Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Aécio Neves e demais lideranças conservadoras do Congresso perderam uma ótima oportunidade para tomar uma decisão que interessa ao país, faz bem ao povo e até poderia contribuir para melhorar biografias marcadas por demonstrações frequentes de falta de compromisso com as regras da democracia, como se vê no esforço permanente para encaminhar um projeto de impeachment de Dilma Rousseff sem apoio em fatos ou provas.
Estou falando da decisão de questionar a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o financiamento de campanha. Não estamos tratando de matéria secundária, diga-se. Mas da principal porta de entrada da corrupção em nosso sistema político, onde o dinheiro das empresas permite alugar o poder de Estado às costas da vontade do eleitorado. Por uma conjunção astral que ocorre poucas vezes no céu político de um país, os brasileiros conseguiram livrar-se, quem sabe de uma vez por todas, de uma praga que tantos males causou ao regime democrático, tantos desvios trouxe ao uso racional do dinheiro público. Aécio anunciou, ontem, a disposição de tentar revogar a mudança.
O resultado mais visível que essa atitude pode produzir é confirmar um comportamento hipócrita, de quem adora cobrar respeito a lei – quando se trata de acusar adversários – mas se recusa a aceitar uma deliberação legítima da mais alta corte da justiça brasileira, quando o resultado final não lhe convém. Para um partido que transformou as denúncias da Lava Jato – todas baseadas em dinheiro de empreiteiras com interesses na Petrobras – em troféu eleitoral, essa atitude é mais do que risível. Mostra uma preocupante, quem sabe incurável, dependência dos partidos de oposição diante das verbas do setor privado.
"Estamos na hora da verdade," afirmou Gilberto Carvalho, em entrevista ao programa Espaço Público, ontem a noite. Ministro do governo Lula-Dilma entre 2003 e 2015, hoje presidente do Conselho Nacional do SESI, Gilberto Carvalho é um desses fundadores do PT com autoridade para falar do assunto. Nunca deixou de cobrar autocrítica do partido quando seus dirigentes se envolveram em práticas condenáveis. Para Gilberto Carvalho, "esse debate vai mostrar quem quer enfrentar a corrupção e quem faz demagogia para tirar proveito político."
Como você há de recordar, há duas semanas o STF definiu, por 8 votos a 3, que as contribuições de empresas privadas são inconstitucionais. Embora houvesse uma maioria nítida a favor da proibição, desde o início, não foi uma decisão fácil. O debate ficou paralisado um ano e cinco meses, graças a um escandaloso pedido de vistas de Gilmar Mendes. Enquanto isso ocorria no STF, Eduardo Cunha fazia sua parte na Câmara, mobilizando uma maioria formada com volumosas contribuições de empresas para restaurar aquilo que o Supremo pretendia – já tinha votos para isso -- eliminar. Se a ideia era criar um impasse, como é fácil supor, deu errado. Após longa espera, o STF seguiu a votação, definiu a proibição por larga margem e Dilma anunciou o veto.
A decisão do STF poderia ser questionável caso os ministros tivessem exorbitado de seu papel. Isso teria acontecido se, por exemplo, eles tivessem formulado leis específicas para campanhas eleitorais – tarefa que escapa ao Judiciário, pois é uma atribuição específica do Legislativo.
Debatendo uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que chegou ao STF em 2011, os ministros limitaram-se a examinar se as leis ordinárias que até hoje autorizavam as contribuições de empresas privadas são compatíveis com a Constituição de 1988. A partir de uma discussão que produziu votos de alta qualidade, capazes de ir a essência de questões sobre a distinção ontológica entre empresas e cidadãos, e também entre o princípio essencial que define o princípio democrático de 1 homem = 1 voto, como ressaltou o presidente Ricardo Lewandowski, a conclusão é que elas são incompatíveis com princípios constitucionais que punem o abuso de poder econômico.
Os ministros definiram um princípio, sem atravessar uma fronteira, sempre perigosa, de se transformar em legisladores. Agiram com o mesmo método exibido em outros momentos, como em deliberações sobre células tronco embrionárias e sobre cotas raciais. Imagina-se que irão agir da mesma forma quando chegarem a uma conclusão sobre a liberação ou proibição de drogas.
Seu horizonte consiste em definir o que é direito constitucional, o que não é. No caso das contribuições de campanha, concluiu-se que auxiliar candidatos, inclusive com dinheiro, é uma prerrogativa de quem exerce o direito de votar -- coisa que faz parte das atividades de seres humanos, mas não faz parte das atribuições de uma empresa, que sequer são dotados de consciência humana para tanto.
Apoiada na deliberação da mais alta corte do país, o veto de Dilma Rousseff não foi uma decisão isolada. O mesmo projeto que Câmara aprovou tinha sido examinado e reprovado, uma semana antes, pelo Senado, a partir de uma emenda de Vanessa Graziottin (PCdoB-AM).
Apoiada por 70% da população brasileira, conforme o Datafolha, a proibição das contribuições de pessoas jurídicas se apoia na convicção de que elas não passam de uma rasteira compra de favores.
Esse apoio massivo a decisão que o STF tomou reflete a consciência da maioria dos brasileiros sobre o poder nefasto do dinheiro na definição de uma eleição. A grande lição dos sucessivos escândalos de corrupção -- que atingem todos os partidos, em todos as esferas do Estado – mostra que não vivemos um sistema no qual o dinheiro está a serviço do voto, ajudando a pagar despesas e custos de campanhas eleitorais de toda ordem. Isso até seria normal. Criou-se um sistema onde o voto pode ser colocado a serviço do dinheiro, o que é inaceitável.
Este é o debate – e cada um tem a chance de escolher o lado em que pretende ficar.
Aécio Neves e demais lideranças conservadoras do Congresso perderam uma ótima oportunidade para tomar uma decisão que interessa ao país, faz bem ao povo e até poderia contribuir para melhorar biografias marcadas por demonstrações frequentes de falta de compromisso com as regras da democracia, como se vê no esforço permanente para encaminhar um projeto de impeachment de Dilma Rousseff sem apoio em fatos ou provas.
Estou falando da decisão de questionar a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o financiamento de campanha. Não estamos tratando de matéria secundária, diga-se. Mas da principal porta de entrada da corrupção em nosso sistema político, onde o dinheiro das empresas permite alugar o poder de Estado às costas da vontade do eleitorado. Por uma conjunção astral que ocorre poucas vezes no céu político de um país, os brasileiros conseguiram livrar-se, quem sabe de uma vez por todas, de uma praga que tantos males causou ao regime democrático, tantos desvios trouxe ao uso racional do dinheiro público. Aécio anunciou, ontem, a disposição de tentar revogar a mudança.
O resultado mais visível que essa atitude pode produzir é confirmar um comportamento hipócrita, de quem adora cobrar respeito a lei – quando se trata de acusar adversários – mas se recusa a aceitar uma deliberação legítima da mais alta corte da justiça brasileira, quando o resultado final não lhe convém. Para um partido que transformou as denúncias da Lava Jato – todas baseadas em dinheiro de empreiteiras com interesses na Petrobras – em troféu eleitoral, essa atitude é mais do que risível. Mostra uma preocupante, quem sabe incurável, dependência dos partidos de oposição diante das verbas do setor privado.
"Estamos na hora da verdade," afirmou Gilberto Carvalho, em entrevista ao programa Espaço Público, ontem a noite. Ministro do governo Lula-Dilma entre 2003 e 2015, hoje presidente do Conselho Nacional do SESI, Gilberto Carvalho é um desses fundadores do PT com autoridade para falar do assunto. Nunca deixou de cobrar autocrítica do partido quando seus dirigentes se envolveram em práticas condenáveis. Para Gilberto Carvalho, "esse debate vai mostrar quem quer enfrentar a corrupção e quem faz demagogia para tirar proveito político."
Como você há de recordar, há duas semanas o STF definiu, por 8 votos a 3, que as contribuições de empresas privadas são inconstitucionais. Embora houvesse uma maioria nítida a favor da proibição, desde o início, não foi uma decisão fácil. O debate ficou paralisado um ano e cinco meses, graças a um escandaloso pedido de vistas de Gilmar Mendes. Enquanto isso ocorria no STF, Eduardo Cunha fazia sua parte na Câmara, mobilizando uma maioria formada com volumosas contribuições de empresas para restaurar aquilo que o Supremo pretendia – já tinha votos para isso -- eliminar. Se a ideia era criar um impasse, como é fácil supor, deu errado. Após longa espera, o STF seguiu a votação, definiu a proibição por larga margem e Dilma anunciou o veto.
A decisão do STF poderia ser questionável caso os ministros tivessem exorbitado de seu papel. Isso teria acontecido se, por exemplo, eles tivessem formulado leis específicas para campanhas eleitorais – tarefa que escapa ao Judiciário, pois é uma atribuição específica do Legislativo.
Debatendo uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que chegou ao STF em 2011, os ministros limitaram-se a examinar se as leis ordinárias que até hoje autorizavam as contribuições de empresas privadas são compatíveis com a Constituição de 1988. A partir de uma discussão que produziu votos de alta qualidade, capazes de ir a essência de questões sobre a distinção ontológica entre empresas e cidadãos, e também entre o princípio essencial que define o princípio democrático de 1 homem = 1 voto, como ressaltou o presidente Ricardo Lewandowski, a conclusão é que elas são incompatíveis com princípios constitucionais que punem o abuso de poder econômico.
Os ministros definiram um princípio, sem atravessar uma fronteira, sempre perigosa, de se transformar em legisladores. Agiram com o mesmo método exibido em outros momentos, como em deliberações sobre células tronco embrionárias e sobre cotas raciais. Imagina-se que irão agir da mesma forma quando chegarem a uma conclusão sobre a liberação ou proibição de drogas.
Seu horizonte consiste em definir o que é direito constitucional, o que não é. No caso das contribuições de campanha, concluiu-se que auxiliar candidatos, inclusive com dinheiro, é uma prerrogativa de quem exerce o direito de votar -- coisa que faz parte das atividades de seres humanos, mas não faz parte das atribuições de uma empresa, que sequer são dotados de consciência humana para tanto.
Apoiada na deliberação da mais alta corte do país, o veto de Dilma Rousseff não foi uma decisão isolada. O mesmo projeto que Câmara aprovou tinha sido examinado e reprovado, uma semana antes, pelo Senado, a partir de uma emenda de Vanessa Graziottin (PCdoB-AM).
Apoiada por 70% da população brasileira, conforme o Datafolha, a proibição das contribuições de pessoas jurídicas se apoia na convicção de que elas não passam de uma rasteira compra de favores.
Esse apoio massivo a decisão que o STF tomou reflete a consciência da maioria dos brasileiros sobre o poder nefasto do dinheiro na definição de uma eleição. A grande lição dos sucessivos escândalos de corrupção -- que atingem todos os partidos, em todos as esferas do Estado – mostra que não vivemos um sistema no qual o dinheiro está a serviço do voto, ajudando a pagar despesas e custos de campanhas eleitorais de toda ordem. Isso até seria normal. Criou-se um sistema onde o voto pode ser colocado a serviço do dinheiro, o que é inaceitável.
Este é o debate – e cada um tem a chance de escolher o lado em que pretende ficar.
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