segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Catastrofismo como arma da direita

Por Emir Sader, na Rede Brasil Atual:

Tornou-se senso comum dizer que tudo vai para o pior dos mundos possíveis: aqui, no mundo, na Terra, com guerras, catástrofes humanitárias, ecológicas etc., onde quer que seja. E parece ter uma força explicativa da realidade quando, ao contrário, não entende quais as tendências de transformação da realidade, mais além das aparências catastróficas.

Várias gerações cresceram com a maior previsão catastrofista de todas: o malthusianismo. Malthus prognosticou que, de acordo com o ritmo de crescimento demográfico, a população aumentaria de forma mais acelerada do que a da produção de alimentos, a humanidade estaria condenada à fome. Baseado nessa previsão equivocada, se praticaram todo tipo de políticas de contenção da natalidade, especialmente das populações mais pobres.

Acontece que, como todo catastrofismo, essa previsão projeta de forma unilateral uma tendência, sem levar em conta as contratendências. Esse equívoco não permitiu compreender que hoje se produzem alimentos para o dobro da população mundial, ainda que pessimamente repartidos – o que explica a persistência da fome no mundo, mas por uma via diferente da prognosticada por Malthus.
Vivemos um tempo propício para os catastrofismos, que encontram apoio na realidade concreta. Os campeões do catastrofismo, há décadas, são algumas correntes ecologistas e seus porta-vozes. A humanidade estaria à beira da sua extinção, uma catástrofe ecológica se abateria sobre o mundo, colocando em risco sua sobrevivência, tudo teria de se subordinar a essa tarefa de sobrevivência.
Há inegavelmente graves problemas ecológicos no mundo de hoje e as projeções futuras são negativas. Mas essa absolutização dos problemas ecológicos – com a chantagem do fim do mundo – produz vários equívocos políticos. O primeiro, o de que não se deveria mais tocar na natureza. Houve quem pregasse desmatamento zero já, como a salvação do mundo, comprometendo qualquer possibilidade de crescimento econômico. Correntes fundamentalistas ecológicas se contrapondo ao combate à miséria e preferindo a preservação absoluta de reservas naturais, que permaneceriam inexploradas, segundo essa visão, mesmo às custas da miséria humana.
Por outro lado, essa visão genérica de que “a humanidade se suicida” não dá nome aos bois, as grandes corporações econômicas, os maiores responsáveis pelas degradações ambientais. A visão genérica que culpa a todos em igual medida, impossibilita a colocação em prática de políticas concretas de combate efetivo à deterioração ambiental, que tem a ver com o capitalismo e suas formas de exploração da natureza.
Hoje no Brasil – e em outros países da América Latina também – a direita promove uma visão catastrofista do país. O pessimismo é um instrumento da direita para destruir a autoestima dos brasileiros, o orgulho de ser brasileiro, que o Brasil do Lula imprimiu em todos. Para a campanha atual da direita, nada deu certo, tudo foi uma ilusão, se paga agora o preço por políticas irresponsáveis, “populistas”. Como pregam algumas vozes neoliberais, a vontade de distribuir renda de forma precipitada, sem sólidos fundamentos macroeconômicos, teria levado a bombas de tempo que agora explodem e produziriam retrocessos que anulariam todos os avanços.
Mesmo em setores que se pretendem de esquerda, essa visão se propaga. Especialmente nos meios jornalísticos, em que falta capacidade de análise e de diagnóstico e sobra o alarmismo típico da imprensa.
Nenhuma capacidade de explicação do que acontece no Brasil é substituída pela sucessão de notícias cada vez piores, parece que o país se suicida alegremente. O país aparece como um caos, parece que todos agem de forma irracional, tudo vai para o pior dos mundos.
Então se refugiam no catastrofismo, dão a impressão de reportagens vivas da realidade que se repete monotonamente e que precisa de novas cores de catástrofe, o que só favorece a direita.
No entanto, repetindo Shakespeare, há uma lógica nessa loucura. Há uma feroz luta hegemônica, de tentativa de destruição de tudo o que foi feito nestes anos e uma lógica de resistência e de tentativa de continuidade desse processo.
É disso que se trata. E entender esse brutal processo de luta de classe requer compreender as formas e os interesses que estão em pugna, por trás da aparente irracionalidade de todos, da catástrofe geral, que mais esconde do que revela a realidade do Brasil de hoje.

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