sábado, 11 de abril de 2015

São Paulo, locomotiva em marcha lenta

Por Cida de Oliveira, na Revista do Brasil:

Não foi à toa que São Paulo passou a ser chamada de locomotiva do progresso. O estado que saiu na frente no processo de industrialização responde hoje por um terço da economia brasileira. Maior produtor industrial, com cerca de 30% do parque fabril em seu território, é dono da maior rede de comércio e serviços e detém a segunda maior produção agropecuária. Sedia ainda grandes universidades, como USP, Unicamp e Unesp, institutos de pesquisa onde é desenvolvida grande parte da pesquisa científica nacional, e o coração do setor financeiro e empresarial brasileiro.

No entanto, sua produção econômica parece enfrentar declínio. Conforme aponta o IBGE, entre 2002 e 2010 o estado perdeu 2,5 pontos percentuais de participação no Produto Interno Bruto (PIB) nacional, e mais 0,5 ponto percentual entre 2010 e 2011. O desempenho industrial é o principal responsável. Em 2011, na chamada indústria total – segmento que inclui transformação, extrativismo mineral, construção civil e serviços industriais de utilidade pública (SIUP), como água e energia elétrica, encolheu 7,9 pontos percentuais em relação a 2002. O comércio paulista também ficou menor: passou de 34% em 2002 para 31,2% em 2012.

A mesma pesquisa mostra que em igual período, outros estados viram sua produção crescer, inclusive a da indústria total, aumentando a participação no bolo da produção nacional. Alguns com avanços apenas na indústria total, melhorando sua presença no conjunto, como é o caso do Rio de Janeiro, Goiás e Mato Grosso do Sul. No comércio, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Pará, Rio Grande do Norte, Piauí e Tocantins.


Mapa do PIB

O recuo paulista e o crescimento da economia nos estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste modificaram o posicionamento das regiões no mapa do PIB brasileiro. Ainda segundo o IBGE, enquanto o Sudeste caiu de 56,7% para 55,2% em 2012, o Nordeste subiu de 13% para 13,6%. O Centro-Oeste foi de 8,8% para 9,8%. A participação foi de 16,9% para 16,2% no Sul e de 4,7% para 5,3% no Norte.

Para especialistas, os números permitem diversas interpretações. Uma delas é que algumas políticas públicas, sobretudo federais, já mostram efeitos, no sentido de estimular o desenvolvimento de regiões excluídas ao longo da história. Tanto é que conforme a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), também do IBGE, entre 2002 e 2008 o consumo das famílias do Norte e Nordeste cresceu mais que a média nacional. Enquanto famílias nortistas aumentaram seu consumo em 11% e as nordestinas em 7,6%, a média nacional ficou em 7,4%. Essa variação ajuda também a explicar o crescimento da atividade comercial nessas regiões.
Desigualdade

Além dos resultados desses primeiros e tímidos passos rumo à redução das desigualdades regionais, os números revelam a desaceleração da locomotiva. O fato preocupa especialistas, atentos tanto às taxas como aos números absolutos a elas relacionados. “A redução nos dados paulistas preocupa porque, mesmo que pequeno, em termos percentuais, um percentual sobre um grande número relativo, que é a riqueza produzida em São Paulo, significa muita coisa na economia nacional”, diz a coordenadora do grupo de pesquisa em Economia, Indústria, Trabalho e Tecnologia na pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, Anita Kon. Segundo ela, um polo econômico, como é o estado, é o que mais sofre os impactos de uma conjuntura desfavorável. “Há perdas de investimentos, na produção e na geração de postos de trabalho, o que compromete a economia regional como um todo e também a nacional, devido à sua importância.”

Para o coordenador de atendimento sindical do Dieese, Airton Santos, vários aspectos marcam essa conjuntura desfavorável. Um deles é o precoce processo de desindustrialização no país. A indústria brasileira, que não chegou a completar seu ciclo, deixando de incorporar tecnologia de ponta suficiente para fabricar produtos sofisticados, de alto valor agregado, começa a encolher, perdendo espaço no PIB nacional para o setor de serviços, que emprega mais mão de obra, porém com salários mais baixos. “Essa indústria atrasada, pouco produtiva e pouco competitiva devido a fatores macro e microeconômicos, é a base da economia paulista”, aponta.

A esse “complicômetro”, como ele costuma dizer, somam-se a chamada guerra fiscal entre os estados, que oferecem incentivos para atrair empresas, empregos e investimentos. Em julho passado, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) levou ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma série de ações em que pede a inconstitucionalidade de leis do Tocantins, Maranhão, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Distrito Federal e até mesmo Minas Gerais – na ocasião governada pelo colega tucano Antonio Anastasia, agora senador.

Alckmin se queixa que leis aprovadas nesses estados ferem princípios constitucionais referentes às ordens política, administrativa, tributária e econômica. E alega potenciais prejuízos para a economia paulista. A lei de Anastasia, a propósito, permite que o governador mineiro conceda benefícios fiscais por meio de decreto, sem precisar do aval da Assembleia Legislativa.

Na China

Há ainda aspectos locais, como o chamado custo São Paulo, baseado principalmente na cobrança de pedágios caros nas rodovias paulistas, que encarece os custos de toda a produção. Há menos de um ano, durante CPI dos Pedágios da Assembleia paulista, o presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas de São Paulo e Região (Setcesp), Manoel Sousa Lima Junior, afirmou que um caminhão de cinco eixos que faz uma viagem de ida e volta de Ribeirão Preto a São Paulo 24 vezes no mês, ao longo de 32 meses terá deixado nas cabines de pedágio R$ 350 mil, o mesmo valor pago pelo caminhão. E reclamou também que, além do pedágio, as concessionárias cobram por serviços extras, muitas vezes não executados, negociando valores adicionais como se fossem duas empresas privadas. Sai bem mais barato comprar da China, chegou a comentar Lima Junior.

Para complicar mais, segundo o técnico do Dieese, faltam alternativas ao transporte rodoviário. As ferrovias paulistas estão sucateadas, a hidrovia paralisada e o porto carece de investimentos. “Ele se exime de atuar quando deveria ter postura mais propositiva, mais atraente, encontrar caminhos para minimizar os impactos macroeconômicos”, diz. “Sem contar a questão hídrica, agravada pela falta de planejamento para lidar com a queda no padrão de chuvas. Com a seca dos reservatórios e crise no abastecimento, muitas indústrias começam a deixar o Estado.”

Pouco comentada, outra crise que se abate sobre o estado é a de energia elétrica. Desde 1997, quando a Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL) e a Companhia Energética de São Paulo (Cesp) foram privatizadas, já no governo tucano, não foram feitos investimentos para a ampliação da produção. De acordo com a Federação dos Urbanitários do Estado de São Paulo, o governo, que já não tinha investido, vendeu tudo e não cobrou das concessionárias o cumprimento dos editais. Localizadas no rio Paraná, entre os estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, as usinas de Jupiá e Ilha Solteira compõem um complexo hidrelétrico construído entre 1965 e 1978, em plena ditadura. Foram privatizadas a partir de 1997 – e não receberam mais investimentos.

Além disso, não investiu em fontes alternativas, como energia eólica, com grande potencial em regiões como Botucatu e São José dos Campos, entre outros, em termelétricas e em tecnologias para extração de energia do bagaço de cana, por exemplo. Com isso, o jeito tem sido comprar energia de outros estados. Segundo o próprio Balanço Energético do Estado de São Paulo 2014, da Secretaria Estadual de Energia, entre 2004 e 2013, a produção paulista de energia subiu de 76.865 GWH (gigawatts) para 80.091 GWH – um aumento de 4,19%. No mesmo período, a importação, também em GWH, passou de 48.208 para 90.885 – 88,52% a mais – para atender a um consumo que partiu de 111.982 para 153.147, correspondente a 36,76% de aumento.

O economista Claudio Dedecca, do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas (Cesit-Unicamp), entende que é cedo para dizer se o estado de São Paulo anda para trás. Mas destaca que os sucessivos governos paulistas que vieram depois da redemocratização no país, em 1985, caracterizam-se pela falta de projeto e de planejamento. “O estado abandonou também a produção de conhecimento. As universidades e os centros de pesquisa padecem de grave crise financeira e de investimentos, que caem a cada ano”, afirma.

Embora evitem em falar em freio, os economistas são unânimes. Se a velocidade da locomotiva continuar diminuindo, o trem da economia brasileira dificilmente vai avançar.

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Águas de março não encerram crise

Por Rodrigo Gomes

A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) sofreu em março teve três derrotas na sua forma de gestão da crise: a Justiça Federal mandou reduzir a retirada de água do Sistema Cantareira, a Justiça do Trabalho suspendeu as demissões de trabalhadores e o Tribunal de Contas do Estado (TCE) mandou refazer o edital de licitação para a transposição das águas do rio Paraíba do Sul, que abastece o estado do Rio de Janeiro, para o Cantareira.

Para a Justiça, ficou demonstrado que a gestão do Sistema Cantareira pela Sabesp vem sendo de alto risco, como alegaram os MPs. A companhia manteve retiradas de água maiores do que as recomendadas por vários meses. Com isso, o volume útil do sistema estava previsto para se esgotar em outubro, mas acabou em julho do ano passado. E a primeira cota do volume morto devia durar até 30 de novembro, mas se esgotou 20 dias antes. Agora, a estatal deve fazer planejamento semanal, considerando o volume de água que entra no sistema para determinar o quanto pode ser retirado e usando sempre as piores estimativas.

Essa decisão converge com preocupações de especialistas e ativistas de meio ambiente. Desde 1º de fevereiro, quando o nível dos reservatórios do Sistema Cantareira atingiu 5%, contando duas cotas do volume morto, boas notícias têm sido recebidas pela população da região metropolitana. As chuvas foram mais intensas em fevereiro e março, superando a média histórica. A quantidade de água represada aumentou para 17,1%. o que levou o governador Geraldo ­Alckmin (PSDB) a declarar, ainda em 20 de fevereiro, que não havia mais “nenhuma previsão de rodízio” de água.

Porém, prestes a iniciar o período seco, a situação do conjunto de reservatórios de água que abastecem a região ainda é pior do que a de 2014. Metade deles tem menos água do que tinham há um ano. Apesar da aparente melhora, o Cantareira não recuperou nem metade do primeiro volume morto.

“Medidas de contenção de gasto de água devem ser não só mantidas, como intensificadas. No mínimo, este ano será tão estressante como foi o ano passado”, alertou Marussia Whately, coordenadora da Aliança pela Água, rede de ONGs e movimentos sociais que propõe ações para enfrentar a situação.

Por outro lado, a principal medida apresentada por Alckmin para enfrentar a seca – a transposição do Paraíba do Sul – também enfrenta problemas. O TCE mandou a Sabesp refazer o edital de licitação. Em decisão de 18 de março, o plenário do tribunal considerou que o documento contém restrições excessivas para a participação das empresas, o que poderia impedir a ampla concorrência.

Para completar, no dia seguinte a Justiça do Trabalho mandou a Sabesp suspender centenas de demissões que vinham ocorrendo desde janeiro. Segundo o secretário estadual de Saneamento e Recursos Hídricos, Benedito Braga, a companhia passa por uma crise financeira, por ter reduzido a quantidade de água oferecida à população e ter concedido os descontos na conta para quem reduzisse o consumo (bônus). A partir de 1º de abril, a Sabesp teria de rever, com o sindicato da categoria, a situação dos demitidos.

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