terça-feira, 7 de julho de 2015

A crise na Grécia, segundo Sardenberg

Da coluna "Notas Vermelhas", no site Vermelho:

Carlos Alberto Sardenberg é comentarista de economia em diversos veículos das organizações Globo e defensor intimorato das políticas de austeridade.

Age como um disciplinado autômato a serviço do mercado financeiro. Se amanhã os banqueiros decidirem que todos devem pagar taxas para respirar dentro de uma agência bancária (é só o que falta) não tenham dúvidas de que Sardenberg (em companhia de outros da mesma escola) fará ilustrados comentários provando por A + B que os banqueiros estão certos e que é um absurdo um cliente inspirar oxigênio e expirar gás carbônico, dentro das agências, impunemente. 

Seguindo esta mesma linha é que Sardenberg aborda o resultado do referendo na Grécia, quando o “não” venceu de forma acachapante. Vale a pena ouvir o áudio documentário desta segunda-feira (6) na CBN (a rádio que troca a notícia). O ouvinte ficará encantado com a honestidade intelectual deste senhor, e a análise profunda que faz sobre a crise na Grécia.

“Grécia fará plebiscito de acordo que não existe”

O título acima (está na página da CBN) se refere ao comentário da última sexta-feira (3), antes, portanto do referendo, onde Sardenberg, já prevendo a derrota do “sim”, tentava desqualificar a consulta popular. Pois se alguém convoca um referendo sobre algo que não existe, o próprio referendo não tem qualquer valor. E o comentário desta segunda reforça este entendimento. Sardenberg diz que os gregos votaram “não” a um acordo (acordo este que seu comentário anterior tinha asseverado que não existia) com os credores e que agora vão negociar “um outro acordo que trará as mesmas coisas que o acordo anterior”. 

Realmente, este referendo teve, assim, pouca importância. Porém, as manchetes do jornal O Globo desta segunda berram “Líderes europeus convocam reunião de emergência”, “Europa em busca de respostas”, “Grécia recusa, nas urnas, austeridade imposta por credores e põe em xeque futuro do Euro”. A chanceler alemã, Angela Merkel, marcou para esta terça-feira (7) uma reunião com o primeiro-ministro da Grécia para novas conversações. Preocupações vãs. Até parece que este povo não ouve os pertinentes comentários do Sardenberg.

Como se divide a Europa, segundo o Sardenberg

Reforço o conselho para que ouçam o comentário no link acima. É uma aula de geopolítica europeia. O comentarista diz que a Europa se divide em “países devedores e países credores”. No primeiro grupo estão países como Grécia e Portugal. No outro estão nações como Alemanha, Inglaterra e França. Sardenberg não perde seu tempo precioso para explicar o porquê desta situação. Afinal é evidente: certamente alguma eugenia divina transforma povos inteiros em devedores e povos mais afortunados em credores, e está acabado. Conversa fiada sobre interesses de grandes corporações financeiras que criam mecanismos (com a ajuda de economistas convenientes) para que países fiquem reféns eternos da agiotagem internacional são evidentemente fábulas comunistas.

O que causou a crise grega? Sardenberg responde

Sardenberg é muito didático em seu comentário, esclarecendo ao ouvinte que a crise grega se deve ao fato de a Grécia não ter seguido a receita de austeridade recomendada pela chamada “troika” (Banco Central Europeu, Comissão Europeia e Fundo Monetário Internacional). Diz Sardenberg que a “Espanha fez o ajuste e está indo bem. Portugal fez um ajuste e está indo bem. Irlanda fez um ajuste e está indo bem. Itália fez um ajuste e está indo bem”. 

Já com a Grécia Sardenberg é implacável, fez muito pouco ou quase nada (do que a troika mandou) e está pagando o preço. Simples não? Realmente, Espanha, Portugal, Irlanda e Itália estão bem, mas não para seus povos. Talvez para uma parcela muito privilegiada, justamente aquela que Sardenberg mais tem interesse em defender. Pois na Espanha o desemprego hoje é de 23,78% e entre os jovens passa de 50%. Em Portugal o índice de desemprego é de 13,7% (35% entre os jovens). Na Irlanda é de 9,9% (entre os jovens, 20,20%) e na Itália é de 12,4% (entre os jovens chega a 42%). Mas estes países estão indo bem seguindo a receita de austeridade que Sardenberg tanto apregoa. Como se sabe, o mundo está acabando é no Brasil (7,9% de desemprego geral e entre os jovens 17,6%).

A Grécia não seguiu a receita?

Em 2010 o Pasok (partido que então era o que dominava o governo grego), em troca de receber 110 bilhões de euros como empréstimo, cedeu a uma política econômica de austeridade imposta pela troika. Como estavam aplicando o receituário neoliberal muito bem, houve um segundo empréstimo, em março de 2012, de 130 bilhões de euros. Portanto, a dívida foi para 240 bilhões de euros, ou 175% do PIB grego. Mas a crise só aumentava, chegando ao ponto de 30% dos gregos terem sido levados à miséria. Mas Sardenberg (e outros da mesma escola) sustentam que a Grécia não aplicou o receituário da troika (ouçam o áudio, ouçam o áudio!). 

Sardenberg fala isso com a tranquila certeza de um oráculo, embora a sua opinião esteja longe de ser uma unanimidade. Por exemplo, o norte-americano Joseph Stiglitz, ex-economista chefe do Banco Mundial (e que, portanto, definitivamente, não é comunista, nem petista, nem bolivariano), Prêmio Nobel de economia em 2001, diz que a receita de austeridade da troika foi a responsável pela crise ter chegado a este ponto e defendeu o voto “Não”. Mas quem é ele perto do Sardenberg? Ou da Miriam Leitão? Do Merval eu nem falo, seria humilhar o Stiglitz.

Sardenberg releva a verdade: a culpa da crise na Grécia é do Lula

Aliás, o inefável Carlos Alberto Sardenberg publicou recentemente um texto intitulado “Enganaram Tsipras”, onde através de uma "ironia pronta" diz que Lula e Dilma têm culpa na crise grega. Escreveu Sardenberg: “Há dois anos e meio, Alexis Tsipras, então um jovem aspirante a líder europeu, esteve no Brasil para ouvir o conselho de Dilma e Lula. Ouviu que políticas de austeridade só levam ao desastre e que era preciso, ao contrário, aumentar o gasto público e o consumo. E não é que ele, eleito primeiro-ministro, seguiu o conselho (...) Tsipras (agora) está muito ocupado com a confusão que armou. Mas ainda assim poderia tomar um tempinho para telefonar ao mentor e à mentora brasileira: e o que eu faço agora, hein?”. 

Então, ficamos combinados assim: Em 2012 (fora do poder) Tsipras visita Lula e Dilma. Não se sabe bem a razão pela qual Lula e Dilma iriam tentar convencer Tsipras de uma coisa da qual ele estava mais do que convencido, pois o grego já era conhecido internacionalmente por ser contra a política de austeridade da troika, mas se Sardenberg disse... Daí, em 26 de janeiro de 2015 Tsipras assume o cargo de primeiro-ministro em seu país e nestes poucos meses (seguindo conselhos de Lula e Dilma) leva a Grécia a atual situação. Aja ironia.

Pausa no modo irônico

Uma pausa no modo irônico para ressaltar o seguinte: Um comentarista como Sardenberg é a expressão pronta e acabada da indigência intelectual e da completa falência ética da nossa apodrecida mídia hegemônica. O triste nessa situação é que muita gente, por não ter acesso a outras visões, acaba engolindo estas asneiras, ditas com ar de grande autoridade e maior ainda cara-de-pau.

Um comentário:

  1. Caramba moderador. Não publicar comentários é um tanto quanto, como posso dizer, ditatorial, hein? Isso que ele nem mesmo discordava do texto, só pedia um pouco mais de tutano e menos bitolagem.

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