terça-feira, 7 de julho de 2015

Parlamentarismo branco está em marcha?

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Por Renato Rovai, em seu blog:

O gato do parlamentarismo subiu no telhado do Palácio do Planalto nos últimos dias. A provocação do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que trouxe, como quem não quer nada, o tema à baila numa entrevista e notinhas aqui e acolá insinuando que isso poderia ser um caminho para a atual crise política, suscitaram preocupação e conversas acerca do tema em Brasília.

Cunha disse que defende que a mudança de sistema deveria ser debatida para o futuro. E que o país deveria continuar tendo um chefe de Estado, eleito pelo povo. Ou seja, o presidente. E um chefe de governo, eleito pelo parlamento. Ou seja, ele, o primeiro-ministro.

Ele falou no futuro, mas se movimentou durante a semana como se a solução devesse se realizar agora. O atropelo constitucional para aprovar a lei derrubando a maioridade penal dos 18 para os 16 anos foi entendida por aqueles que buscam desvendar a alma “House of Cards” do peemedebista como parte de um roteiro que vem sendo desenhado desde que o peemedebista derrotou o governo na sua eleição para a presidência da Câmara.

Por esse roteiro, derrotar pautas progressistas e avançar com uma agenda conservadora é importante para se mostrar confiável a setores que querem mudanças mais duras no país. Ou seja, para aqueles que consideram que o problema não é a crise circunstancial, mas a agenda social implementada a partir da vitória de Lula e que tirou dos setores mais conservadores a base popular.

O presidente da Câmara tem tentado demonstrar que é possível dialogar com essa base em outros termos. Falando uma língua onde o futuro é o céu e a vida eterna. E a terra um espaço para preservar a família e os valores tradicionais. E aí, cabe qualquer coisa. Entre elas lutar contra direitos para os homossexuais, por mais punição à infância, contra a liberação de drogas inofensivas como a maconha e até perseguir outras religiões, como a umbanda.

Mas é evidente que só isso não daria ao projeto Cunha qualquer solidez, mas passa a fazer sentido quando o governo cisca para lá e pra cá completamente perdido, sem conseguir oferecer ao país, e principalmente às classes sociais mais vulneráveis, alguma esperança. Muito pelo contrário, a inflação disparou, o desemprego aumenta e o ajuste fiscal se lança principalmente contra direitos trabalhistas. Como se as vítimas do processo fossem os algozes de uma crise construída em parte no cassino financeiro global e em parte numa política equivocada de isenções fiscais que se baseou numa agenda desenvolvimentista e educacional de cunho equivocado.

Que se pautou pelo século passado em vez de abrir janelas para o futuro investindo em inteligência e num empreendedorismo voltado à dimensão informacional.

Que se pautou no investimento de grandes empresas ao invés de buscar multiplicar inúmeras formas de micro-empreendimentos que pudessem ser mais resistentes do que a carteira assinada num momento como este.

Que se pautou numa ampliação de um projeto educacional que forma muito mais consumidores do que formuladores.

Que valorizou a formação de mão de obra robotizada para o mercado, ao invés de um ser humano criativo e questionador.

O preço dessas opções se paga a prazo. E é o que vem acontecendo nos últimos anos no Brasil. Os poucos avanços que foram obtidos à custa de muita luta vêm sendo soterrados aos poucos mesmo depois de consideráveis melhoras econômicas e sociais para os setores populares principalmente de 2002 a 2012.

Mas o que isso tem a ver com o parlamentarismo à la Cunha?

O parlamentarismo é aquele sistema que sempre aparece no Brasil como solução para momentos de crise. Foi assim quando Jânio renunciou e o vice era considerado muito à esquerda pelas elites daquele momento. Foi assim, quando o Plano Cruzado não deu certo e, Ulysses Guimarães, de alguma forma, passou a ser mais chefe de governo do que José Sarney. Foi assim quando Collor caiu e o PSDB voltou com a tese de que deveria ser discutida a mudança de sistema. Foi assim também quando da crise do mensalão. Após a renúncia de Severino Cavalcante à presidência da Câmara, José Thomaz Nonô e Aldo Rebelo disputaram voto a voto aquela eleição. Se Thomaz Nonô vencesse, ele seria um Eduardo Cunha. E ia querer mandar no governo, buscando implantar o que se convencionou chamar de parlamentarismo branco.

Que foi o que o Ulysses Guimarães fez com Sarney. E o que, de alguma forma, como ministro da Economia, FHC fez com Itamar.

O presidente da República tinha poderes limitados em ambos os casos. Havia quem, sem ocupar o maior posto política da nação, mandasse mais que ele nas decisões de governo.

A agenda de Cunha para mandar não é a aprovação da diminuição da redução da idade penal. Isso é só o pirulito para uma base parlamentar e social que quer sangue. A sua agenda virá agora, com projetos que buscarão limitar aos poucos os poderes da presidência.

Ao dizer que Michel Temer deveria sair da articulação política porque não é respeitado, Cunha quer o caminho livre para operar.

Nessa sua nova agenda, vai propor a diminuição de ministérios, vai carimbar os recursos para todas as áreas, vai querer aprovar que a indicação de presidentes de estatais sejam avaliadas e votadas pelo Congresso. E vai aprovar sua reeleição para a presidência da Casa para poder tocar tudo isso ao seu jeito, atropelando a Constituição sempre que necessário.

Não é à toa que Cunha não está fazendo força pelo impeachment de Dilma. Neste momento isso não é interessante para ele. Um governo sem projeto e sem direção é muito melhor.

É aí que poderia se construir a resistência. Foucault já ensinou que sempre que há poder, há resistência. E o poder de Cunha que parece ser hoje algo descomunal pode ser também apenas um saco vazio repleto de ar. Ele mesmo já registrou que não tem a caneta. Que quem pode fazer as coisas acontecerem é a presidenta.

Mas para que essa caneta não seja roubada é preciso agir rápido.

Eduardo Cunha está prometendo o céu para muitos parlamentares, mas ao mesmo tempo está ameaçando com o inferno aqueles que não lhes oferecem o lombo para que possa montar.

Na sessão da Câmara em que a redução da maioridade penal foi aprovada, Cunha foi esculachado (é essa a palavra mesmo) por muitos deputados como provavelmente nenhum outro presidente daquela Casa tenha sido na história do Congresso brasileiro. A despeito das divergências, a liturgia do cargo costuma ser respeitada. Mas vem se construindo entre alguns uma sensação de que o reinado do carioca pode ser deletério ao processo democrático.

É nesta fenda política movimentada por gente do PMDB, do PROS e mesmo do PPS, além dos partidos de esquerda, que o governo teria de agir. Ir construindo aos poucos e com sabedoria uma nova base política. Mais programática e menos pragmática. Que não aceitasse qualquer moeda ou proteção para mudar de lado.

E talvez para que isso aconteça, o governo devesse ouvir o conselho de Cunha, deixar Michel Temer pra lá e abrir negociação com outros partidos para sair do que Lula teria denominado de volume morto. Tentar construir a partir do Nordeste, em acordo com os governadores daquela região, uma nova maioria na Câmara. Jogando todo o peso do governo para produzir nesses estados o desenvolvimento que eles precisam para que o Brasil seja de fato uma nação.

Mas para que isso dê certo, vai ter que se fazer política como nunca. E aí, que mora o perigo. Já se tornou piada brasiliana dizer que a única coisa que dá certo no governo é a dieta Ravena. Porque é o que de fato alguns ministros e também a presidenta têm levado a sério.

Evidente que é um exagero. Mas ao mesmo tempo quando se houve isso de gente que está comprometida até as tampas com o governo não se pode deixar de ignorar o significado da piada.

Quando você está perdendo o jogo por 7 a 1 a culpa não é do adversário. E Cunha é mais do que um adversário. É quase um inimigo.

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