quinta-feira, 30 de julho de 2015

A extrema-direita que quer aparecer

Por Glauco Faria, na revista Fórum:

Se os principais dados que ganharam as manchetes da pesquisa CNT/MDA divulgada na terça-feira (21) foram aqueles relativos à avaliação positiva da presidenta Dilma (7,7%) e ao apoio a seu eventual impeachment (60%), um deles também merece atenção. Em três dos cenários analisados pelo levantamento para as eleições presidenciais de 2018, Jair Bolsonaro, ex-PP e postulante declarado ao Planalto, aparece com índices que variam entre 4,6% e 5,5% ou 5,8% a 7,3%, descontando-se os votos brancos e nulos e os indecisos.

Obviamente ainda é prematuro para se cravar algo em relação ao pleito que só vai acontecer daqui a pouco mais de três anos, mas o percentual não é desprezível para uma figura que representa um dos extremos do espectro político brasileiro. E mesmo que longe de ser competitiva, uma candidatura com tal percentual poderia ser, por exemplo, decisiva em um segundo turno, pendendo a balança para um dos lados ou pautando o debate entre os dois finalistas. Ou mesmo puxando candidaturas ao Legislativo, bancando uma participação ainda maior dos conservadores no Congresso Nacional.

Não seria a primeira vez que um candidato identificado com ideias típicas da extrema-direita teria alguma relevância no pleito presidencial. Em 1994, o candidato do extinto Partido da Reedificação da Ordem Nacional (Prona) Enéas Carneiro chegou a 7,38% dos votos válidos, ficando em terceiro lugar e desbancando nomes como Orestes Quércia e Leonel Brizola. Com um discurso ultranacionalista, em uma entrevista ao Roda Viva naquele ano disse que homossexuais não “poderiam ser um exemplo de comportamento sexual”, já que a sociedade “existe para reproduzir”, sendo “homossexuais casais um absurdo”.

Mas, na eleição seguinte, em 1998, teve 2,14% e nem sua extravagante defesa de que o Brasil deveria construir a bomba atômica e que fosse aumentado o seu efetivo militar seduziram uma parcela maior do eleitorado. Na verdade, pode-se inferir que, por seu aspecto pitoresco – celebrizado pelo bordão “meu nome é Enéas”, a maior parte dos votos recebidos pelo presidenciável do Prona em 1994 eram mais de protesto do que de adesão. Mesmo assim, a exposição garantiu que fosse o deputado federal mais votado proporcionalmente da história do país em 2002, elegendo junto consigo mais cinco parlamentares.

Na última disputa presidencial, Pastor Everaldo (PSC) tentou ser uma opção de uma direita confusa, conciliando conservadorismo político e moral com um liberalismo econômico radical. Isso, aliado a seu desempenho pífio diante das câmeras, fez com que sua candidatura, que chegou a ter 4% de intenções de voto em pesquisas, amargasse meros 0,75% dos votos válidos nas urnas.

Bolsonaro não tem esse problema de personalidade difusa assumida por Everaldo em 2014. Seu pensamento e suas ações políticas são homogêneas. Passou por partidos como PDC, PPR, PPB, PTB, PFL e PP, e namora com siglas menores para pleitear a disputa ao Planalto. Militar da reserva, é apoiador da ditadura, combate causas relacionadas aos direitos humanos e já se definiu “preconceituoso, com muito orgulho”. A respeito do PLC 122, que criminalizava a homofobia, declarou em entrevista que “a maioria dos homossexuais é assassinada por seus respectivos cafetões, em áreas de prostituição e de consumo de drogas, inclusive em horários em que o cidadão de bem já está dormindo. O PLC 122, na prática, criará uma categoria de vítimas privilegiadas, ou seja, com proteção especial em virtude de sua opção sexual”.

Se muitos ficaram espantados com os arroubos homofóbicos de Levy Fidelix no último debate entre presidenciáveis no primeiro turno, o que esperar de Bolsonaro? Por conta de declarações de cunho similar às do presidenciável do PRTB dadas ao programa CQC, o parlamentar chegou a ser condenado em primeira instância, em abril deste ano, a pagar uma indenização de R$ 150 mil ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, alegando que iria recorrer por ter foro privilegiado.

Florescimento da extrema-direita

No que diz respeito ao modus operandi da direita radical brasileira, personificada na figura de Bolsonaro, existe um “ódio cabal aos direitos humanos”, dizia em palestra proferida em março Renato Janine Ribeiro, quando ainda não havia assumido o Ministério da Educação. “O que distingue a extrema-direita hoje no Brasil é quase que mais uma agenda de costumes do que uma agenda política”, analisou, de acordo com o blogue de Roldão Arruda.

“Atacam o homossexual, a igualdade de gênero, os direitos das mulheres, e por aí. Tudo isso tem um alcance muito grande no Brasil”, disse o filósofo. “Estamos tendo no Brasil uma tolerância, que é grande, com condutas antidemocráticas que deveriam ser tipificadas como criminosas… Pregar a volta dos militares deveria ser crime, deveria levar a pessoa para a cadeia. Vários países da Europa criminalizaram a pregação nazista. Nós – que tivemos uma ditadura militar – deveríamos criminalizar a pregação da ditadura.”

A tolerância a que Janine se refere é fruto de uma situação aparentemente paradoxal no Brasil. Ao mesmo tempo em que muitas figuras políticas – mesmo as oriundas do regime militar e de seu partido, a Arena – se recusavam a se assumir como sendo de direita, o modelo de transição negociada garantiu um espaço generoso aos nostálgicos da ditadura. Algo impensável em países vizinhos que também passaram por regimes de exceção.

“Não há na Argentina uma determinação legal de que fazer apologia da ditadura é crime, mas sim há um compartilhamento social da ideia de que não há como defender o que aconteceu entre 1976 e 1983. Não existe espaço de legitimidade, por exemplo, para um [Jair] Bolsonaro, que lá seria uma figura execrada e já teria perdido o mandato legislativo”, disse em entrevista a pesquisadora Caroline Silveira Bauer, professora do Departamento de História da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). A falta de acerto de contas com o passado, em geral, causa problemas no futuro, como a História ensina.

Há dois outros fatores que também contribuem para o caldo que permite o florescimento de posições extremadas de direita, ambos relacionados. A consolidação de grupos fortes e com ação constante nas redes sociais pregando um discurso de ódio e centrando fogo no arco que vai desde os governos petistas até a oposição de esquerda a esses mesmos governos acabou fazendo com que muitos conservadores e autodeclarados anticomunistas (ainda que isto possa parecer um contrassenso a essa altura da História) perdessem a vergonha e o medo de se assumir publicamente.

Como muitos destes grupos faziam o chamado “trabalho sujo” na internet ao inventar boatos, tentar causar pânico e agir de forma violenta contra petistas e a esquerda em geral, seu trabalho acabou interessando ao PSDB e outras legendas. Ao encampar parte desse discurso, Aécio fez uma das campanhas mais polarizadas em termos ideológicos da história das eleições presidenciais, legitimando um tipo de ação política que, ao fim, macula a própria atividade política.

Em artigo publicado no portal da Fórum em março de 2015, Daniel Mandur Thomaz, que mora em Amsterdã, falava a respeito da dificuldade de se explicar a um estrangeiro a onda conservadora no Brasil e suas diferenças em relação ao que se vê no Velho Continente. “A extrema-direita no Brasil ganhou um espaço que ela não tem na Europa: um assento na mesa de negociações com outros setores liberais de centro-direita. O desejo cego de minar o governo e espernear a derrota nas urnas faz com que partidos de direita apoiem estratégias golpistas e marchem ao lado de grupos extremistas e criminosos. Para usar uma imagem antiga, correm o sério risco de jogar fora o bebê junto com a água de banho. Esse equívoco pode ter um grande custo para o Brasil”.

A tática com fins puramente eleitorais adotadas por partidos que já ocuparam o espectro de centro-esquerda como o PSDB não encontrariam paralelo em outros países. “Declarações como as de Jair Bolsonaro, feitas em sessão plenária, de que só não estuprava uma deputada porque ela não merecia, fariam corar mesmo os reacionários europeus mais facinorosos, como o islamofóbico Geertz Wilders, político holandês cuja bandeira é a expulsão de muçulmanos (mesmo dos nascidos em território europeu)”, destaca.

“O político inglês Nigel Farange, xenófobo declarado e líder do partido anti-União Européia Ukip, na Inglaterra, causou escândalo em 2014 por se negar a declarar apoio ao casamento de pessoas do mesmo sexo, o que diria, então, a imprensa britânica diante da bancada evangélica brasileira, que defende a “cura gay”. Mesmo Marine Le Pen, na França, com seu discurso nacionalista, racista e xenófobo, tentou, pelo menos para manter as aparências, descer o tom característico de seu pai, Jean-Marie Le Pen, conhecido por seu antissemitismo e por ligações com grupos neonazistas. Enquanto isso, no Brasil, alguns grupos clamam em plena rua por intervenção militar e, consequentemente, pelo fim do Estado de direito”, assinala Mandur Thomaz.

Mas, se a centro-direita e a direita se serviram e ainda se servem desses grupos extremos, o contrário não é necessariamente verdadeiro e os radicais já começam a ver uma oportunidade de se destacar da oposição capitaneada pelo PSDB. Enquanto os tucanos se dividem entre os que se alinham a Aécio, que flerta ora de forma hesitante e ora mais firmemente com o golpismo, e aqueles que estão mais de acordo com a postura de Geraldo Alckmin, que tenta resguardar uma postura republicana para manter a confiança das elites que sempre tiveram horror à instabilidade, os extremistas não querem sangrar o governo, mas sim sua queda.

Ainda que não consigam, o fato é que deverão ter cadeira cativa na corrida presidencial de 2018. O seu tamanho vai depender dos próximos acontecimentos, mas a julgar pela polarização crescente no cenário político, sua possibilidade de crescimento não é desprezível. A mesma pesquisa CNT/MDA mostra, por exemplo, que as Forças Armadas, que o parlamentar ex-PP faz questão de associar a sua imagem, são a segunda instituição mais confiável para os entrevistados. Isso, relacionado ao fato de as pessoas hoje terem os partidos políticos em péssima conta, indica que a maré da onda conservadora pode subir ainda mais.

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