Por Wladimir Pomar, no site Correio da Cidadania:
Talvez a esquerda, os progressistas, nacionalistas e democratas devam aprender com a história, e também com a direita, como criar uma pauta unificadora. Por incrível que possa parecer, as grandes uniões ou consensos sociais e políticos não começam pela compreensão de uma pauta positiva. Em geral, e principalmente, começam por uma pauta negativa.
Tem sido com uma pauta desse tipo que a direita procura se arvorar como representante política dos descontentes, que hoje abrangem amplos setores de todas as camadas sociais. Tal pauta negativa foi primeiramente martelada com insistência pelo oligopólio da mídia, desde os governos Lula. Depois, conseguiu ser transformada em mobilização de massa durante as manifestações de junho de 2013. Sofreu percalços, com o sucesso da Copa Mundial de Futebol e com a derrota de Aécio, nas eleições de 2014. Mas manteve seu ímpeto com a eleição de um parlamento majoritariamente conservador e reacionário, e com o êxito de pregar no PT a pecha de corrupto e, no governo, a pecha de incompetente.
O PT e o governo teriam que se contrapor a essa pauta negativa da direita levando em conta as novas condições econômicas e políticas adversas. Em outras palavras, teriam que ter dado sequência a algumas negativas ensaiadas na campanha eleitoral (contra qualquer retrocesso nos direitos dos trabalhadores, “nem que a vaca tussa”, por exemplo).
Poderiam ter levantado mais alto sua voz “contra o combate à inflação baseado no aumento dos juros”, “contra o descontrole do câmbio”, “contra os cortes nos investimentos públicos”, “contra a desindustrialização”, “contra a subordinação ou dependência às redes globais das corporações transnacionais”, “contra a privatização das estatais”, “contra qualquer aumento do desemprego”, “contra a recessão”, “contra a tributação regressiva”, e “contra ajustes fiscais que penalizem os trabalhadores e os mais pobres”.
Poderiam também ter dado mais ênfase à sua posição política “contra o financiamento privado a partidos e campanhas eleitorais”, “contra corruptores e corruptos”, “contra atentados às liberdades democráticas”, “contra a propriedade oligopólica dos meios de comunicação”, “contra a revogação dos direitos democráticos e sociais constantes na Constituição”, “contra manifestações que reivindicam o retorno da ditadura” etc. etc.
Era sobre esses “contras”, ou sobre essa “pauta negativa”, que seria possível ter clareza sobre a pauta positiva a ser aplicada. Como isso não ocorreu, estamos diante de pelo menos duas crises graves: uma crise econômica que o Brasil parecia ter se livrado desde 2004, e de uma crise política em que a direita raivosa parece estar dando as cartas principais. E, tão grave quanto isso, as forças de esquerda, progressistas, nacionalistas e democráticas encontram-se divididas em torno de pautas diferentes, tanto negativas quanto positivas. Impressiona, sobretudo, que nos partidos de esquerda haja bastante gente cujo item principal é a candidatura para as eleições municipais.
De qualquer modo, são essas crises articuladas, essencialmente negativas, que estão nos empurrando a um esforço imediato de unificação em torno daqueles itens contra os quais nos indignamos e nos batemos. Ou seja, em torno de uma “pauta negativa”, “doa a quem doer”, que crie as condições para construir uma “pauta positiva” mínima que nos permita enfrentar e derrotar a ofensiva conservadora e reacionária.
Os problemas estão saltando à vista. Nas áreas econômica e social: recessão, cortes nos direitos trabalhistas, juros altos, cortes nos investimentos públicos, descontrole cambial, desindustrialização, produção insuficiente de alimentos, desemprego, regressão em vários direitos sociais. Na área política e social: pressão para manter o financiamento privado de partidos e campanhas eleitorais, tentativas de focar apenas os “partidos aliados do governo” em casos de corrupção, tentativas de envolver Lula em casos de corrupção empresarial, pressão para desconstitucionalizar os direitos sociais conquistados em 1988 e pressão permanente para restringir ou liquidar as liberdades democráticas. Na política externa: pressões para desconstruir os Brics, descontinuar a integração sul-americana, retornar à dependência das “cadeias produtivas globais”, e interferir nos assuntos internos de outros países.
Certamente, a lista de problemas para a pauta negativa não se esgota aí, e talvez muitos dos itens acima não sejam de importância para uma ou para diversas forças políticas. Apesar disso, vários deles são vistos de forma idêntica pelas forças de esquerda, progressistas, nacionalistas e democráticas, permitindo criar uma “pauta negativa comum”. Isso não significa que cada uma dessas forças abandone os pontos tradicionais de sua própria pauta negativa. Significa apenas que a pauta comum pode e deve gerar uma mobilização social exponencialmente maior do que a atingida até agora para enfrentar as crises econômica, social e política e barrar a ofensiva conservadora e reacionária.
O processo de luta “contra” também não significa que a negação não possa nem deva transformar-se em afirmação, ou numa pauta positiva. Ao contrário, a unificação das diversas forças em torno de uma pauta negativa comum cria condições reais para que elas discutam os diversos itens que podem mantê-las unificadas em torno de pautas positivas, tanto no âmbito conjuntural quanto no âmbito estrutural. O cimento da mobilização e da luta “contra” é o mesmo cimento que lhes impedirá de afundar em areia movediça e lhes permitirá construir pautas unificadas a “favor”.
Mesmo porque faz tempo que as forças progressistas brasileiras demandam um projeto, ou uma estratégia, capaz de unificá-las na luta pela superação das mazelas e desigualdades do desenvolvimento capitalista subordinado e dependente. Desenvolvimento que se consolidou desde os anos 1950 e, desde então, vem gerando periódicas crises devastadoras que amplificam a pobreza e a miséria, ao mesmo tempo em que centralizam a riqueza em menos de 1% da população.
Talvez a esquerda, os progressistas, nacionalistas e democratas devam aprender com a história, e também com a direita, como criar uma pauta unificadora. Por incrível que possa parecer, as grandes uniões ou consensos sociais e políticos não começam pela compreensão de uma pauta positiva. Em geral, e principalmente, começam por uma pauta negativa.
Tem sido com uma pauta desse tipo que a direita procura se arvorar como representante política dos descontentes, que hoje abrangem amplos setores de todas as camadas sociais. Tal pauta negativa foi primeiramente martelada com insistência pelo oligopólio da mídia, desde os governos Lula. Depois, conseguiu ser transformada em mobilização de massa durante as manifestações de junho de 2013. Sofreu percalços, com o sucesso da Copa Mundial de Futebol e com a derrota de Aécio, nas eleições de 2014. Mas manteve seu ímpeto com a eleição de um parlamento majoritariamente conservador e reacionário, e com o êxito de pregar no PT a pecha de corrupto e, no governo, a pecha de incompetente.
O PT e o governo teriam que se contrapor a essa pauta negativa da direita levando em conta as novas condições econômicas e políticas adversas. Em outras palavras, teriam que ter dado sequência a algumas negativas ensaiadas na campanha eleitoral (contra qualquer retrocesso nos direitos dos trabalhadores, “nem que a vaca tussa”, por exemplo).
Poderiam ter levantado mais alto sua voz “contra o combate à inflação baseado no aumento dos juros”, “contra o descontrole do câmbio”, “contra os cortes nos investimentos públicos”, “contra a desindustrialização”, “contra a subordinação ou dependência às redes globais das corporações transnacionais”, “contra a privatização das estatais”, “contra qualquer aumento do desemprego”, “contra a recessão”, “contra a tributação regressiva”, e “contra ajustes fiscais que penalizem os trabalhadores e os mais pobres”.
Poderiam também ter dado mais ênfase à sua posição política “contra o financiamento privado a partidos e campanhas eleitorais”, “contra corruptores e corruptos”, “contra atentados às liberdades democráticas”, “contra a propriedade oligopólica dos meios de comunicação”, “contra a revogação dos direitos democráticos e sociais constantes na Constituição”, “contra manifestações que reivindicam o retorno da ditadura” etc. etc.
Era sobre esses “contras”, ou sobre essa “pauta negativa”, que seria possível ter clareza sobre a pauta positiva a ser aplicada. Como isso não ocorreu, estamos diante de pelo menos duas crises graves: uma crise econômica que o Brasil parecia ter se livrado desde 2004, e de uma crise política em que a direita raivosa parece estar dando as cartas principais. E, tão grave quanto isso, as forças de esquerda, progressistas, nacionalistas e democráticas encontram-se divididas em torno de pautas diferentes, tanto negativas quanto positivas. Impressiona, sobretudo, que nos partidos de esquerda haja bastante gente cujo item principal é a candidatura para as eleições municipais.
De qualquer modo, são essas crises articuladas, essencialmente negativas, que estão nos empurrando a um esforço imediato de unificação em torno daqueles itens contra os quais nos indignamos e nos batemos. Ou seja, em torno de uma “pauta negativa”, “doa a quem doer”, que crie as condições para construir uma “pauta positiva” mínima que nos permita enfrentar e derrotar a ofensiva conservadora e reacionária.
Os problemas estão saltando à vista. Nas áreas econômica e social: recessão, cortes nos direitos trabalhistas, juros altos, cortes nos investimentos públicos, descontrole cambial, desindustrialização, produção insuficiente de alimentos, desemprego, regressão em vários direitos sociais. Na área política e social: pressão para manter o financiamento privado de partidos e campanhas eleitorais, tentativas de focar apenas os “partidos aliados do governo” em casos de corrupção, tentativas de envolver Lula em casos de corrupção empresarial, pressão para desconstitucionalizar os direitos sociais conquistados em 1988 e pressão permanente para restringir ou liquidar as liberdades democráticas. Na política externa: pressões para desconstruir os Brics, descontinuar a integração sul-americana, retornar à dependência das “cadeias produtivas globais”, e interferir nos assuntos internos de outros países.
Certamente, a lista de problemas para a pauta negativa não se esgota aí, e talvez muitos dos itens acima não sejam de importância para uma ou para diversas forças políticas. Apesar disso, vários deles são vistos de forma idêntica pelas forças de esquerda, progressistas, nacionalistas e democráticas, permitindo criar uma “pauta negativa comum”. Isso não significa que cada uma dessas forças abandone os pontos tradicionais de sua própria pauta negativa. Significa apenas que a pauta comum pode e deve gerar uma mobilização social exponencialmente maior do que a atingida até agora para enfrentar as crises econômica, social e política e barrar a ofensiva conservadora e reacionária.
O processo de luta “contra” também não significa que a negação não possa nem deva transformar-se em afirmação, ou numa pauta positiva. Ao contrário, a unificação das diversas forças em torno de uma pauta negativa comum cria condições reais para que elas discutam os diversos itens que podem mantê-las unificadas em torno de pautas positivas, tanto no âmbito conjuntural quanto no âmbito estrutural. O cimento da mobilização e da luta “contra” é o mesmo cimento que lhes impedirá de afundar em areia movediça e lhes permitirá construir pautas unificadas a “favor”.
Mesmo porque faz tempo que as forças progressistas brasileiras demandam um projeto, ou uma estratégia, capaz de unificá-las na luta pela superação das mazelas e desigualdades do desenvolvimento capitalista subordinado e dependente. Desenvolvimento que se consolidou desde os anos 1950 e, desde então, vem gerando periódicas crises devastadoras que amplificam a pobreza e a miséria, ao mesmo tempo em que centralizam a riqueza em menos de 1% da população.
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