Por Renato Rovai, em seu blog:
Quem é de praia sabe que ressaca não é só um fenômeno que acontece no dia seguinte de um grande porre. O termo, aliás, era originalmente utilizado para denominar a chegada de ondas violentas à costa, ou se preferirem à praia. Em geral, elas começam impulsionadas por rajadas de vento que mexem com as correntes marítimas e fazem a água se dirigir de forma mais veloz até encontrar o litoral.
Quando essas ondas chegam costumam registrar grandes estragos. Inundam a faixa de areia, arrebentam muros de contenção, destroem o asfalto e em muitos casos danificam construções à beira-mar.
Quem ousa entrar num mar em ressaca, corre risco de vida. Mesmo surfistas experientes costumam respeitar esse momento de mau humor das águas.
As crises políticas podem ser um momento de ressaca. Principalmente numa situação histórica em que as pessoas se sentem muito mais conectadas e estão cada vez mais posicionadas. Onde de alguma forma todos somos produtores de opinião e consideramos que nossas causas são as mais importantes.
Essa ressaca tem abatido muitos governos e atingiu o de Dilma de forma muito violenta. Começou em 15 de março e cinco meses depois, em 16 de agosto, talvez tenha chegado a um momento onde pode se iniciar um novo ciclo.
Mas os ventos ainda não arrefeceram e olhar para aqueles que estão na animação dos ventos para que a tempestade dure mais tempo é importante para saber para qual lado deve-se caminhar, ou melhor, nadar.
O boneco do Lula vestido de presidiário, que custou 12 mil reais para ser produzido. A posição da Globo, que fez questão de o tempo todo colocar na boca de seus comentaristas que Lula passou a ser o vilão das ruas desta vez. E a entrevista do Serra para o Valor, combinada com a postagem de FHC, podem ser as garrafas com mensagens que sobraram na praia no recuo do mar. E que precisam ser analisadas para que se possa olhar melhor para o horizonte e enfrentar melhor a correnteza.
Está mais do que claro que a manifestação de ontem apontou todos os seus canhões para Lula. E que isso não foi apenas uma coincidência. O dia seguinte da ressaca vai deixando as coisas mais claras.
Aquele boneco não foi produzido à toa. Antes dele, apareceu um áudio onde Lula fala um monte de Ahamm com um interlocutor a Odebrechet que acabou preso na Lava Jato. No dia seguinte, Veja apresenta todos os dados da quebra do sigilo bancário do Instituto do ex-presidente. E no domingo, Lula é o rei das porradas na rua.
Fica claro que houve uma construção simbólica para ser utilizada pela mídia com o objetivo de criar uma narrativa que permita colocá-lo como o centro da crise.
E a entrevista de hoje de Serra, ao Valor, e a postagem de FHC mostram claramente os objetivos da operação.
O trecho do post (não foi uma declaração solta) de FHC que pede a renúncia de Dilma não deixa dúvidas. “A Presidente, mesmo que pessoalmente possa se salvaguardar, sofre contaminação dos malfeitos de seu patrono e vai perdendo condições de governar.”
FHC pede pra Dilma sair antes para não se contaminar com os malfeitos de Lula. Ou seja, manda o recado, vamos detoná-lo, mas podemos te salvar para a história.
Serra faz o mesmo movimento, mas vai ainda mais longe. Pede a renúncia de Dilma e diz que se o Brasil vivesse um momento menos consolidado do ponto de vista democrático, os militares já teriam dado um golpe de Estado, como aconteceu aqui mesmo em 64 e no Chile, em 73.
Ou seja, no dia seguinte da ressaca, fica cada vez mais claro o objetivo daqueles que querem interditar o governo. Lula é o alvo. Ele vai ser massacrado porque ficou claro para os operadores do lado de lá que não adianta derrubar Dilma e deixá-lo politicamente vivo.
Ao mesmo tempo, também parece ter ficado claro que a tese do impeachment pode levá-los a se associar ao golpismo. E por isso pedem a renúncia da presidenta,botando-lhe a faca no pescoço. E pra mostrar força, vão pra cima de Lula. Porque se conseguirem derrotá-lo, o resto fica mais fácil.
Se o governo errar na leitura das garrafas com mensagens que ficaram na praia depois dessa imensa ressaca de cinco meses, que pode vir a ser atenuada a partir de um novo posicionamento, os ventos podem voltar mais fortes.
A Globo não recuou. A Globo não mudou de lado. A Globo escolheu uma outra estratégia. E os tucanos e os grupos que coordenam o espetáculo das ruas se mostraram bastante afiados com o novo discurso.
Num momento desses, onde se consegue sair da arrebentação por algum tempo, é preciso ser muito rápido. Escolher um lado, tentar usar a correnteza a seu favor e nadar muito. Se achar que ficar boiando é o suficiente, o governo não vai aguentar a próxima tormenta.
O desfile do orgulho reacionário
ResponderExcluirÉ quase impossível extrair informações confiáveis sobre as manifestações na imprensa corporativa. Claro, ela inventou a festa, agora quer inventar os significados da festa. Mas a tentativa de moldar os fatos chega a soar um tanto ridícula.
Os cálculos esdrúxulos (sete pessoas por metro quadrado!) não escondem dois fatos visíveis: a) os protestos encolheram e b) mantiveram a mesma composição étnico-socialdos anteriores. Novamente, basta assistir às imagens disponíveis.
Em março e abril já havia certa sensação de “muito barulho por nada”, mas agora ela domina a memória das passeatas, feito ressaca de vinho ruim. Com aparato midiático dessa envergadura, até a adesão exagerada pelos oposicionistas parece frustrante. Se as marchas fossem um produto, considerando o preço e a extensão dos seus anúncios noticiosos, ele teria o pior custo-benefício per capta da publicidade universal.
Algo que me intriga no comportamento da coxinhada é o contraste entre o clima brincalhão e o teor horripilante dos cartazes e faixas empunhados. Ninguém dá muita bola para estar fazendo propaganda fascista. Os discursos parecem menos importantes do que o prazer de exibi-los com criatividade, como em certos eventos populares que representam mortos e assombrações.
Os protestos vão se estabelecendo como festas públicas do conservadorismo, onde os adeptos da nova moda podem sair do armário e soltar as frangas sem o patrulhamento do bom senso e da responsabilidade histórica. Com o gradativo esvaziamento da agenda golpista, talvez este seja o prêmio de consolação das suas viúvas: passar vergonha na frente dos outros uma vez por ano.
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