Por Kjeld Jakobsen, na revista Teoria e Debate:
O governo chileno começou o ano enfrentando uma série de obstáculos políticos que prejudicaram enormemente a popularidade da presidenta Michele Bachelet. O índice de desaprovação de seu governo alcançou 63%, no início do mês de maio, embora algumas semanas depois tenha recuado para 56%. Já o índice de aprovação, que chegou a apenas 28%, agora atinge 33%.
As razões para isso são várias. O primeiro fato negativo que veio a público em fevereiro envolveu o filho mais velho da presidenta, Sebastián Dávalos, e sua esposa, Natalia Compagnon. Ele participava do governo como “gestor de obras sociais”, função normalmente desempenhada por uma primeira-dama, e ela, empresária do ramo imobiliário, se associou a uma empresa do setor, a Caval, na compra de vários terrenos. Para pagá-los, Natalia contou com empréstimo concedido pelo Banco do Chile em reunião com seu vice-presidente, acompanhada de seu marido, um dia depois da promulgação da vitória eleitoral da presidenta Bachelet.
Os terrenos, em seguida, se valorizaram, em virtude de algumas intervenções urbanas, e foram vendidos. O lucro com a diferença entre compra e venda totalizou US$ 3,8 milhões. O episódio foi entendido pela opinião pública como tráfico de influência do filho da presidenta e uso de informação privilegiada.
O segundo episódio, mais recente, envolveu Rodrigo Peñailillo, ministro do Interior e, por alguns anos, assessor de muita confiança da presidenta. Foi Peñailillo quem coordenou desde 2012 a articulação da candidatura de Bachelet ao segundo mandato presidencial, e a empresa Sociedad Química y Minera de Chile S.A. (Soquimich), a maior mineradora não metálica do mundo, que ajudou a financiar candidaturas de partidos de esquerda e de direita nas últimas eleições.
No Chile, o financiamento privado de campanhas eleitorais é permitido com um teto nominal para cada cargo e limitado a 20% do gasto total do candidato. Por exemplo, a doação máxima a uma candidatura presidencial é de aproximadamente R$ 250 mil e o teto às doações a um partido e vários candidatos é de cerca de R$ 1,3 milhão. A contrapartida ao apoio financeiro é um desconto no imposto de renda para a empresa doadora.
Consta da denúncia que a Soquimich emitiu notas fiscais de apoio financeiro a candidaturas sem que os recursos tivessem efetivamente sido pagos, portanto a acusação é de fraude no pagamento de imposto de renda. No período entre a articulação da candidatura de Michele Bachelet e a data em que assumiu o ministério, Rodrigo Peñailillo teria recebido da mineradora três pagamentos por supostas prestações de serviços de consultoria.
Além disso, houve a denúncia de que o Grupo Penta, outra grande holding empresarial, teria cometido fraudes fiscais e aportes ilegais a parlamentares da Unión Demócrata Independiente (UDI), partido de oposição de direita, o que contribuiu para gerar a percepção de que existe uma corrupção política generalizada, tanto da direita quanto da esquerda, no país.
Somados a isso, alguns fatos contribuem para explicar a atual situação de crise política no país: no Chile, o voto agora é facultativo e a abstenção na última eleição foi superior a 50%; a decisão sobre uma série de reformas ainda está em pauta no Parlamento chileno; a coligação governamental Nueva Maioria se dividiu sobre como enfrentar a crise, pois apenas dois partidos deram apoio ao ministro do Interior; e a mídia está explorando ao máximo os episódios, verdadeiros ou não em suas versões, para dificultar as reformas.
Até o momento, a reação da presidenta foi demitir seu filho do cargo que ocupava no governo e promover uma reforma ministerial que consistiu na demissão de cinco ministros, incluindo Rodrigo Peñailillo e Alberto Arenas, da Fazenda, além da mudança de cargo de outros quatro. O perfil governamental com essa mudança não se alterou muito, pois o novo ministro da Fazenda, Rodrigo Valdés, provém do setor financeiro, embora seja considerado mais aberto a negociações que seu antecessor. A divisão partidária também não se alterou muito no ministério, com exceção do Partido Comunista, que tinha apenas o Ministério da Mulher e emplacou mais um ministro, o de Desenvolvimento Social.
O desafio da presidenta agora é retomar a agenda positiva das reformas, que ainda estão em discussão, como as reformas constitucional, para erradicar a herança pinochetista, a política e a trabalhista. Essa última conta com forte oposição dos empresários a um item defendido pelo governo: a proibição de substituição de grevistas por outros trabalhadores. A nova ministra do Trabalho defende a manutenção desse ponto, abrindo possibilidade de discussão apenas sobre a manutenção de um nível mínimo de atividades em caso de conflitos nos serviços essenciais. A presidenta também prometeu acabar com a terceirização no setor público, o que beneficiará cerca de 8.500 trabalhadores.
Portanto, a ligeira melhora nos índices de aprovação do governo chileno após as últimas iniciativas mostra que é possível superar a crise instalada, se as políticas levadas adiante considerarem os interesses da população menos favorecida em um dos países latino-americanos que possuem os piores índices de desigualdade do continente.
* Kjeld Jakobsen é diretor da Fundação Perseu Abramo.
As razões para isso são várias. O primeiro fato negativo que veio a público em fevereiro envolveu o filho mais velho da presidenta, Sebastián Dávalos, e sua esposa, Natalia Compagnon. Ele participava do governo como “gestor de obras sociais”, função normalmente desempenhada por uma primeira-dama, e ela, empresária do ramo imobiliário, se associou a uma empresa do setor, a Caval, na compra de vários terrenos. Para pagá-los, Natalia contou com empréstimo concedido pelo Banco do Chile em reunião com seu vice-presidente, acompanhada de seu marido, um dia depois da promulgação da vitória eleitoral da presidenta Bachelet.
Os terrenos, em seguida, se valorizaram, em virtude de algumas intervenções urbanas, e foram vendidos. O lucro com a diferença entre compra e venda totalizou US$ 3,8 milhões. O episódio foi entendido pela opinião pública como tráfico de influência do filho da presidenta e uso de informação privilegiada.
O segundo episódio, mais recente, envolveu Rodrigo Peñailillo, ministro do Interior e, por alguns anos, assessor de muita confiança da presidenta. Foi Peñailillo quem coordenou desde 2012 a articulação da candidatura de Bachelet ao segundo mandato presidencial, e a empresa Sociedad Química y Minera de Chile S.A. (Soquimich), a maior mineradora não metálica do mundo, que ajudou a financiar candidaturas de partidos de esquerda e de direita nas últimas eleições.
No Chile, o financiamento privado de campanhas eleitorais é permitido com um teto nominal para cada cargo e limitado a 20% do gasto total do candidato. Por exemplo, a doação máxima a uma candidatura presidencial é de aproximadamente R$ 250 mil e o teto às doações a um partido e vários candidatos é de cerca de R$ 1,3 milhão. A contrapartida ao apoio financeiro é um desconto no imposto de renda para a empresa doadora.
Consta da denúncia que a Soquimich emitiu notas fiscais de apoio financeiro a candidaturas sem que os recursos tivessem efetivamente sido pagos, portanto a acusação é de fraude no pagamento de imposto de renda. No período entre a articulação da candidatura de Michele Bachelet e a data em que assumiu o ministério, Rodrigo Peñailillo teria recebido da mineradora três pagamentos por supostas prestações de serviços de consultoria.
Além disso, houve a denúncia de que o Grupo Penta, outra grande holding empresarial, teria cometido fraudes fiscais e aportes ilegais a parlamentares da Unión Demócrata Independiente (UDI), partido de oposição de direita, o que contribuiu para gerar a percepção de que existe uma corrupção política generalizada, tanto da direita quanto da esquerda, no país.
Somados a isso, alguns fatos contribuem para explicar a atual situação de crise política no país: no Chile, o voto agora é facultativo e a abstenção na última eleição foi superior a 50%; a decisão sobre uma série de reformas ainda está em pauta no Parlamento chileno; a coligação governamental Nueva Maioria se dividiu sobre como enfrentar a crise, pois apenas dois partidos deram apoio ao ministro do Interior; e a mídia está explorando ao máximo os episódios, verdadeiros ou não em suas versões, para dificultar as reformas.
Até o momento, a reação da presidenta foi demitir seu filho do cargo que ocupava no governo e promover uma reforma ministerial que consistiu na demissão de cinco ministros, incluindo Rodrigo Peñailillo e Alberto Arenas, da Fazenda, além da mudança de cargo de outros quatro. O perfil governamental com essa mudança não se alterou muito, pois o novo ministro da Fazenda, Rodrigo Valdés, provém do setor financeiro, embora seja considerado mais aberto a negociações que seu antecessor. A divisão partidária também não se alterou muito no ministério, com exceção do Partido Comunista, que tinha apenas o Ministério da Mulher e emplacou mais um ministro, o de Desenvolvimento Social.
O desafio da presidenta agora é retomar a agenda positiva das reformas, que ainda estão em discussão, como as reformas constitucional, para erradicar a herança pinochetista, a política e a trabalhista. Essa última conta com forte oposição dos empresários a um item defendido pelo governo: a proibição de substituição de grevistas por outros trabalhadores. A nova ministra do Trabalho defende a manutenção desse ponto, abrindo possibilidade de discussão apenas sobre a manutenção de um nível mínimo de atividades em caso de conflitos nos serviços essenciais. A presidenta também prometeu acabar com a terceirização no setor público, o que beneficiará cerca de 8.500 trabalhadores.
Portanto, a ligeira melhora nos índices de aprovação do governo chileno após as últimas iniciativas mostra que é possível superar a crise instalada, se as políticas levadas adiante considerarem os interesses da população menos favorecida em um dos países latino-americanos que possuem os piores índices de desigualdade do continente.
* Kjeld Jakobsen é diretor da Fundação Perseu Abramo.
Exatamente o mesmo processo que vem ocorrendo no Brasil com o claro intuito de derrubar a Dilma e varrer o PT da história do país.Quem está por detrás dessas campanhas desestabilizadoras, usando, em lugar de armas convencionais e bacteriológicas, uma mídia venal, antinacionalista e totalmente submissa aos seus ditames, uma elite ambiciosa e uma boa parte da classe média preconceituosa e fascista todos sabemos. É preciso um grande esforço para conscientizar a população politicamente analfabeta e o mais amplo apoio ao governo, sem deixar de lado, claro, as críticas construtivas. O Brasil corre o perigo de um retrocesso, não de anos, mas de séculos.
ResponderExcluirlidia virni