Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
Os jornais desta quarta-feira (13/5) tratam como comédia o depoimento da doleira Nelma Kodama, parceira de crimes e ex-mulher de Alberto Youssef, o principal protagonista na Operação Lava-Jato, que investiga a corrupção dos últimos dez anos na Petrobras. O noticiário da televisão, na noite anterior, já havia explorado o desempenho circense da mulher, que se levantou da cadeira para mostrar os bolsos traseiros de suas calças ao indicar onde havia escondido o dinheiro quando foi presa tentando fugir do País com 200 mil euros.
Ela também demonstrou como pode ser relaxante um acordo de delação premiada, ao responder a uma pergunta sobre sua relação com Youssef: questionada sobre a mistura de negócios ilícitos com a vida conjugal, ela levantou os braços e cantarolou um trecho da música “Amada amante”, sucesso do cantor Roberto Carlos. A pândega já estava estabelecida, com alguns deputados da Comissão Parlamentar de Inquérito entrando no coro, quando o presidente da CPI, Hugo Motta (PMDB-PB), pediu silêncio, lembrando que aquilo não era um teatro.
Pois estava equivocado o presidente da Comissão: aquilo era, sim, um teatro, no qual a doleira desempenhou o papel mais sincero entre todos os que compareceram ao palco montado pelo Parlamento em Curitiba para produzir sua versão do inquérito que segue no sistema da Justiça. Condenada pelo juiz Sergio Moro a 18 anos de prisão por liderar um esquema de lavagem de dinheiro e evasão de divisas, ela confirmou que está negociando um acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal.
Nelma Kodama, que costumava se apresentar como a “dama do mercado”, está tão confiante em ganhar, como o ex-amante, os benefícios da colaboração com a Justiça, que chegou a elogiar o juiz que a condenou a uma pena tão rigorosa, e usou a CPI para fazer uma declaração de arrependimento. No circo em que a imprensa transformou o inquérito, e diante dos parlamentares que conduzem uma versão própria do caso, ela teve a ousadia de fazer um discurso contra a corrupção, dizendo que está arrependida de ter dedicado quase toda a vida adulta ao comércio ilegal de moedas e ao crime financeiro.
Cadê os outros?
Dos três principais diários de circulação nacional, apenas o Estado de S. Paulo deu maior destaque a esse trecho do depoimento da doleira. O Globo e a Folha preferiram apostar na pantomima protagonizada pela depoente, tendo deputados como coadjuvantes. Basicamente, o Estado registra que Nelma Kodama relacionou a crise política e as dificuldades econômicas deste começo de ano à Operação Lava-Jato. “O Brasil é movido a corrupção. Uma vez que parou a corrupção, parou o Brasil. Faltou água, é a Lava-Jato. Subiu a energia, foi a Lava-Jato”, afirmou.
Talvez inadvertidamente, a doleira tocou no ponto comum e mais importante dos grandes casos de corrupção, quase sempre ausente da cobertura jornalística. O que os jornais não contam, e que pode ser ouvido no depoimento, é que a doleira está confiante na obtenção da delação premiada porque prometeu relatar como se dá, por dentro, o envolvimento do sistema financeiro na movimentação de dinheiro originado em atividades criminosas.
A propósito, que fim levou a lista do HSBC da Suiça?
Essa é, segundo especialistas como o desembargador aposentado Walter Maierovitch, a pedra de toque no combate ao crime organizado de todas as naturezas, pois é nas fraturas da legislação sobre trânsito de valores que as quadrilhas legalizam seus ganhos. Ao evitar expor o sistema financeiro, que muita vezes faz vistas grossas a movimentações milionárias entre empresas de fachada, a imprensa também contribui para a perpetuação da corrupção como método de negociação política.
A cobertura parcial das investigações, preservando os operadores ocultos, produz a condenação geral da atividade política e ameaça a governabilidade, criando obstáculos à execução dos planos de recuperação das contas públicas encaminhados pelo Executivo ao Parlamento. A crise política resultante estimula o chamado “baixo clero” do Congresso, majoritariamente conservador, a um protagonismo que ameaça algumas importantes conquistas da sociedade brasileira.
Ainda que involuntariamente e pensando em salvar sua própria pele, a doleira tocou na questão que pode fazer com que a Justiça corte com profundidade as estruturas da corrupção, rompendo os limites de perfil partidário em que a imprensa tenta conter os escândalos. Se a moda pega, talvez ainda possamos testemunhar o depoimento de um banqueiro na CPI, quem sabe cantando outra música de Roberto Carlos: “Esse cara sou eu”.
Ela também demonstrou como pode ser relaxante um acordo de delação premiada, ao responder a uma pergunta sobre sua relação com Youssef: questionada sobre a mistura de negócios ilícitos com a vida conjugal, ela levantou os braços e cantarolou um trecho da música “Amada amante”, sucesso do cantor Roberto Carlos. A pândega já estava estabelecida, com alguns deputados da Comissão Parlamentar de Inquérito entrando no coro, quando o presidente da CPI, Hugo Motta (PMDB-PB), pediu silêncio, lembrando que aquilo não era um teatro.
Pois estava equivocado o presidente da Comissão: aquilo era, sim, um teatro, no qual a doleira desempenhou o papel mais sincero entre todos os que compareceram ao palco montado pelo Parlamento em Curitiba para produzir sua versão do inquérito que segue no sistema da Justiça. Condenada pelo juiz Sergio Moro a 18 anos de prisão por liderar um esquema de lavagem de dinheiro e evasão de divisas, ela confirmou que está negociando um acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal.
Nelma Kodama, que costumava se apresentar como a “dama do mercado”, está tão confiante em ganhar, como o ex-amante, os benefícios da colaboração com a Justiça, que chegou a elogiar o juiz que a condenou a uma pena tão rigorosa, e usou a CPI para fazer uma declaração de arrependimento. No circo em que a imprensa transformou o inquérito, e diante dos parlamentares que conduzem uma versão própria do caso, ela teve a ousadia de fazer um discurso contra a corrupção, dizendo que está arrependida de ter dedicado quase toda a vida adulta ao comércio ilegal de moedas e ao crime financeiro.
Cadê os outros?
Dos três principais diários de circulação nacional, apenas o Estado de S. Paulo deu maior destaque a esse trecho do depoimento da doleira. O Globo e a Folha preferiram apostar na pantomima protagonizada pela depoente, tendo deputados como coadjuvantes. Basicamente, o Estado registra que Nelma Kodama relacionou a crise política e as dificuldades econômicas deste começo de ano à Operação Lava-Jato. “O Brasil é movido a corrupção. Uma vez que parou a corrupção, parou o Brasil. Faltou água, é a Lava-Jato. Subiu a energia, foi a Lava-Jato”, afirmou.
Talvez inadvertidamente, a doleira tocou no ponto comum e mais importante dos grandes casos de corrupção, quase sempre ausente da cobertura jornalística. O que os jornais não contam, e que pode ser ouvido no depoimento, é que a doleira está confiante na obtenção da delação premiada porque prometeu relatar como se dá, por dentro, o envolvimento do sistema financeiro na movimentação de dinheiro originado em atividades criminosas.
A propósito, que fim levou a lista do HSBC da Suiça?
Essa é, segundo especialistas como o desembargador aposentado Walter Maierovitch, a pedra de toque no combate ao crime organizado de todas as naturezas, pois é nas fraturas da legislação sobre trânsito de valores que as quadrilhas legalizam seus ganhos. Ao evitar expor o sistema financeiro, que muita vezes faz vistas grossas a movimentações milionárias entre empresas de fachada, a imprensa também contribui para a perpetuação da corrupção como método de negociação política.
A cobertura parcial das investigações, preservando os operadores ocultos, produz a condenação geral da atividade política e ameaça a governabilidade, criando obstáculos à execução dos planos de recuperação das contas públicas encaminhados pelo Executivo ao Parlamento. A crise política resultante estimula o chamado “baixo clero” do Congresso, majoritariamente conservador, a um protagonismo que ameaça algumas importantes conquistas da sociedade brasileira.
Ainda que involuntariamente e pensando em salvar sua própria pele, a doleira tocou na questão que pode fazer com que a Justiça corte com profundidade as estruturas da corrupção, rompendo os limites de perfil partidário em que a imprensa tenta conter os escândalos. Se a moda pega, talvez ainda possamos testemunhar o depoimento de um banqueiro na CPI, quem sabe cantando outra música de Roberto Carlos: “Esse cara sou eu”.
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