de "95% de chances" de reduzir ou anular as multas da Receita Federal. "Caso contrário, perderão com certeza. A bola está com vocês", escreveu Rodrigues em e-mail encaminhado à empresa e apreendido pelos agentes federais, no qual informa já ter trabalhado também para a Mitsubishi, "com sucesso", segundo reportagem da Folha desta quinta-feira.

* A Marcopolo, fabricante de carrocerias de ônibus, é suspeita de pagar R$ 1 milhão de propina para não pagar multa no valor de R$ 200 milhões, segundo denúncia do Estadão, o primeiro jornal a levantar o assunto, que já relacionou vários outros gigantes citados nas investigações (ver acima), como bancos, montadoras, empresas do setor alimentício, de construção e de telecomunicações. Parece que quase nenhum setor escapa. Todas as empresas, é claro, negam irregularidades e garantem só atuar dentro da lei. Segundo o jornal, dez conselheiros e ex-conselheiros do CARF estão sendo investigados por envolvimento no esquema.

É muito bom que os três principais jornalões brasileiros agora disputem esta gincana para jogar mais luz no escândalo das propinas da sonegação, abrindo ao caso o mesmo espaço e dando-lhe o mesmo tratamento concedido aos casos anteriores que abalaram o país. Antes tarde do que nunca. E o governo o que faz? A julgar pelas declarações de Levy e do secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, parece que ainda não está muito preocupado com isso.

Levy: "Não é uma coisa que se deva fazer com espalhafato, mas todas as ações serão e estão sendo tomadas". Quais? "O fortalecimento do Carf é um dos temas que elegi para a minha administração. É muito importante porque diminui a necessidade de se aumentar impostos". Fortalecimento? Como assim? Não seria melhor fechar de uma vez esta arapuca que só tem servido para sangrar os cofres públicos e encaminhar os reclamantes à Justiça comum, como qualquer um de nós?

Rachid: "Há 74 processos administrativos que estão sob suspeita pelas informações de que nós já dispomos (...) Mas não necessariamente os R$ 19 bilhões serão revertidos a favor da Fazenda Nacional". Por que não? O governo não está desesperadamente precisando de dinheiro para acertar as contas públicas? Não é justo aumentar a arrecadação, cobrando de quem pode e deve mais, em vez de cortar benefícios sociais de quem pode menos?

A crise não é só econômica, meus amigos. É política. O governo Dilma-2 precisa decidir de que lado fica.

E vamos que vamos.

4 comentários:

  1. Isso tudo se resolve com mais um REFIS e alguns Happy Hour. Afinal, trata-se dos mais iguais.

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  2. Quem não faz “negociata” leva a pior, diz conselheiro do “tribunal” da Receita

    REDAÇÃO

    Por Fausto Macedo

    02 Abril 2015 | 15:07

    https://soundcloud.com/n-cleo-multim-dia-estad-o/ouca-audio-de-um-dos-integrantes-do-carf

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  3. ECONOMIST: ZELOTES PODE SER MAIOR QUE LAVA JATO

    A operação que investiga um suposto esquema de fraudes fiscais de R$ 19 bilhões na Receita Federal pode "apequenar" o escândalo de corrupção na Petrobras investigado pela operação Lava Jato, afirma uma matéria publicada na última edição da revista britânica The Economist; segundo a publicação, crimes de evasão fiscal no Brasil já são "um esporte nacional", fazendo menção à Operação Zelotes, deflagrada na semana passada para desarticular organizações criminosas que manipulavam julgamentos a fim de obter vantagens financeiras e evitar multas; a 'Economist' destacou que o valor desviado no esquema seria suficiente para cobrir 75% de toda a conta com a Copa do Mundo de 2014

    2 DE ABRIL DE 2015 ÀS 21:05

    (...)

    FONTE: http://www.brasil247.com/pt/247/midiatech/175687/Economist-Zelotes-pode-ser-maior-que-Lava-Jato.htm

    FONTE ORIGINAL: http://www.economist.com/news/finance-and-economics/21647664-scandal-tax-agency-may-dwarf-one-surrounding-petrobras-taxmen

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  4. Não esquecer que o "cara pálida" foi um dos principais executivos de um banco atolado até o pescoço na roubalheira.

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