Por Saul Leblon, no site Carta Maior:
O derradeiro laço com a esperança hoje no Brasil passa pela constituição de uma frente nacional progressista e democrática, capaz de repactuar as bases do seu desenvolvimento.
A alternativa a isso, o arrocho neoliberal, aplicado nos últimos seis meses, resultou em esférico fracasso.
Não é uma crítica. São fatos.
Erroneamente abraçada pelo governo Dilma, que delegou a atual transição de ciclo econômico a um centurião dos mercados, a estratégia adotada acumulou um passivo digno da palavra desastre.
O ministro Joaquim Levy não apenas deixou de entregar o que prometeu, como aprofundou desequilíbrios existentes e criou outros novos.
A inflação não caiu, ao contrário.
De uma taxa de 6,4% em 2014, saltou para 8,9% em 12 meses até junho.
Uma taxa de juro sideral acionada para controla-la, fez explodir o serviço da dívida pública.
Em uma sociedade marcada pela postergação de programas urgentes, como a construção de creches e de casas populares, caso da terceira etapa do Minha Casa, Minha Vida, criou-se uma bolsa rentista equivalente a 7,5% do PIB em 12 meses, para pagar juros.
É transferência de renda direto na veia do mercado financeiro.
Só no primeiro trimestre, lembra o economista Amir Khair, enquanto o governo economizava R$ 18 bi em direitos trabalhistas e na previdência social para reforçar o superávit, 'as despesas com juros atingiriam R$ 85 bilhões'.
São dezenas de Lava Jatos canalizadas gentilmente aos endinheirados brasileiros, fazendo a dívida bruta aumentar em R$ 227,8 bilhões, apenas no primeiro trimestre.
Pode piorar.
A taxa de juro real (acima da inflação) projetada para os próximos 12 meses é de explosivos 9%.
Nada se iguala a isso na face da terra.
Insista-se: não são os gastos com o funcionalismo, os programas sociais ou a execrável roubalheira da Lava Jato, mas o custo do dinheiro fixado pelo BC que está bombando o déficit público que se pretendia reduzir.
Hoje ele é de 6,4% do PIB.
Superior ao de 2014 (6,2%), utilizado então como argumento pela mídia & mercados para induzir a Presidenta reeleita a fazer o que, assustada, acabou concedendo: terceirizar o manejo da economia aos doutores em equilíbrio macroeconômico.
‘Para corrigir a desastrada gestão do ‘lulopopulismo’, bradavam os assertivos rapazes e moças da crônica financeira.
Passados seis meses de dura terapia, a credibilidade do lacto purga, e a de seu laboratorista, faz água por todos os lados.
É impossível ajustar contas públicas promovendo recessão, como manda o figurino neoliberal, pelo bom motivo de que a arrecadação pública se esvai com ela e o arrocho para compensar as perdas agrava a sua causa.
A genialidade neoliberal é vender como ciência uma geringonça ideológica em que o acelerador do ajuste aciona o freio de mão da economia e faz a sociedade capotar.
Para reordenar uma transição de ciclo de desenvolvimento, como é o caso, é necessário recorrer à negociação democrática capaz de organizar os mercados, sobretudo os mercados financeiros, e não entregar o destino a eles.
A redução da meta fiscal nesta quarta-feira dá a medida do rigor científico: o novo superávit previsto caiu de R$ 66 bi para pouco mais de R$ 8,5 bi. Com boas chances de chegar ao final do ano com um déficit de R$ 17 bi...
Fosse Mantega o jóquei desse cavalo de pau embriagado, as manchetes e o colunismo isento estariam convocando a ocupação do país pelas agências de risco.
O derradeiro laço com a esperança hoje no Brasil passa pela constituição de uma frente nacional progressista e democrática, capaz de repactuar as bases do seu desenvolvimento.
A alternativa a isso, o arrocho neoliberal, aplicado nos últimos seis meses, resultou em esférico fracasso.
Não é uma crítica. São fatos.
Erroneamente abraçada pelo governo Dilma, que delegou a atual transição de ciclo econômico a um centurião dos mercados, a estratégia adotada acumulou um passivo digno da palavra desastre.
O ministro Joaquim Levy não apenas deixou de entregar o que prometeu, como aprofundou desequilíbrios existentes e criou outros novos.
A inflação não caiu, ao contrário.
De uma taxa de 6,4% em 2014, saltou para 8,9% em 12 meses até junho.
Uma taxa de juro sideral acionada para controla-la, fez explodir o serviço da dívida pública.
Em uma sociedade marcada pela postergação de programas urgentes, como a construção de creches e de casas populares, caso da terceira etapa do Minha Casa, Minha Vida, criou-se uma bolsa rentista equivalente a 7,5% do PIB em 12 meses, para pagar juros.
É transferência de renda direto na veia do mercado financeiro.
Só no primeiro trimestre, lembra o economista Amir Khair, enquanto o governo economizava R$ 18 bi em direitos trabalhistas e na previdência social para reforçar o superávit, 'as despesas com juros atingiriam R$ 85 bilhões'.
São dezenas de Lava Jatos canalizadas gentilmente aos endinheirados brasileiros, fazendo a dívida bruta aumentar em R$ 227,8 bilhões, apenas no primeiro trimestre.
Pode piorar.
A taxa de juro real (acima da inflação) projetada para os próximos 12 meses é de explosivos 9%.
Nada se iguala a isso na face da terra.
Insista-se: não são os gastos com o funcionalismo, os programas sociais ou a execrável roubalheira da Lava Jato, mas o custo do dinheiro fixado pelo BC que está bombando o déficit público que se pretendia reduzir.
Hoje ele é de 6,4% do PIB.
Superior ao de 2014 (6,2%), utilizado então como argumento pela mídia & mercados para induzir a Presidenta reeleita a fazer o que, assustada, acabou concedendo: terceirizar o manejo da economia aos doutores em equilíbrio macroeconômico.
‘Para corrigir a desastrada gestão do ‘lulopopulismo’, bradavam os assertivos rapazes e moças da crônica financeira.
Passados seis meses de dura terapia, a credibilidade do lacto purga, e a de seu laboratorista, faz água por todos os lados.
É impossível ajustar contas públicas promovendo recessão, como manda o figurino neoliberal, pelo bom motivo de que a arrecadação pública se esvai com ela e o arrocho para compensar as perdas agrava a sua causa.
A genialidade neoliberal é vender como ciência uma geringonça ideológica em que o acelerador do ajuste aciona o freio de mão da economia e faz a sociedade capotar.
Para reordenar uma transição de ciclo de desenvolvimento, como é o caso, é necessário recorrer à negociação democrática capaz de organizar os mercados, sobretudo os mercados financeiros, e não entregar o destino a eles.
A redução da meta fiscal nesta quarta-feira dá a medida do rigor científico: o novo superávit previsto caiu de R$ 66 bi para pouco mais de R$ 8,5 bi. Com boas chances de chegar ao final do ano com um déficit de R$ 17 bi...
Fosse Mantega o jóquei desse cavalo de pau embriagado, as manchetes e o colunismo isento estariam convocando a ocupação do país pelas agências de risco.
Como o arquiteto da obra é um quadro de confiança das fileiras, as manchetes dissimulam a octanagem do tropeço.
‘Profundidade da crise surpreende’; preparava o campo o Estadão, na manchete de domingo.
‘Queda da receita impede superávit’, admitia o Valor da 4ª feira, abstendo-se da relação causal entre uma coisa e outra.
Os Marinhos, em campanha contra as ditas pedaladas fiscais, no O Globo desta 5ª feira, pasmem, até elogiaram a redução do superávit –‘dá credibilidade’.
Assim por diante.
A vertiginosa realidade é que o aperto no crédito e no investimento --com corte de gastos e elevação simultânea das taxas de juros, jogou a economia num buraco ainda mais fundo do que já se encontrava.
A recessão, segundo o consenso do mercado, vai derrubar em 2% o PIB este ano.
Se nada for feito, continuará a chutá-lo no chão em 2016.
Será inédito: desde os anos 30, o país não sofre dois anos seguidos de queda real do produto.
O que avança de fato –e nisso Levy foi bem sucedido em relação aos objetivos implícitos-- é a contração do mercado de trabalho, que expeliu 111 mil empregos em junho.
Não só.
O salário já cresce abaixo da inflação em 12 meses (7,5% contra 8,7% do INPC até maio).
Significa que os ganhos obtidos na última década começam a ser tomados de volta pelo capital, com impactos sabidos na demanda e no comércio.
O pano de fundo de um comércio internacional em que as commodities se mantêm em plano inclinado, faz o resto.
Apesar desvalorização de 30% do Real em 12 meses (necessária, diga-se, para recuperar a competitividade da indústria aqui e no exterior) o reequilíbrio das contas externas está sendo puxado mais pela queda das importações –leia-se, pela recessão-- do que pelo vigor dos embarques.
É a purga sem cura.
Ela replica em ponto pequeno o saco sem fundo de arrocho e crise de que tem sido vítima a sociedade grega há sete anos, por exemplo, sob os auspícios dos levys de lá (FMI, BCE e Bruxelas).
Mutatis mutandis, a sociedade se torna refém do mesmo desastre autopropelido que se instala como força de ocupação.
As premissas do ‘saneamento’ fiscal e financeiro são idênticas em todas as latitudes. Por isso as populações atingidas sofrem o efeito do mesmo fracasso. E, da mesma forma, veem-se diante do imperativo equivalente: assumir o comando do seu destino, ou sucumbir ao moedor de carne sem fim.
O arrocho na Grécia já devorou 25% do PIB; agravou a mortalidade infantil, dobrou as taxas de suicídios; jogou 25% dos assalariados no desemprego e 38% da população na pobreza; obrigou o país a privatizar boa parte do patrimônio --como Serra quer fazer agora com o pré-sal. Mesmo assim, a dívida pública saltou de 120% para 170% do PIB nos últimos anos.
Não por conta de gastos adicionais.
Foi a retração dramática do numerador, a bancarrota produtiva, que desorganizou de vez a sociedade, reduzida a um pasto de engorda de bancos e especuladores.
Lembra algo?
Projeções indicam que o destino reservado ao povo grego –a persistir o enjaulameto financeiro-- é o de viver como refém dos credores até o final do século.
A vigilância prevista nas cláusulas do empréstimo recente, de 86 bi de euros, estende-se por 32 anos, dilatáveis por mais 20, com uma década de carência.
O Estado grego só poderá emitir dívida de forma soberana, depois de pagar 75% do débito. Corre o risco de ingressar no século XXII como protetorado de bancos e especuladores, que participaram ativamente na gênesis do desastre, durante a farra neoliberal no século XX.
O colapso da receita ortodoxa no Brasil permite rever pontos cardeais do governo Dilma, antes que um longo prazo semelhante se esboce por essas bandas.
Para tanto é preciso politizar os dados de uma equação que a lógica dos mercados se mostrou insuficiente para resolver.
Uma primeira pergunta de fundo se impõe:
‘Como pudemos regredir tanto em tão pouco tempo?’
Um bom começo é confronta-la com uma segunda indagação pertinente: 'Como é que pudemos supor avançar, ou mesmo reter conquistas, sem providenciar a contrapartida de resistência democrática à ofensiva que viria –como de fato veio?'
A trinca aberta pela inexistência desse suporte, a negligência deliberada em construí-lo nas mais diversas instâncias – das organizações de base à quebra do monopólio das comunicações-- redundou no divórcio explicitado agora no agravamento da crise.
O fosso é proporcional à virulência do que se busca descarregar nos ombros da sociedade para saciar os apetites dos interesses rentistas.
O déficit de democracia emerge assim como a mais importante variável de uma transição de ciclo histórico, que a malandragem neoliberal quer resumir a uma exclusiva conta de chegar fiscal.
Em que medida o fracasso rotundo favorece a retificação de curso?
Depende.
O país só reverterá a espiral conservadora se as fileiras progressistas forem capazes de superar sectarismos e hesitações para promover uma repactuação democrática do passo seguinte do desenvolvimento.
Em vez dos circuitos puros, uma negociação de linhas de passagem feita de metas, concessões, salvaguardas, ajustes e escalonamentos de ganhos e perdas entre diferentes setores.
Sem ilusões, porém.
É preciso juntar mais do que os iguais para compor a alavanca capaz de ultrapassar o arrocho embutido na atual correlação de forças.
Conquistar a credibilidade e o consentimento de amplas faixas da população –inclusive de setores da classe média e do empresariado produtivo—requer um programa de reerguimento econômico distinto da rudimentar receita que desabou.
Não há muito tempo a perder, porém.
As opções disponíveis são duas: repactuação democrática do desenvolvimento ou um novo estirão de impasse e ‘ajuste’.
Uma crise permanente à moda grega. Ou o desassombro de politizar as escolhas do desenvolvimento.
A ver.
‘Profundidade da crise surpreende’; preparava o campo o Estadão, na manchete de domingo.
‘Queda da receita impede superávit’, admitia o Valor da 4ª feira, abstendo-se da relação causal entre uma coisa e outra.
Os Marinhos, em campanha contra as ditas pedaladas fiscais, no O Globo desta 5ª feira, pasmem, até elogiaram a redução do superávit –‘dá credibilidade’.
Assim por diante.
A vertiginosa realidade é que o aperto no crédito e no investimento --com corte de gastos e elevação simultânea das taxas de juros, jogou a economia num buraco ainda mais fundo do que já se encontrava.
A recessão, segundo o consenso do mercado, vai derrubar em 2% o PIB este ano.
Se nada for feito, continuará a chutá-lo no chão em 2016.
Será inédito: desde os anos 30, o país não sofre dois anos seguidos de queda real do produto.
O que avança de fato –e nisso Levy foi bem sucedido em relação aos objetivos implícitos-- é a contração do mercado de trabalho, que expeliu 111 mil empregos em junho.
Não só.
O salário já cresce abaixo da inflação em 12 meses (7,5% contra 8,7% do INPC até maio).
Significa que os ganhos obtidos na última década começam a ser tomados de volta pelo capital, com impactos sabidos na demanda e no comércio.
O pano de fundo de um comércio internacional em que as commodities se mantêm em plano inclinado, faz o resto.
Apesar desvalorização de 30% do Real em 12 meses (necessária, diga-se, para recuperar a competitividade da indústria aqui e no exterior) o reequilíbrio das contas externas está sendo puxado mais pela queda das importações –leia-se, pela recessão-- do que pelo vigor dos embarques.
É a purga sem cura.
Ela replica em ponto pequeno o saco sem fundo de arrocho e crise de que tem sido vítima a sociedade grega há sete anos, por exemplo, sob os auspícios dos levys de lá (FMI, BCE e Bruxelas).
Mutatis mutandis, a sociedade se torna refém do mesmo desastre autopropelido que se instala como força de ocupação.
As premissas do ‘saneamento’ fiscal e financeiro são idênticas em todas as latitudes. Por isso as populações atingidas sofrem o efeito do mesmo fracasso. E, da mesma forma, veem-se diante do imperativo equivalente: assumir o comando do seu destino, ou sucumbir ao moedor de carne sem fim.
O arrocho na Grécia já devorou 25% do PIB; agravou a mortalidade infantil, dobrou as taxas de suicídios; jogou 25% dos assalariados no desemprego e 38% da população na pobreza; obrigou o país a privatizar boa parte do patrimônio --como Serra quer fazer agora com o pré-sal. Mesmo assim, a dívida pública saltou de 120% para 170% do PIB nos últimos anos.
Não por conta de gastos adicionais.
Foi a retração dramática do numerador, a bancarrota produtiva, que desorganizou de vez a sociedade, reduzida a um pasto de engorda de bancos e especuladores.
Lembra algo?
Projeções indicam que o destino reservado ao povo grego –a persistir o enjaulameto financeiro-- é o de viver como refém dos credores até o final do século.
A vigilância prevista nas cláusulas do empréstimo recente, de 86 bi de euros, estende-se por 32 anos, dilatáveis por mais 20, com uma década de carência.
O Estado grego só poderá emitir dívida de forma soberana, depois de pagar 75% do débito. Corre o risco de ingressar no século XXII como protetorado de bancos e especuladores, que participaram ativamente na gênesis do desastre, durante a farra neoliberal no século XX.
O colapso da receita ortodoxa no Brasil permite rever pontos cardeais do governo Dilma, antes que um longo prazo semelhante se esboce por essas bandas.
Para tanto é preciso politizar os dados de uma equação que a lógica dos mercados se mostrou insuficiente para resolver.
Uma primeira pergunta de fundo se impõe:
‘Como pudemos regredir tanto em tão pouco tempo?’
Um bom começo é confronta-la com uma segunda indagação pertinente: 'Como é que pudemos supor avançar, ou mesmo reter conquistas, sem providenciar a contrapartida de resistência democrática à ofensiva que viria –como de fato veio?'
A trinca aberta pela inexistência desse suporte, a negligência deliberada em construí-lo nas mais diversas instâncias – das organizações de base à quebra do monopólio das comunicações-- redundou no divórcio explicitado agora no agravamento da crise.
O fosso é proporcional à virulência do que se busca descarregar nos ombros da sociedade para saciar os apetites dos interesses rentistas.
O déficit de democracia emerge assim como a mais importante variável de uma transição de ciclo histórico, que a malandragem neoliberal quer resumir a uma exclusiva conta de chegar fiscal.
Em que medida o fracasso rotundo favorece a retificação de curso?
Depende.
O país só reverterá a espiral conservadora se as fileiras progressistas forem capazes de superar sectarismos e hesitações para promover uma repactuação democrática do passo seguinte do desenvolvimento.
Em vez dos circuitos puros, uma negociação de linhas de passagem feita de metas, concessões, salvaguardas, ajustes e escalonamentos de ganhos e perdas entre diferentes setores.
Sem ilusões, porém.
É preciso juntar mais do que os iguais para compor a alavanca capaz de ultrapassar o arrocho embutido na atual correlação de forças.
Conquistar a credibilidade e o consentimento de amplas faixas da população –inclusive de setores da classe média e do empresariado produtivo—requer um programa de reerguimento econômico distinto da rudimentar receita que desabou.
Não há muito tempo a perder, porém.
As opções disponíveis são duas: repactuação democrática do desenvolvimento ou um novo estirão de impasse e ‘ajuste’.
Uma crise permanente à moda grega. Ou o desassombro de politizar as escolhas do desenvolvimento.
A ver.
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