Por Lais Fontenelle, no site Outras Palavras:
Todo ano é a mesma coisa. Mal sai de cena o bom velhinho – incitando as crianças a desejar, e as famílias a comprar – e já entram o coelho e seus ovos. Entre as duas datas temos ainda o carnaval, que enche as vitrines mas também as ruas de cultura popular e alegria. Esse ano, contudo, algo surpreendente aconteceu. Ovos de chocolate decoravam prateleiras de supermercado ao redor do país já nas quentes férias de janeiro, antecipando a Páscoa. E por que isso aconteceu? Não é uma data fixa, 40 dias depois do carnaval? Seria porque as vendas de fim de ano não renderam bons lucros? Seriam as férias escolares o motivo? A resposta é difícil para nós, mas o mercado sabe, com certeza, o exato porquê.
Há tempos a Páscoa deixou de ter caráter religioso para tornar-se uma época de lucro, principalmente com o público infantil, da mesma forma que o Natal e o Dia das Crianças. E os ovos de Páscoa estão a cada ano mais caros, porque vêm acompanhados de brinquedos atrativos aos olhos da criançada, que geralmente desconhece o sentido da data. Com importante significado para as religiões católica e judaica, a Páscoa remete a renovação e transformação – sentidos bem distantes do imposto pela mercantilização: consumo excessivo de gordura, açúcar e brindes.
Os túneis de ovos de chocolate nos supermercados costumavam ser o anúncio da chegada da Páscoa. Hoje, contudo, além dos brinquedos que vêm com o ovo, há novas estratégias publicitárias para atrair os olhos dos pequenos. Comerciais na TV mostram brinquedos em embalagens de acrílico em formato de ovo, para que a criança peça um brinquedo ao invés de um simples chocolate. Sem contar os seus personagens favoritos nas embalagens – estratégia que segue exatamente o que indica pesquisa da Interscience, que revela ser a publicidade na TV, seguida por embalagens e personagens famosos, os principais fatores de consumo entre as crianças.
Como se o estrago causado por tudo isso não bastasse, os conhecidos corredores de ovos ganharam este ano um novo ingrediente: setorizados por cores, dividem em azul e rosa os desejos de meninos e meninas, na contramão de tudo o que tem sido discutido contra a diferenciação de gêneros desde tenra idade. Mais parecendo corredores de lojas de brinquedos, exibem um amontoado de brindes que recheiam os ovos – de bonecos licenciados a mini-rádios e gloss labial.
Todo ano é a mesma coisa. Mal sai de cena o bom velhinho – incitando as crianças a desejar, e as famílias a comprar – e já entram o coelho e seus ovos. Entre as duas datas temos ainda o carnaval, que enche as vitrines mas também as ruas de cultura popular e alegria. Esse ano, contudo, algo surpreendente aconteceu. Ovos de chocolate decoravam prateleiras de supermercado ao redor do país já nas quentes férias de janeiro, antecipando a Páscoa. E por que isso aconteceu? Não é uma data fixa, 40 dias depois do carnaval? Seria porque as vendas de fim de ano não renderam bons lucros? Seriam as férias escolares o motivo? A resposta é difícil para nós, mas o mercado sabe, com certeza, o exato porquê.
Há tempos a Páscoa deixou de ter caráter religioso para tornar-se uma época de lucro, principalmente com o público infantil, da mesma forma que o Natal e o Dia das Crianças. E os ovos de Páscoa estão a cada ano mais caros, porque vêm acompanhados de brinquedos atrativos aos olhos da criançada, que geralmente desconhece o sentido da data. Com importante significado para as religiões católica e judaica, a Páscoa remete a renovação e transformação – sentidos bem distantes do imposto pela mercantilização: consumo excessivo de gordura, açúcar e brindes.
Os túneis de ovos de chocolate nos supermercados costumavam ser o anúncio da chegada da Páscoa. Hoje, contudo, além dos brinquedos que vêm com o ovo, há novas estratégias publicitárias para atrair os olhos dos pequenos. Comerciais na TV mostram brinquedos em embalagens de acrílico em formato de ovo, para que a criança peça um brinquedo ao invés de um simples chocolate. Sem contar os seus personagens favoritos nas embalagens – estratégia que segue exatamente o que indica pesquisa da Interscience, que revela ser a publicidade na TV, seguida por embalagens e personagens famosos, os principais fatores de consumo entre as crianças.
Como se o estrago causado por tudo isso não bastasse, os conhecidos corredores de ovos ganharam este ano um novo ingrediente: setorizados por cores, dividem em azul e rosa os desejos de meninos e meninas, na contramão de tudo o que tem sido discutido contra a diferenciação de gêneros desde tenra idade. Mais parecendo corredores de lojas de brinquedos, exibem um amontoado de brindes que recheiam os ovos – de bonecos licenciados a mini-rádios e gloss labial.
Os brinquedos são objetos simples como canecas, maletinhas, bonecos pequenos, normalmente de plástico e pouca durabilidade. Mas, que criança que não vai querer ter mais um super-herói ou princesa em casa? Outra questão, apontada por levantamento do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor) de 2010, é que o uso de personagens tende a encarecer o ovo, levando os pais a gastarem mais para agradar os filhos. Isso, num país desigual como o nosso, em que os ovos com brindes são anunciados indiscriminadamente a todas as classes sociais, causa problemas de orçamento. Se compararmos o preço de um chocolate de 150 gramas com o de um ovo, chega a custar cinco, seis, até sete vezes mais. O brinquedo, portanto, não é brinde, mas aquilo que se configura como venda casada.
Vocês podem estar se perguntando sobre qual o problema em presentear as crianças, ocasionalmente, com ovos de chocolate. Vou além dos aspectos éticos e filosóficos. A começar pelo fato de que, embora ovos de páscoa sejam considerados produtos “sazonais”, consumidos em época específica do ano, o incentivo ao seu consumo pelas crianças, para que colecionem brinquedos, é sem dúvida preocupante num país com índices cada vez mais alarmantes de obesidade infantil. Segundo dados da Pesquisa de Orçamento Familiar 2008-2009, conduzida pelo IBGE e lançada em dezembro de 2010, 33,5% da população brasileira entre 5 e 9 anos já está com excesso de peso e 14,3%, obesa. Outro, ainda mais alarmante, revela que, pela primeira vez na história, um número crescente de crianças apresenta problemas de coração, de respiração e diabetes tipo 2, todos relacionados à obesidade. Esses dados bastariam.
Vou além, lembrando que dirigir publicidade a um público menor de doze anos fere a legislação, principalmente depois da promulgação da Resolução 163 do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e Adolescentes) em abril de 2014 – que aliás aniversaria na Páscoa. A resolução jogou luz na legislação vigente, que considera publicidade abusiva nos termos do artigo 37, parágrafo 2º do Código de Defesa do Consumidor (CDC), além de ofender a proteção integral de que são titulares todas as crianças, segundo o artigo 227 da Constituição Federal. Não se pode ainda esquecer que a venda conjugada de produtos, sem dar opção ao consumidor, é também proibida pelo ordenamento jurídico brasileiro, por configurar-se em “venda casada”.
Vale destacar que a publicação da norma, ano passado, foi amplamente divulgada pelos meios de comunicação e alvo de intenso debate entre a sociedade civil e parte dos mercados publicitário e anunciante. E ganhou ainda mais notoriedade quando o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep) escolheu a publicidade infantil como tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), em dezembro, levando mais de 8 milhões de jovens a debruçar-se sobre o tema. Dessa forma, podemos dizer que 2014 foi um ano simbólico e vitorioso para a defesa dos direitos das crianças no Brasil. Contudo, o que temos observado na prática, principalmente nesse período de Páscoa, é a persistência da veiculação, antiética e ilegal, de publicidade voltada a um público indefeso – pela fase peculiar de desenvolvimento na qual se encontra.
Não conseguiremos localizar onde e quando perdemos o sentido da Páscoa e de tantas outras comemorações. Mas certamente a mercantilização desta festa tem contribuído para que outros sentidos se percam, fazendo-se necessária e urgente uma reflexão sobre quais valores estamos passando às crianças. Pensando nisso, vale lembrar que em diferentes lugares do mundo a Páscoa é comemorada de formas distintas e não menos doces. Podemos fazer ovos pintados em casa, comprar de quem produz e inventar brincadeiras como a caça aos ovos para tornar a celebração mais sustentável e sem excessos.
Esperamos que em 2015 a fiscalização da resolução do Conanda se torne efetiva, com a sociedade civil fazendo a sua parte, ao denunciar as práticas abusivas de publicidade dirigida às crianças. Um bom exemplo é a recente campanha de Páscoa do Movimento Infância Livre de Consumismo, pedindo que os consumidores boicotem os produtos estampados nos túneis e façam mais reclamações das empresas no Procon de sua cidade ou em órgãos como o Idec, Ministério Público Federal e Projeto Criança e Consumo do Instituto Alana. Esta Páscoa, quando a Resolução do Conanda completa um ano, é um bom momento para comemorar e praticar, de fato, um novo paradigma na efetivação dos direitos das crianças.
Vocês podem estar se perguntando sobre qual o problema em presentear as crianças, ocasionalmente, com ovos de chocolate. Vou além dos aspectos éticos e filosóficos. A começar pelo fato de que, embora ovos de páscoa sejam considerados produtos “sazonais”, consumidos em época específica do ano, o incentivo ao seu consumo pelas crianças, para que colecionem brinquedos, é sem dúvida preocupante num país com índices cada vez mais alarmantes de obesidade infantil. Segundo dados da Pesquisa de Orçamento Familiar 2008-2009, conduzida pelo IBGE e lançada em dezembro de 2010, 33,5% da população brasileira entre 5 e 9 anos já está com excesso de peso e 14,3%, obesa. Outro, ainda mais alarmante, revela que, pela primeira vez na história, um número crescente de crianças apresenta problemas de coração, de respiração e diabetes tipo 2, todos relacionados à obesidade. Esses dados bastariam.
Vou além, lembrando que dirigir publicidade a um público menor de doze anos fere a legislação, principalmente depois da promulgação da Resolução 163 do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e Adolescentes) em abril de 2014 – que aliás aniversaria na Páscoa. A resolução jogou luz na legislação vigente, que considera publicidade abusiva nos termos do artigo 37, parágrafo 2º do Código de Defesa do Consumidor (CDC), além de ofender a proteção integral de que são titulares todas as crianças, segundo o artigo 227 da Constituição Federal. Não se pode ainda esquecer que a venda conjugada de produtos, sem dar opção ao consumidor, é também proibida pelo ordenamento jurídico brasileiro, por configurar-se em “venda casada”.
Vale destacar que a publicação da norma, ano passado, foi amplamente divulgada pelos meios de comunicação e alvo de intenso debate entre a sociedade civil e parte dos mercados publicitário e anunciante. E ganhou ainda mais notoriedade quando o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep) escolheu a publicidade infantil como tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), em dezembro, levando mais de 8 milhões de jovens a debruçar-se sobre o tema. Dessa forma, podemos dizer que 2014 foi um ano simbólico e vitorioso para a defesa dos direitos das crianças no Brasil. Contudo, o que temos observado na prática, principalmente nesse período de Páscoa, é a persistência da veiculação, antiética e ilegal, de publicidade voltada a um público indefeso – pela fase peculiar de desenvolvimento na qual se encontra.
Não conseguiremos localizar onde e quando perdemos o sentido da Páscoa e de tantas outras comemorações. Mas certamente a mercantilização desta festa tem contribuído para que outros sentidos se percam, fazendo-se necessária e urgente uma reflexão sobre quais valores estamos passando às crianças. Pensando nisso, vale lembrar que em diferentes lugares do mundo a Páscoa é comemorada de formas distintas e não menos doces. Podemos fazer ovos pintados em casa, comprar de quem produz e inventar brincadeiras como a caça aos ovos para tornar a celebração mais sustentável e sem excessos.
Esperamos que em 2015 a fiscalização da resolução do Conanda se torne efetiva, com a sociedade civil fazendo a sua parte, ao denunciar as práticas abusivas de publicidade dirigida às crianças. Um bom exemplo é a recente campanha de Páscoa do Movimento Infância Livre de Consumismo, pedindo que os consumidores boicotem os produtos estampados nos túneis e façam mais reclamações das empresas no Procon de sua cidade ou em órgãos como o Idec, Ministério Público Federal e Projeto Criança e Consumo do Instituto Alana. Esta Páscoa, quando a Resolução do Conanda completa um ano, é um bom momento para comemorar e praticar, de fato, um novo paradigma na efetivação dos direitos das crianças.
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