sexta-feira, 18 de setembro de 2015

"Contra Dilma, não há nada"

Marcelo Lavenère
Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:

Autor da denúncia que levou ao impeachment de Fernando Collor, em 1992, o advogado Marcelo Lavenère deveria ser uma referência obrigatória na reflexão sobre o pedido de afastamento de Dilma Rousseff, em 2015. Mas Lavenère tem sido esquecido sistematicamente pelos meios de comunicação que apoiam o impeachment, e também pelos políticos envolvidos na ação contra a presidente. Em entrevista ao 247, o próprio Lavenère explica a razão:

- Vários jornalistas que cobrem as denúncias contra Dilma já me ligaram para pedir que eu fale sobre o impeachment do Collor. Mas quando eu digo que são situações muito diferentes e que eu acho que não há a menor razão para se falar em impeachment da Dilma, eles perdem o interesse e desistem da entrevista.

Então eu vou fazer a pergunta ao senhor, que assinou a denúncia em 1992, ao lado do jornalista Barbosa Lima Sobrinho (morto em 2000). Por que não se pode comparar os dois casos?

A denúncia contra o Fernando Collor teve como base uma apuração detalhada sobre o envolvimento do presidente. Sob a presidência do então senador Amir Lando, uma CPI mista produziu um relatório denso e detalhado, mostrando seu envolvimento de forma clara. As conclusões contra Collor eram indiscutíveis, a tal ponto que o relatório foi aprovado por unanimidade. Quem ler o relatório, ainda hoje, ficará impressionado com sua consistência.

Ninguém tinha dúvidas sobre a responsabilidade do Collor, portanto...

Não. Vou contar uma coisa. Eu só apresentei a denúncia porque recebi um pedido dos principais partidos do Congresso. Foi o próprio Fernando Henrique Cardoso, em nome do PSDB, quem me procurou dizendo que eu tinha de assinar o pedido. O Senador Pedro Simon falou pelo PMDB. O Aldo Rebelo, pelo PCdoB e o Vivaldo Barbosa pelo PDT. Eram os grandes partidos brasileiros, falando por suas lideranças mais respeitadas. O PT, partido do Lula, derrotado por Collor em 1989, não assinou o pedido.

Já é uma mudança. Em 2015, o PSDB de Aécio Neves, que foi derrotado no ano passado, lidera a pressão pelo impeachment, abertamente. Quais são as outras diferenças?

Do ponto de vista jurídico, falar em impeachment contra a Dilma é uma brincadeira. Não existe - e é até difícil falar daquilo que não existe.

O senhor poderia explicar melhor?

Contra Collor, havia fatos. Contra a Dilma, não há nada. Há um movimento político, que vinha desde a campanha. É aquela velha visão autoritária, que dizia: ela não pode se eleger; se for eleita, não tomará posse; se tomar posse, não poderá governar. Depois que Dilma passou pelas etapas anteriores, nós chegamos a este estágio. Sem prova nenhuma, sem fato algum, em que se tenta impedir de qualquer maneira uma presidente eleita de governar. Os fatos não importam aqui. A prioridade é política: precisam encontram fatos capazes de impedir seu governo. É uma decisão política, que querem cumprir de qualquer maneira.

Mas tem a acusação das pedaladas...

Nem vou discutir o mérito das pedaladas, se podem ser consideradas um crime ou não. A discussão é anterior. Estão desrespeitando um ponto fundamental, definido pela Constituição de 1988. As pedaladas não podem servir para acusar uma presidente.

Por que?

Durante a Constituinte, o Celso Mello, que esteve na Casa Civil do José Sarney e depois se tornou ministro do Supremo, deu uma contribuição importante à redação do capítulo do impeachment. Ele ajudou a deixar claro aquele ponto que diz que um presidente só pode ser julgado por fatos ocorridos durante o seu mandato. Para falar claramente: se descobrirem que a Dilma matou 50 crianças antes de 2015, isso não pode ser usado contra ela antes do mandato. Ela vai responder por seus atos, mas depois. Isso está bem claro na Constituição. É só ler o que os constituintes escreveram.

O senhor não pode ser acusado de tentar defender a presidente de qualquer maneira?

Não. Se aparecer uma prova contra ela, vou defender que seja processada. Vou lamentar, porque não espero isso nem acredito que isso vá acontecer. Mas se ocorrer, não há alternativa. Mas não é a situação agora. O que temos, hoje, é a vontade política de impedir a Dilma de governar e só isso.

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