sexta-feira, 26 de junho de 2015

A mídia e a guerra contra a Rússia

Da coluna "Notas Vermelhas", no site Vermelho:

Dizem que para se adestrar um animal o mais difícil é o começo, quando ele ainda estranha as ordens que tentam impor limites à sua independência. Mas depois que ele passa a aceitar os primeiros comandos do adestrador, tudo fica mais fácil e flui com a colaboração do próprio animal, que em pouco tempo só come ou faz qualquer outra coisa com a anuência do “dono”.

Depois de muitos anos de “adestramento” pela mídia hegemônica, parte da população, principalmente das camadas médias, atualmente “terceirizou” seu pensamento político, a um ponto que se a mídia ordena “pule”, ela pula, mesmo que seja para o abismo. O condicionamento chega ao ponto de que, muitas vezes, pouco importa o que efetivamente está escrito ou é veiculado na matéria, pois o que conta mesmo é o tema central, em torno do qual já se formou um (pré) conceito, que amortece qualquer senso crítico.

Recentemente, o colunista do jornal O Globo, Ricardo Noblat, em artigo sobre o Congresso do PT, “constatou que o anexo com as resoluções aprovadas pelo PT, com 4.730 palavras, dedica à corrupção menos de 600”. O assunto era PT e, também corrupção, logo, na mente adestrada, o sentimento é de indignação. Pouco importa no caso que a informação apresentada seja completamente irrelevante e destituída de conteúdo real, o que conta é a soma dos elementos centrais que funcionam como um “sinal” do adestrador, no caso, PT/corrupção.

Tirando os sinais

Se você tira os “sinais” a notícia fica com sua dimensão real. Analisem a seguinte informação. Investigadores invadem a casa de um médico dono de uma grande rede internacional de hospitais, suspeito de determinado crime. A polícia descobre que a residência possui três terrenos incorporados, sendo que em um deles existe um pequeno campo de futebol. Os agentes encontram um revólver, que está registrado em nome do médico. Também são encontrados quatro celulares e 30 pendrives. 

A notícia em si tem pequeno valor jornalístico. O suspeito, todos sabem, é um grande empresário, portanto os terrenos e o pequeno campo de futebol não dizem nada. Como o suspeito não responde por qualquer crime com arma de fogo e o revólver encontrado, segundo a própria polícia constatou, está legalmente regularizado, isso tampouco significa algo que mereça publicidade. Quanto aos quatro celulares e 30 pendrives, o conteúdo deles pode ser relevante, o que só se saberá depois, mas não a simples presença destes equipamentos em uma casa.

Descobertas inéditas

Algum jornal publicaria com destaque estas informações, despidas de relevância? Sim, se o acusado fosse um dos executivos da Odebrecht preso pela Operação Lava Jato (um dos novos sinais dos adestradores) e os títulos da notícia tivessem apelos sugestivos como “Ostentação” (para falar nos campos de futebol), e “Queima-roupa” (para falar do revólver e dos celulares). Quem não acredita, leia a edição desta quarta-feira (24) do jornal Folha de São Paulo, na coluna painel, página A4. A coluna informa ainda, com o título “Das Arábias” que “na sala do executivo em um dos escritórios da Odebrecht, foram encontradas três apostilas com o título ‘Empresas estrangeiras citadas na Operação Lava Jato’ “. Que coisa. 

Como um executivo da Odebrecht, cuja empresa está sendo investigada na Operação Lava Jato, tem uma apostila com este título? Revelador. De repente, descobre-se também que o dono da Odebrecht é rico. Quem diria? Provavelmente ele e sua família são muito ricos há duzentos anos, mas agora isso é uma importante notícia, pois os sinais não podem cessar sob o risco de o “animal” parar e fazer coisas inusitadas, como, por exemplo, ter pensamentos independentes e, portanto, potencialmente perigosos.

Devemos evitar pensamentos perigosos

Pensamentos do tipo: “e se a polícia invadir a casa do presidente da Folha de S. Paulo (cujo nome está na lista do HSBC) quantos campos de futebol, celulares e pendrives irá encontrar?”. Ou, “e se a política invadir as casas dos irmãos Marinho, donos do sistema Globo, para descobrir quem pagava propina aos dirigentes da FIFA e da CBF para garantir a exclusividade das transmissões televisivas dos campeonatos, quantos campos de futebol, heliportos, piscinas e quadras de tênis ela iria encontrar?”. 

Mas, é lógico, esta pergunta é feita por pouca gente e nunca pela mídia e menos ainda pela polícia ou pelo poder judiciário, que funcionam como meros chicotes nas mãos de um hábil adestrador, também conhecido como mercado financeiro, cuja casa não corre nenhum risco de invasão e seus moradores dormem o sono dos justos.

A guerra midiática contra a Rússia

A TV Rússia Today (RT) e a Agência de Notícias Sputnik são veículos de comunicação da Rússia. A RT transmite programação noticiosa 24 horas por dia em três línguas, inglês, árabe e espanhol. Já a Sputnik tem versões em 40 idiomas, inclusive o português. Apesar da disparidade de forças na luta contra os gigantes midiáticos ocidentais, o sistema de comunicação russo incomoda e muito. 

Em março, a secretária-assistente dos EUA para Assuntos Europeus, Victoria Nuland, anunciou que o financiamento para a radiodifusão em língua russa iria dobrar em comparação com os gastos de 2014. No início de junho a União Europeia promoveu a criação de uma equipe para monitorar a mídia russa, alvo de constante pressão por não ser, ora veja, “imparcial”. Agora, a UE planeja “aumentar a colaboração entre órgãos reguladores nacionais, inclusive por meio de realização de reuniões do Grupo Europeu de Reguladores”.

A guerra midiática contra a Rússia – Os alvos

A Comissão Europeia também “irá fazer uma nova proposta legislativa para melhorar a base legal e tomar em conta os desafios contemporâneos”. Segundo os dados da EUobserver, veículo que divulgou as informações, o grupo europeu de resistência à mídia russa terá o nome East StratComTeam e começará a funcionar a partir de setembro 2015. Tudo isso tem como alvos a RT e a Sputnik, que segundo a UE e os EUA, “publicam informação fabricada e promovem a retórica de ódio em suas representações nos países da UE”. Segundo a redatora chefe da RT, Margarita Symonyan, “a União Europeia tenta abafar a voz alternativa da RT, enquanto na Europa existem centenas de jornais, canais televisivos e emissoras que transmitem somente um ponto de vista sobre os acontecimentos no mundo”.

A guerra midiática contra a Rússia – Resposta russa

Continua Margarita: “No Reino Unido foi criada toda uma brigada de 1.500 pessoas, cuja tarefa entre outras é a luta contra Rússia na mídia social. No comitê da OTAN há um grupo especial de resistência à influência russa em todo o mundo. Poucos dias atrás, a Deutsche Welle lançou a emissão televisiva em inglês como contrapeso à RT. Ao mesmo tempo, quase todas as grandes agências ocidentais, inclusive BBC, DW e Euronews, transmitem em russo. E a Radio Svoboda (Rádio Liberdade), financiada pelo governo dos EUA, também tem emissão em russo. Se, depois disso, a União Europeia continuar a queixar-se de que está perdendo a guerra de informação, deverá talvez começar a ter consciência de que as pessoas simplesmente já estão fartas da cobertura unilateral feita pelas principais mídias europeias”, fulminou.

A guerra midiática contra a Rússia – Quem manipula

Em relação à Rússia, a manipulação da informação é constante. Vejam o caso da BBC. Nesta terça-feira (23), a emissora publicou uma entrevista exclusiva com o ex-presidente da Ucrânia, Viktor Yanukovich. Na versão disponível no site russo da emissora a entrevista tem o seguinte trecho:

“E as pessoas, o que é o mais importante, o povo da Crimeia, 90% da população da Crimeia, votaram a favor da saída da Ucrânia… Isto é uma consequência do Maidan. Isto é consequência daquele movimento nacionalista radical que assustou a população da Crimeia, que tradicionalmente era pró-russa”, disse Yanukovich.

Na versão em língua inglesa, no entanto, da mesma BBC, o trecho acima é suprimido e Yanukovich simplesmente tacha a integração da Crimeia à Rússia de “tragédia”, que não teria acontecido se ele tivesse permanecido no poder. Questionada sobre a diferença, a emissora britânica disse que a versão inglesa foi editada apenas “com as partes de maior destaque”. Quem publica mesmo informação fabricada? Outro exemplo, desta vez nativo, leia na nota abaixo.

Mídia: O imperialismo é movido pelas melhores intenções

Nesta terça-feira (23), o governo dos EUA anunciou que irá posicionar 250 tanques, peças de artilharia, veículos blindados, lançadores de foguete e outros equipamentos militares no leste da Europa, no que o Ministério de Defesa da Rússia considera o “ato mais agressivo dos EUA desde a Guerra Fria”. Mas calma gente, segundo informa a Folha de S. Paulo em sua edição desta quarta-feira (24), baseada em “agências de notícias”, tudo isso representa apenas “uma tentativa de apaziguar os países da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) que estão apreensivos com o envolvimento da Rússia nos conflitos no leste da Ucrânia”. 

E a gente aqui pensando em coisas como a indústria armamentista americana e sua necessidade de novas “carnes de canhão”, e na acentuação do caráter eminentemente agressivo do imperialismo diante da crise capitalista. Ainda bem que a mídia ocidental é livre e deixa as coisas muito bem explicadas.

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