Por Altamiro Borges
Os bancos são conhecidos por burlar as leis trabalhistas no país. Apesar dos lucros astronômicos, eles demitem sem justa causa, abusam do assédio moral, pagam míseros salários e adotam várias técnicas de precarização do trabalho. As ações na Justiça contra os banqueiros batem recordes. Diante deste cenário, é justo que juízes trabalhistas recebam grana dos banqueiros para dar palestras ou que gozem de outros regalias? Isto não caracterizaria conflito de interesses, em que os bancários e a sociedade são as principais vítimas? Estas perguntas surgem diante de recente matéria da Folha, intitulada "Banco paga palestra de juízes trabalhistas". Vale conferir a reportagem:
Quatro ministros do TST (Tribunal Superior do Trabalho) receberam pagamentos do Bradesco para proferir palestras no banco desde 2013, mas não se declaram impedidos de julgar processos que têm o banco como parte.
O mais frequente é o atual corregedor-geral da Justiça do Trabalho, ministro João Batista Brito Pereira, que, em dois anos e meio, recebeu R$ 161,8 mil do banco por uma sequência de 12 palestras.
O site do TST informa que Brito Pereira relata hoje dez processos envolvendo o Bradesco no tribunal, a mais alta instância da Justiça trabalhista. Ele também atua em casos de interesse do banco sem ser relator, mas o site não informa esse total. Em seu histórico, já tomou decisões favoráveis e contrárias à instituição.
Os outros três magistrados que receberam do Bradesco são o presidente do TST, Antonio José de Barros Levenhagen, que ganhou R$ 12 mil por uma palestra e aparece como relator de seis casos; Guilherme Augusto Caputo Bastos, R$ 72 mil por seis palestras, 170 ações relatadas; e Márcio Eurico Vitral Amaro, que relata 152 processos, mas não informa quanto recebeu.
Os dados sobre as palestras e os pagamentos foram fornecidos pelos próprios magistrados em resposta a um pedido da Folha com base na Lei de Acesso a Informações.
Nesses eventos, os ministros trataram de temas como dano moral, terceirização e novas súmulas, entre outros. Eles sustentam que não há conflito de interesse em jogo e que os serviços prestados ao banco não interferem nos julgamentos (leia abaixo).
A reportagem perguntou ao Bradesco quanto investe em palestras de magistrados e se membros de outras cortes também costumam ser contratados, mas o banco não respondeu. Afirmou apenas que proporciona "meios de atualização profissional aos seus colaboradores" e que esses meios "envolvem contratações de profissionais, conforme área de interesse".
REGRA
A Lei Orgânica da Magistratura, norma que define regras para a organização dos tribunais e o trabalho dos juízes, tem um artigo que permite o "exercício de cargo de magistério superior, público ou particular". Mas não cita a hipótese de palestras fora de estabelecimentos de ensino.
O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) já produziu resolução sobre patrocínio de empresas privadas em eventos da magistratura. Mas nunca abordou a questão específica de palestras remuneradas.
Em relação ao impedimento no instante de julgar, a legislação também é omissa.
Entre as regras do Código de Processo Civil que determinam o impedimento da atuação do juiz numa ação estão as situações em que o magistrado, seu cônjuge ou parente é parte do processo.
A mesma norma diz que o juiz pode declarar a própria suspeição quando sente que há algum conflito ético. Mas é uma decisão de foro íntimo, que depende da convicção do próprio magistrado.
PROCEDIMENTO
Dos 27 ministros do TST, 24 responderam ao questionário da Folha que pedia a lista de palestras ministradas desde 2013 com data, local, contratante e remuneração bruta.
O maior grupo é o de oito ministros que nada cobraram por palestras. Entre eles estão Ives Gandra da Silva Martins Filho, que disse ter feito 17 palestras, e Kátia Magalhães Arruda, que listou 15 eventos.
Quatro ministros afirmaram que não deram nenhuma palestra desde 2013. E outros oito declararam remuneração em ao menos uma, mas na maioria desses casos foram eventos para faculdades, associações ou órgãos do próprio Judiciário. A maioria recebendo entre R$ 1.000 e R$ 2.000 por evento.
Os exemplos de empresas privadas que remuneraram ministros por palestras são minoria. Além do Bradesco, há uma firma de engenharia chamada LGF e o Grupo Libra, que administra concessões no setor portuário. Nesses casos, porém, a Folha não identificou ações no tribunal.
Na lista de contratantes também há entidades sindicais de patrões e de empregados. Caputo Bastos, por exemplo, diz ter recebido R$ 10 mil por uma palestra na Fecomércio (Federação do Comércio de São Paulo) e outros R$ 10 mil para falar à Federação da Agricultura e Pecuária do Mato Grosso.
A Firjan (Federação da Indústria do Rio) investiu R$ 15 mil para ouvir Levenhagen. E o ministro Douglas Alencar Rodrigues diz ter recebido R$ 15 mil da Força Sindical do Paraná e outros R$ 15 mil da confederação de metalúrgicos ligada à Força.
Três ministros não informaram os contratantes de suas palestras: Aloysio Corrêa da Veiga, Cláudio Mascarenhas Brandão e João Oreste Dalazen. Só disseram que esses rendimentos foram declarados no Imposto de Renda.
Colaborou Marcelo Soares, editor de "Audiência e Dados"
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Os bancos são conhecidos por burlar as leis trabalhistas no país. Apesar dos lucros astronômicos, eles demitem sem justa causa, abusam do assédio moral, pagam míseros salários e adotam várias técnicas de precarização do trabalho. As ações na Justiça contra os banqueiros batem recordes. Diante deste cenário, é justo que juízes trabalhistas recebam grana dos banqueiros para dar palestras ou que gozem de outros regalias? Isto não caracterizaria conflito de interesses, em que os bancários e a sociedade são as principais vítimas? Estas perguntas surgem diante de recente matéria da Folha, intitulada "Banco paga palestra de juízes trabalhistas". Vale conferir a reportagem:
Banco paga palestras de juízes trabalhistas
Quatro ministros do TST receberam do Bradesco, mas não se declaram impedidos em ações que envolvem a instituição
Corregedor da Justiça do Trabalho recebeu R$ 161,8 mil por palestras; eles dizem que isso não interfere nas decisões
Por Ricardo Mendonça e Alexandre Aragão
Quatro ministros do TST receberam do Bradesco, mas não se declaram impedidos em ações que envolvem a instituição
Corregedor da Justiça do Trabalho recebeu R$ 161,8 mil por palestras; eles dizem que isso não interfere nas decisões
Por Ricardo Mendonça e Alexandre Aragão
Quatro ministros do TST (Tribunal Superior do Trabalho) receberam pagamentos do Bradesco para proferir palestras no banco desde 2013, mas não se declaram impedidos de julgar processos que têm o banco como parte.
O mais frequente é o atual corregedor-geral da Justiça do Trabalho, ministro João Batista Brito Pereira, que, em dois anos e meio, recebeu R$ 161,8 mil do banco por uma sequência de 12 palestras.
O site do TST informa que Brito Pereira relata hoje dez processos envolvendo o Bradesco no tribunal, a mais alta instância da Justiça trabalhista. Ele também atua em casos de interesse do banco sem ser relator, mas o site não informa esse total. Em seu histórico, já tomou decisões favoráveis e contrárias à instituição.
Os outros três magistrados que receberam do Bradesco são o presidente do TST, Antonio José de Barros Levenhagen, que ganhou R$ 12 mil por uma palestra e aparece como relator de seis casos; Guilherme Augusto Caputo Bastos, R$ 72 mil por seis palestras, 170 ações relatadas; e Márcio Eurico Vitral Amaro, que relata 152 processos, mas não informa quanto recebeu.
Os dados sobre as palestras e os pagamentos foram fornecidos pelos próprios magistrados em resposta a um pedido da Folha com base na Lei de Acesso a Informações.
Nesses eventos, os ministros trataram de temas como dano moral, terceirização e novas súmulas, entre outros. Eles sustentam que não há conflito de interesse em jogo e que os serviços prestados ao banco não interferem nos julgamentos (leia abaixo).
A reportagem perguntou ao Bradesco quanto investe em palestras de magistrados e se membros de outras cortes também costumam ser contratados, mas o banco não respondeu. Afirmou apenas que proporciona "meios de atualização profissional aos seus colaboradores" e que esses meios "envolvem contratações de profissionais, conforme área de interesse".
REGRA
A Lei Orgânica da Magistratura, norma que define regras para a organização dos tribunais e o trabalho dos juízes, tem um artigo que permite o "exercício de cargo de magistério superior, público ou particular". Mas não cita a hipótese de palestras fora de estabelecimentos de ensino.
O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) já produziu resolução sobre patrocínio de empresas privadas em eventos da magistratura. Mas nunca abordou a questão específica de palestras remuneradas.
Em relação ao impedimento no instante de julgar, a legislação também é omissa.
Entre as regras do Código de Processo Civil que determinam o impedimento da atuação do juiz numa ação estão as situações em que o magistrado, seu cônjuge ou parente é parte do processo.
A mesma norma diz que o juiz pode declarar a própria suspeição quando sente que há algum conflito ético. Mas é uma decisão de foro íntimo, que depende da convicção do próprio magistrado.
PROCEDIMENTO
Dos 27 ministros do TST, 24 responderam ao questionário da Folha que pedia a lista de palestras ministradas desde 2013 com data, local, contratante e remuneração bruta.
O maior grupo é o de oito ministros que nada cobraram por palestras. Entre eles estão Ives Gandra da Silva Martins Filho, que disse ter feito 17 palestras, e Kátia Magalhães Arruda, que listou 15 eventos.
Quatro ministros afirmaram que não deram nenhuma palestra desde 2013. E outros oito declararam remuneração em ao menos uma, mas na maioria desses casos foram eventos para faculdades, associações ou órgãos do próprio Judiciário. A maioria recebendo entre R$ 1.000 e R$ 2.000 por evento.
Os exemplos de empresas privadas que remuneraram ministros por palestras são minoria. Além do Bradesco, há uma firma de engenharia chamada LGF e o Grupo Libra, que administra concessões no setor portuário. Nesses casos, porém, a Folha não identificou ações no tribunal.
Na lista de contratantes também há entidades sindicais de patrões e de empregados. Caputo Bastos, por exemplo, diz ter recebido R$ 10 mil por uma palestra na Fecomércio (Federação do Comércio de São Paulo) e outros R$ 10 mil para falar à Federação da Agricultura e Pecuária do Mato Grosso.
A Firjan (Federação da Indústria do Rio) investiu R$ 15 mil para ouvir Levenhagen. E o ministro Douglas Alencar Rodrigues diz ter recebido R$ 15 mil da Força Sindical do Paraná e outros R$ 15 mil da confederação de metalúrgicos ligada à Força.
Três ministros não informaram os contratantes de suas palestras: Aloysio Corrêa da Veiga, Cláudio Mascarenhas Brandão e João Oreste Dalazen. Só disseram que esses rendimentos foram declarados no Imposto de Renda.
Colaborou Marcelo Soares, editor de "Audiência e Dados"
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