Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Três semanas depois de ter sido reconduzido ao cargo de Procurador Geral da República, Rodrigo Janot foi colocado diante de uma ótima oportunidade para mostrar a que veio depois que o delegado Josélio de Souza, da PF, decidiu pedir que Lula seja ouvido sobre denúncias de corrupção na Petrobras.
É mais um pedido para gerar manchetes que pretendem alimentar o ambiente de criminalização do Partido dos Trabalhadores, sempre útil para dar credibilidade aos pedidos de impeachment de Dilma Rousseff, mas é puro absurdo.
O próprio delegado admite que não há um fiapo de prova contra o ex-presidente. Menciona em seu relatório que os delatores Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef “presumiram que era impossível que Lula não soubesse de nada”, mas reconhece que nenhum dois apontou um “elemento concreto” para embasar essa possibilidade.
Só não é um pedido inteiramente inútil porque, ao admitir que não há “elementos concretos”, o delegado Josélio questiona oficialmente a manchete “Eles sabiam”, usada pela VEJA para tentar, na última hora, reverter a eleição de 2014, certo?
Num país onde vigora o princípio da presunção da inocência, parte essencial do Estado Democrático de Direito, as pessoas não podem ser tratadas como suspeitas em potencial, obrigadas a explicar-se sobre rumores, presunções e hipóteses especulativas. Isso é típico de regimes policiais, onde as pessoas são levadas a uma delegacia “para averiguações.”
“Isso é presunção da culpa”, afirma Wadih Damous (PT-RJ), que já foi presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB.
Para o deputado, "o requerimento do delegado é dispensável e despropositado. Presta-se apenas a criar um fato midiático. Mostra desconhecimento da lei ou a má fé de seu autor. Qualquer das hipóteses traduz incompatibilidade com as funções de um delegado de polícia. "
Destinada a punir pecados - noções puramente espirituais - o Santo Ofício da Inquisição não estava interessada em provas. Queria confissões. Era o que bastava. Mas o acusado não era deixado em paz enquanto não admitisse aquilo que era exibido, com aqueles métodos que todos conhecemos e não precisamos lembrar aqui.
Num estado onde se presume a culpa, os cidadãos devem encontrar aquilo que, em Direito, chama-se “prova diabólica,” onde são obrigados a provar que não fizeram alguma coisa, tarefa que, muitas vezes é impossível. Foi isso que explicou o juiz e professor Rubens Casara, num debate na quarta-feira passada, onde o assunto era a PLS 402, que questiona a presunção da inocência ao autorizar a prisão para condenados em crimes graves antes do transito em julgado -- como prevê a Constituição.
Como se vê, o tema é bem atual.
O esforço para ouvir Lula num depoimento sem elementos concretos atende ao objetivo político-eleitoral de tentar criminalizar a herança de mudanças positivas ocorridas no país a partir de 2003.
Em 13 de agosto, Janot deu uma pequena aula sobre regras democráticas quando assinou despacho em que mandava arquivar uma denúncia encaminhada por Gilmar Mendes, envolvendo uma gráfica que prestou serviços de campanha ao Partidos Trabalhadores, esclarecendo que “não há providencias de talhe cível ou criminal a adotar.”
No mesmo documento, o PGR deixou claro que, numa democracia, o essencial é respeitar a vontade popular. Escreveu que “os atores principais” de uma eleição devem ser "candidatos e eleitores". Também lembrou a "inconveniência de serem, Justiça Eleitoral e Ministério Público Eleitoral, protagonistas – exagerados do espetáculo da democracia."
Mas essa clareza não impediu que, pouco depois, Janot recomendasse a abertura de investigações sobre as campanhas de 2010, quando Dilma obteve o primeiro mandato, e ainda em 2006, quando Lula foi reeleito, um ano depois das denúncias da AP 470.
Vivemos num país onde vigora o inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição. Ali se pode ler que a “a lei não prejudicará o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.”
Isso acontece porque os cidadãos precisam ter segurança de que decisões judiciais, depois que já cumpriram as etapas previstas para serem questionadas e examinadas, não podem ser revistas ao sabor das conveniências de outras épocas e outros personagens – muito menos quando dizem respeito ao próprio poder de Estado.
Os eventuais crimes eleitorais prescrevem em três anos, justamente porque nem juízes nem promotores devem ser “protagonistas exagerados do espetáculo da democracia”, muito menos pela eternidade.
As contas de 2006 – nove anos atrás – foram aprovadas e arquivadas em 2009. As contas de 2010 prescreveram em 2013.
O que aconteceu, então?
Quarenta e oito horas depois que se divulgou que o PGR mandara arquivar o pedido de investigação, Gilmar Mendes afirmou que Janot se comportava como “advogado da presidente.”
Ao noticiar a decisão de investigar as campanhas já julgadas, a revista Época escreveu que “Janot fica incomodado com críticas de que blinda as investigações contra próceres do PT.”
Deu para entender, não?
Depois de inverter o princípio da presunção da inocência pela presunção da culpa, o que se pretende é colocar o Procurador Geral da República sob suspeita – caminho mais fácil para ser pressionado a não cumprir seu dever.
Três semanas depois de ter sido reconduzido ao cargo de Procurador Geral da República, Rodrigo Janot foi colocado diante de uma ótima oportunidade para mostrar a que veio depois que o delegado Josélio de Souza, da PF, decidiu pedir que Lula seja ouvido sobre denúncias de corrupção na Petrobras.
É mais um pedido para gerar manchetes que pretendem alimentar o ambiente de criminalização do Partido dos Trabalhadores, sempre útil para dar credibilidade aos pedidos de impeachment de Dilma Rousseff, mas é puro absurdo.
O próprio delegado admite que não há um fiapo de prova contra o ex-presidente. Menciona em seu relatório que os delatores Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef “presumiram que era impossível que Lula não soubesse de nada”, mas reconhece que nenhum dois apontou um “elemento concreto” para embasar essa possibilidade.
Só não é um pedido inteiramente inútil porque, ao admitir que não há “elementos concretos”, o delegado Josélio questiona oficialmente a manchete “Eles sabiam”, usada pela VEJA para tentar, na última hora, reverter a eleição de 2014, certo?
Num país onde vigora o princípio da presunção da inocência, parte essencial do Estado Democrático de Direito, as pessoas não podem ser tratadas como suspeitas em potencial, obrigadas a explicar-se sobre rumores, presunções e hipóteses especulativas. Isso é típico de regimes policiais, onde as pessoas são levadas a uma delegacia “para averiguações.”
“Isso é presunção da culpa”, afirma Wadih Damous (PT-RJ), que já foi presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB.
Para o deputado, "o requerimento do delegado é dispensável e despropositado. Presta-se apenas a criar um fato midiático. Mostra desconhecimento da lei ou a má fé de seu autor. Qualquer das hipóteses traduz incompatibilidade com as funções de um delegado de polícia. "
Destinada a punir pecados - noções puramente espirituais - o Santo Ofício da Inquisição não estava interessada em provas. Queria confissões. Era o que bastava. Mas o acusado não era deixado em paz enquanto não admitisse aquilo que era exibido, com aqueles métodos que todos conhecemos e não precisamos lembrar aqui.
Num estado onde se presume a culpa, os cidadãos devem encontrar aquilo que, em Direito, chama-se “prova diabólica,” onde são obrigados a provar que não fizeram alguma coisa, tarefa que, muitas vezes é impossível. Foi isso que explicou o juiz e professor Rubens Casara, num debate na quarta-feira passada, onde o assunto era a PLS 402, que questiona a presunção da inocência ao autorizar a prisão para condenados em crimes graves antes do transito em julgado -- como prevê a Constituição.
Como se vê, o tema é bem atual.
O esforço para ouvir Lula num depoimento sem elementos concretos atende ao objetivo político-eleitoral de tentar criminalizar a herança de mudanças positivas ocorridas no país a partir de 2003.
Em 13 de agosto, Janot deu uma pequena aula sobre regras democráticas quando assinou despacho em que mandava arquivar uma denúncia encaminhada por Gilmar Mendes, envolvendo uma gráfica que prestou serviços de campanha ao Partidos Trabalhadores, esclarecendo que “não há providencias de talhe cível ou criminal a adotar.”
No mesmo documento, o PGR deixou claro que, numa democracia, o essencial é respeitar a vontade popular. Escreveu que “os atores principais” de uma eleição devem ser "candidatos e eleitores". Também lembrou a "inconveniência de serem, Justiça Eleitoral e Ministério Público Eleitoral, protagonistas – exagerados do espetáculo da democracia."
Mas essa clareza não impediu que, pouco depois, Janot recomendasse a abertura de investigações sobre as campanhas de 2010, quando Dilma obteve o primeiro mandato, e ainda em 2006, quando Lula foi reeleito, um ano depois das denúncias da AP 470.
Vivemos num país onde vigora o inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição. Ali se pode ler que a “a lei não prejudicará o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.”
Isso acontece porque os cidadãos precisam ter segurança de que decisões judiciais, depois que já cumpriram as etapas previstas para serem questionadas e examinadas, não podem ser revistas ao sabor das conveniências de outras épocas e outros personagens – muito menos quando dizem respeito ao próprio poder de Estado.
Os eventuais crimes eleitorais prescrevem em três anos, justamente porque nem juízes nem promotores devem ser “protagonistas exagerados do espetáculo da democracia”, muito menos pela eternidade.
As contas de 2006 – nove anos atrás – foram aprovadas e arquivadas em 2009. As contas de 2010 prescreveram em 2013.
O que aconteceu, então?
Quarenta e oito horas depois que se divulgou que o PGR mandara arquivar o pedido de investigação, Gilmar Mendes afirmou que Janot se comportava como “advogado da presidente.”
Ao noticiar a decisão de investigar as campanhas já julgadas, a revista Época escreveu que “Janot fica incomodado com críticas de que blinda as investigações contra próceres do PT.”
Deu para entender, não?
Depois de inverter o princípio da presunção da inocência pela presunção da culpa, o que se pretende é colocar o Procurador Geral da República sob suspeita – caminho mais fácil para ser pressionado a não cumprir seu dever.
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