Por Rodrigo Vianna, no blog Escrevinhador:
Nasci em São Paulo. Sou filho da classe média paulistana. Desde 84 ou 85, reconheço os conservadores paulistanos na primeira frase.
Eles já foram janistas (contra o FHC “ateu” em 85, lembram?), depois malufistas (nos embates contra a Erundina “sapatão” e a Marta “vagabunda” – que agora acha que será aceita de volta). Nos últimos tempos, se disfarçam de tucanos. Mas podem virar bolsonarianos, caiadistas… Qualquer coisa serve, desde que signifique a defesa de um estilo de vida individualista, dominado por falso moralismo e por clara devoção aos EUA.
Aos 14 ou 15 anos, eu já ouvia o papo de que “os nordestinos estragaram essa cidade”, ou de que “na época do Médici não tinha essa bagunça”. Ouvia piadinhas em ambientes sociais, sobre como era bom “não ter negros por perto”. Quando meu irmão foi estudar Ciências Sociais, minha mãe ouviu a frase lapidar: “mas isso é faculdade de formar comunista, lá estudou o FHC” (na época, o FHC era apenas o Fernando Henrique, que tinha fama de “marxista” e era visto com desconfiança pela classe média janista/malufista).
Digo isso para explicar que não preciso de pesquisa pra saber quando estou diante do velho conservadorismo paulistano: ele tem cara, sotaque, roupas e trejeitos próprios…
Passei algumas horas no domingo, na avenida Paulista. Logo vi as senhoras aloiradas, com a deselegância (in)discreta de que fala Caetano, e os senhores barrigudos, com um ar de prosperidade e arrogância de quem espera o manobrista trazer o carro depois de um jantar nos Jardins. Esses eram os tipos mais comuns na Paulista.
Causou-me algum asco a procissão de motoqueiros velhos (e também barrigudos) sobre suas Harley-Davidson enfeitadas com “Fora Dilma”, “Prendam o Lula”, “Abaixo o comunismo” (qual comunismo? do PT?). Aceleravam os motores, num exibicionismo constrangedor e agressivo. Eram muitos. Contei quase 500 na esquina da rua Augusta com a Paulista.
Mas, claro, ali estavam também representantes da baixa classe média: “na época do militarismo [eles preferem esse termo, em vez de usar "ditadura"; os mais escolarizados falam em "regime militar" ou "época dos militares", jamais "ditadura"], só bandido era morto, a gente podia andar tranquilo”, diz um homem que se apresenta como taxista.
“O perigo naquela época eram os terroristas, você é jovem e nem ouviu falar no Carlos Lamarca – aquele era perigoso”, afirma um outro, de barba e fumando muito, que se define como “vendedor de comida em porta de estádio e show”.
Faço cara de paisagem, e ele se empolga: “eu era entregador de jornal na Folha, nos anos 70; você sabe quem fazia a segurança da Folha naquela época? O DOPS! Naquela época os comunistas não cresciam pra cima de ninguém”.
Esse era o povo da Paulista: maioria de ricos, brancos, e alguns remediados – mas adeptos da ideia do “self-made man”. Todos ultra-conservadores. Conheço pelo faro. Posso andar entre eles, porque venho desse mesmo chão.
Por volta de meio-dia, cheguei a gravar o depoimento de uma senhora na esquina da Paulista com a Peixoto Gomide: um curto video – que já tem mais de 60 mil visualizações. Ela pedia a morte de Dilma e a volta dos militares.
Clique aqui para assistir o vídeo - https://www.facebook.com/jornalistaslivres/videos/vb.292074710916413/313919395398611/?type=2&theater
Portanto, não me surpreende o perfil traçado pelo DataFolha, entre os 130 mil manifestantes que estiveram na manifestação paulistana:
- 76% cursaram o ensino superior (a média brasileira, segundo o IBGE, é de 7,9% – clique aqui para conferir)
- 40% ganham mais de 3.900 reais por mês (ou seja, quase metade dos presentes está nas classes A/B)
- 77% votaram em Aécio no segundo turno em 2014, e apenas 5% cravaram Dilma.
Esses números bastam pra entender um fato: não estavam na rua os “novos” descontentes com a presidenta – que viraram as costas para o governo por causa das escolhas levyanas. O povão, que está sim bem ressabiado com o governo, não foi (ainda) pra rua. Irá em algum momento? Pode ser, se a política suicida de Levy/Dilma persistir, gerando desemprego e recessão…
Sim, Dilma tem hoje índices muito baixos de aprovação. Mas quem foi à rua nesse dia 16, pra pedir o impeachment ou a morte de Dilma/Lula, é a turma que sempre detestou o PT (muito antes de qualquer “denúncia” de corrupção), e que já havia votado em Aécio no ano passado.
Os arreganhos fascistas na Paulista não significam que uma “onda” de eleitores indignados passou para o lado da oposição. Essa gente da Paulista sempre esteve na oposição, desde 2002.
A diferença é que agora o conservadorismo se sente à vontade para pedir “intervenção militar”, “morte de Dilma”, “fim do PT” (até porque, houve ampla semeadura do discurso de intolerância, por parte de blogueiros da revista da marginal et caterva).
Sim, é assustador ver a face obscura e odienta dos senhores de meia idade da Paulista e de Copacabana. Mas eles sempre estiveram aí. A mim, não enganam. São os de sempre – agora mais assanhados.
É preciso enfrentá-los. Não é possível convencê-los.
Do lado de lá, está o ódio de sempre – turbinado pelo desespero da Veja, pelos cálculos da Globo, pela operação milimétrica empreendida por Sergio Moro… E pelos erros e o excesso de conciliação do PT e de Lula/Dilma.
O que se pode fazer é mostrar como essa gente com camisas da CBF é hipócrita e perigosa para a democracia. A maioria silenciosa dessa vez joga a favor da democracia e da centro-esquerda.
É preciso tirar a maioria do silêncio, e trazê-la também pra rua. O dia 20 de agosto, em parte, pode cumprir essa tarefa.
A agenda de Lula, Brasil afora, também tem o seu papel. É preciso explicitar que a “onda de insatisfação” com Lula/PT está muito centrada em São Paulo. A agenda anti-petista interessa à classe média paulistana, e a franjas de classe média Brasil afora. Mas, especialmente fora de São Paulo, há espaço pra recuperar terreno.
E que Dilma não se esconda de novo, “aliviada” com a trégua da Globo e a adesão mais baixa do que a esperada neste domingo.
O conservadorismo (com toques fascistas) está em alta. E não vai sumir só com acertos e conciliações. Será preciso derrotá-lo nas ruas e nas redes.
Retrato perfeito do perfil da maioria dos paulistanos e de como deve ser a reação.
ResponderExcluirO repique da crise de 2008 está em contagem regressiva, aumentando desconfiança e medo entre os conservadores. Na mesma proporção aumenta a agressividade e inconsequência dessas elites, que agem como se nada tivessem a perder, reinstalando, ironicamente, a pauta da luta de classes.
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