A “Folha” abriu de forma curiosa o texto em que noticia a vitória do NÃO na Grécia: “em um resultado surpreendente…” De fato, o rechaço ao programa liberal imposto aos gregos foi surpresa – mas apenas para quem se baseia nas agências de notícias internacionais e nos comentaristas da GloboNews.
Acontece que o mundo real não aboliu a política.
Vejamos: o ajuste ultraliberal imposto à Grécia nos últimos 5 ou 6 anos foi aceito pelo PASOK (histórico partido de centro-esquerda, que se desmoralizou e perdeu base social justamente por ter cedido ao FMI e à União Europeia/UE). Humilhados, os socialistas do PASOK tiveram que ser substituídos por um governo “técnico” liderado por Samaras (e este seguiu na mesma linha ultraliberal).
O ajuste provocou uma tragédia social. O resultado veio nas urnas. O partido Syriza ganhou em 2014, dizendo que romperia com o ajuste liberal.
O que fizeram os banqueiros, o FMI e os burocratas da UE? Disseram assim: danem-se as urnas, o programa liberal não muda, e deve ser aplicado seja qual for o vencedor nas urnas. É como se a democracia tivesse sido substituída por uma tecnocracia econômica que diz o que é bom pra todos nós.
O Syriza não aceitou a chantagem. Não foi tampouco “juvenil” nem panfletário. Sentou à mesa, tentou negociar. Diante da arrogância europeia, resolveu consultar o povo. O referendo de domingo foi um reforço no mandato popular que o Syriza já possuía.
O paralelo com o Brasil é evidente. Claro que a crise grega é dez vezes mais grave. O Brasil não adotou um ajuste tão severo como o imposto a Atenas. Ok. Mas o paralelo serve para entender a questão democrática.
Dilma foi eleita dizendo que não cederia à chantagem do “mercado” e cunhou a famosa frase: “nem que a vaca tussa”. Passada a eleição, virou as costas para o programa vencedor.
É como se o Syriza tivesse aceito a chantagem da UE…
Dilma cedeu à chantagem liberal, desagradou sua base eleitoral, e não ganhou o outro lado que já a detestava.
Em fevereiro isso já estava claro. Foi o que escrevi há cinco meses (clique aqui para ler o texto completo):
O PT manterá alguma capacidade para ser força aglutinadora (uma entre várias forças) de uma nova Frente de Esquerda – que parece ser a saída para se enfrentar o novo ciclo histórico?
O Quinto Congresso do partido, que acontece este ano, terá papel definitivo. Se o PT seguir amortecido, incapaz de se renovar como força aglutinadora do bloco popular, terá selado seu destino.
O tempo dos acordos e do “reformismo fraco” está encerrado. Sem renovação imediata, o PT não vai “acabar” (como afirmou Marta, de forma açodada e oportunista), mas definhar. Nesse caso, o PT não seria derrotado pelo “mar de lama” – como afirmam mervais e colunistas toscos na revista da marginal. Mas pela falta de capacidade de reagir à agenda conservadora, e pelo fato de não propor um novo modelo de desenvolvimento alternativo ao neoliberal.
O PT, se não reagir, abrirá caminho para sua pasokização (PASOK é o partido socialista grego, que costumava ter um terço dos votos, e depois de trair os trabalhadores com um programa ultraliberal, teve menos de 5% na última eleição).
A esquerda, nesse caso, terá que encontrar outras instrumentos políticos para enfrentar a ofensiva conservadora – que tende a se tornar ainda mais dura nos próximos anos.
Esse processo, na verdade, já se iniciou. Mas não está definido.
De lá pra cá, não houve reação. Dilma afunda em 10% apenas de ótimo/bom. E a direita prepara-se para avançar num golpe paraguaio. Quem defenderá Dilma nas ruas, agora?
Reparem que, para o PSDB de São Paulo e Eduardo Cunha, o ideal seria prolongar a agonia do governo Dilma. Mas a inação governista pode levar a um desfecho mais rápido. Se Dilma cair num golpe, Temer assumiria para completar o mandato(e aprofundar o ajuste)? Ficaria com a pecha de traidor, e talvez atraísse para o PMDB a ira popular por um ajuste que levará a desemprego e recessão…
Outra saída: Dilma e Temer seriam derrubados, e haveria novas eleições.
Reparemos que, na teoria, há mais de 60% de brasileiros insatisfeitos com a forma de Dilma governar. Mas Aécio, o “grande líder da oposição”, aparece com 35% dos votos se uma nova eleição ocorresse hoje.
Isso significa que a base lulista (em boa parte) abandonou Dilma, mas não se bandeou para o tucanato. Uma nova eleição pode ser a chance dessa base se reorganizar – em outros termos.
Por isso, a direita ainda titubeia. Nova eleição não significa (necessariamente) vitória de Aécio – apesar de isso ser possível.
Ninguém deve-se iludir. A marcha do golpe começou. E o certo é que Dilma, com esse ajuste liberal, não sobrevive. Isso está claro.
O PT, se mantiver a subserviência ao governo, vai virar um PASOK.
Uma nova frente de esquerda (incluindo a imensa base petista, combativa e disposta a romper com o liberalismo de ocasião) parece ser a melhor ferramenta para quem pretende manter as conquistas dos últimos 12 anos, e aprofundar as reformas.
Isso precisa ser feito agora. De forma rápida. Com coragem, sem devaneios panfletários.
Alguns, nas redes sociais, se irritam quando digo isso. “Ah, você deveria defender a Dilma!”
Defendo a Democracia – sim – e rechaço golpismo. Defendo um programa de reformas, que foi vitorioso nas urnas em 2014. O governo Dilma é que deixou de defender esse programa. Esse é o no da questão. Não adiante brigar com os fatos.
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