Por Luiz Gonzaga Belluzzo, na revista CartaCapital:
George Soros, proclamado “mago das finanças” pela grande mídia global, concedeu entrevista ao canal Globonews. Entre outras considerações, cuidou de avaliar o capitalismo e suas crises. Não vá o caro leitor perder-se em divagações sobre os propósitos subversivos do senhor Soros. O megaespeculador limitou-se a ponderar razões contra os “fundamentalistas do mercado” e a enaltecer as virtudes do pensamento crítico.
O financista adverte contra as pretensões de donos da verdade, ostentadas pelos adeptos e convertidos ao credo do livre-mercado. Soros apresentou com clareza impressionante a fragilidade dos supostos que sustentam as teorias dos mercados competitivos e “livres” e denunciou o seu caráter predominantemente apologético.
As falácias dessa nova crença são por demais conhecidas e não paga a pena rebobinar os argumentos para passar filme velho. Mas é sem dúvida impressionante o número de convertidos que se tornaram fanáticos do laissez-faire.
Uma boa parte desses novos adeptos, a maioria deles, é constituída de surfistas ideológicos. Esses surfistas, obedecendo a impulsos incontroláveis, montaram na onda do esquerdismo quando os ventos sopravam na direção do socialismo. Mudou o vento, subiram em outra onda, mais promissora e certamente mais rentável.
Soros reconhece que o fundamentalismo do laissez-faire não é diferente, em essência, daquele que sustentou as experiências malogradas do socialismo real. Ambos têm em comum a certeza do conhecimento da verdade “última”, atingida a partir de procedimentos científicos. Uns e outros têm pretensões de praticar a engenharia social e almejam enfiar a sociedade nos escaninhos estreitos de suas certezas funestas. Vai sobrar sociedade.
Soros desdenhosamente acusa a teoria dos mercados competitivos – cujas forças fundamentais moveriam a economia continuamente para a senda do equilíbrio e da estabilidade – de pertencer à categoria de superstições científicas contaminadas irremediavelmente pelo determinismo. A partir de uma concepção ultrapassada do método científico, a teoria econômica pretende tirar conclusões práticas relevantes, recomendar políticas e impor reformas.
Usando o exemplo dos mercados financeiros, Soros diz que o pensamento dominante propõe a desregulamentação a qualquer preço, ignorando as lições da história do século XX, com inúmeros episódios de turbulência e crises financeiras. Ele não se conforma com a estrutura binária do raciocínio dos liberais contemporâneos: se as regulamentações são defeituosas, então os mercados liberalizados são perfeitos.
Seja qual for a interpretação mais correta das crises financeiras, mais importante é a constatação do caráter reducionista do pensamento que se arroga foros de cientificidade. Sua função não é propriamente a de indagar ou investigar, se não a de simplificar: certo ou errado, bem ou mal.
A ciência aproxima-se assim do pensamento mítico. O retorno do mito é um dos fenômenos mais formidáveis deste final de século e atinge com maior intensidade as chamadas ciências humanas. Como sempre destroçada pelas exigências da política antidemocrática dos tecnocratas de turno, a economia entrega seu destino a forças do empobrecimento conceitual e da apologética sem limites. O esvaziamento teórico se faz em nome da despolitização e da “limpeza ideológica”, da aproximação da economia do paradigma atribuído às ciências da natureza, em particular da física.
Singrando esses mares, os timoneiros da economia brazuca defendem, desde uma posição supostamente “científica”, a submissão da política econômica à manutenção do investment grade. Advogam a inevitabilidade de uma adesão incondicional aos ditames dos senhores da finança global.
A experiência dos últimos 30 anos, no entanto, é clara. O bom desempenho das economias nacionais ditas “emergentes” foi proporcional ao grau de autonomia de suas políticas diante dos faniquitos dos mercados financeiros, sempre sujeitos à instabilidade das expectativas. Foram bem-sucedidos os países que controlaram as taxas de juro e administraram o fluxo de capitais para impedir danos à competitividade e impedir que os orçamentos públicos sejam sobrecarregados pelo crescimento dos encargos sobre a dívida pública.
Os países que buscaram preservar um espaço para as suas políticas industriais, comerciais e macroeconômicas foram capazes de sustentar taxas reais de juro baixas, administrar taxas de câmbio estimulantes, promover o avanço industrial e tecnológico, garantindo, assim, o robustecimento de seus grupos nacionais privados.
George Soros, proclamado “mago das finanças” pela grande mídia global, concedeu entrevista ao canal Globonews. Entre outras considerações, cuidou de avaliar o capitalismo e suas crises. Não vá o caro leitor perder-se em divagações sobre os propósitos subversivos do senhor Soros. O megaespeculador limitou-se a ponderar razões contra os “fundamentalistas do mercado” e a enaltecer as virtudes do pensamento crítico.
O financista adverte contra as pretensões de donos da verdade, ostentadas pelos adeptos e convertidos ao credo do livre-mercado. Soros apresentou com clareza impressionante a fragilidade dos supostos que sustentam as teorias dos mercados competitivos e “livres” e denunciou o seu caráter predominantemente apologético.
As falácias dessa nova crença são por demais conhecidas e não paga a pena rebobinar os argumentos para passar filme velho. Mas é sem dúvida impressionante o número de convertidos que se tornaram fanáticos do laissez-faire.
Uma boa parte desses novos adeptos, a maioria deles, é constituída de surfistas ideológicos. Esses surfistas, obedecendo a impulsos incontroláveis, montaram na onda do esquerdismo quando os ventos sopravam na direção do socialismo. Mudou o vento, subiram em outra onda, mais promissora e certamente mais rentável.
Soros reconhece que o fundamentalismo do laissez-faire não é diferente, em essência, daquele que sustentou as experiências malogradas do socialismo real. Ambos têm em comum a certeza do conhecimento da verdade “última”, atingida a partir de procedimentos científicos. Uns e outros têm pretensões de praticar a engenharia social e almejam enfiar a sociedade nos escaninhos estreitos de suas certezas funestas. Vai sobrar sociedade.
Soros desdenhosamente acusa a teoria dos mercados competitivos – cujas forças fundamentais moveriam a economia continuamente para a senda do equilíbrio e da estabilidade – de pertencer à categoria de superstições científicas contaminadas irremediavelmente pelo determinismo. A partir de uma concepção ultrapassada do método científico, a teoria econômica pretende tirar conclusões práticas relevantes, recomendar políticas e impor reformas.
Usando o exemplo dos mercados financeiros, Soros diz que o pensamento dominante propõe a desregulamentação a qualquer preço, ignorando as lições da história do século XX, com inúmeros episódios de turbulência e crises financeiras. Ele não se conforma com a estrutura binária do raciocínio dos liberais contemporâneos: se as regulamentações são defeituosas, então os mercados liberalizados são perfeitos.
Seja qual for a interpretação mais correta das crises financeiras, mais importante é a constatação do caráter reducionista do pensamento que se arroga foros de cientificidade. Sua função não é propriamente a de indagar ou investigar, se não a de simplificar: certo ou errado, bem ou mal.
A ciência aproxima-se assim do pensamento mítico. O retorno do mito é um dos fenômenos mais formidáveis deste final de século e atinge com maior intensidade as chamadas ciências humanas. Como sempre destroçada pelas exigências da política antidemocrática dos tecnocratas de turno, a economia entrega seu destino a forças do empobrecimento conceitual e da apologética sem limites. O esvaziamento teórico se faz em nome da despolitização e da “limpeza ideológica”, da aproximação da economia do paradigma atribuído às ciências da natureza, em particular da física.
Singrando esses mares, os timoneiros da economia brazuca defendem, desde uma posição supostamente “científica”, a submissão da política econômica à manutenção do investment grade. Advogam a inevitabilidade de uma adesão incondicional aos ditames dos senhores da finança global.
A experiência dos últimos 30 anos, no entanto, é clara. O bom desempenho das economias nacionais ditas “emergentes” foi proporcional ao grau de autonomia de suas políticas diante dos faniquitos dos mercados financeiros, sempre sujeitos à instabilidade das expectativas. Foram bem-sucedidos os países que controlaram as taxas de juro e administraram o fluxo de capitais para impedir danos à competitividade e impedir que os orçamentos públicos sejam sobrecarregados pelo crescimento dos encargos sobre a dívida pública.
Os países que buscaram preservar um espaço para as suas políticas industriais, comerciais e macroeconômicas foram capazes de sustentar taxas reais de juro baixas, administrar taxas de câmbio estimulantes, promover o avanço industrial e tecnológico, garantindo, assim, o robustecimento de seus grupos nacionais privados.
Prestem atenção às conclusões finais do texto do Beluzzo.
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