Por Emir Sader, na Rede Brasil Atual:
Pelas implicações diretas que há para o Brasil, provavelmente não exista país sobre o qual o peso da ideologia conservadora pese tanto quanto em tudo o que se refere à Argentina. A própria similaridade de vários aspectos da história dos dois países facilita as comparações e a utilização do que ocorre num deles para fazer a luta ideológica e política no outro.
Juan Domingo Perón e Getúlio Vargas, Arturo Frondizi e JK, os golpes de 1964 aqui e de 1976 lá, Raúl Alfonsín e José Sarney, Menem e Fernando Henrique Cardoso, Lula e os Kirchner. Bastaria essas referências para que se misturem as visões que se tem do que ocorre num país e no outro. Mas as duas mais decisivas são Perón e Getúlio como matriz inicial da história política dos dois países e sua projeção para Lula e os Kirchner, em sua expressão mais recente.
Em um momento em que lhe faltavam palavras para agredir ao Lula, FHC disse que o governo dele era um “subperonismo”. Dava por estabelecido que “peronismo” é um palavrão no Brasil – sindicalistas assaltando o Estado, populismo, nacionalismo, etc. etc. Mas nem a isso teria chegado o governo do Lula.
Com essa visão degradada do peronismo e a visão correspondente da Argentina, tornou-se impossível para a direita brasileira entender o que acontece no país vizinho. Se aderiu à absurda corrente historiográfica que considera que o peronismo foi o começo da decadência argentina e não um momento do seu auge.
Neste século, as analogias entre Lula e o kirchnerismo foram inevitáveis para a direita. Em lugar de partir da analogia entre a pior crise da história argentina, com a implosão da política neoliberal da paridade, e a herança maldita deixada por FHC, saltam esse período incômodo para a direita, e buscam julgar os governos dos Kirchner e do Lula e da Dilma.
Pela visão deturpada que tem da economia argentina, com suas consequências sociais e políticas, a direita – incluída especialmente a mídia – nunca conseguiu entender o espetacular resgate que os Kirchner realizaram da crise herdada e o ciclo de expansão econômica que aquele pais viveu. Não puderam entender como a Cristina se elegeu presidenta e se reelegeu, porque reproduziam mecanicamente aqui as visões absurdas da mídia de direita da Argentina. Tiveram de se calar ou dizer que foi a divisão da oposição ou outro contingente qualquer por não poder dar conta do sucesso do governo da Cristina.
Agora essa incompreensão se reproduz. Afinal, uma economia que arrasta índices de inflação acima dos 20%, mercado negro do dólar que o cotiza muito acima da cotação normal, que enfrenta a ofensiva dos fundos abutre, só pode estar muito mal. Reproduz-se sobre a Argentina a mantra da direita e da ultraesquerda: fim do ciclo kirchnerista, que corresponderia ao fim do ciclo de governos progressistas na América Latina.
Mas o candidato da Cristina, o governador da província de Buenos Aires, Daniel Scioli, é amplo favorito para se eleger como seu sucessor, já no primeiro turno ou eventualmente no segundo. O projeto de um candidato peronista dissidente, com Sergio Massa, fracassou, depois de liderar as pesquisas, ele desabou para o terceiro lugar, tira votos do outro candidato opositor e o feitiço se volta contra os feiticeiros, porque ele pode ajudar Scioli a triunfar no primeiro turno.
O candidato da direita pura e dura, Mauricio Macri, promovido pela mídia ex-presidente do Boca Juniors e, por dois mandatos, prefeito da conservadora cidade de Buenos Aires, não consegue ameaçar a liderança de Scioli, perdeu pontos nas últimas pesquisas, apesar de suas grotescas tentativas de se aproximar de votos peronistas, chegando a inaugurar uma estátua de Perón, depois de encarnar a oposição mais dura a qualquer tipo de peronismo.
O candidato da Cristina deve dar continuidade ao ciclo do kirchnerismo, para desespero da direita brasileira e diante da sua incapacidade para explicar o sucesso de um governo que, pelos critérios absolutos do neoliberalismo – inflação, taxa de câmbio – deveria ser um governo fracassado e esgotado.
É que, lá como aqui, a direita é incapaz de compreender e assimilar a prioridade das políticas sociais dos governos pós-neoliberais, que resgata nossos países da miséria produzida e reproduzida pelos governos da direita. E que daí vem um apoio popular inquestionável que, lá como aqui, elegeu e reelege governos que encarnam essas políticas.
O ciclo kirchnerista terá continuidade na Argentina, mesmo se Scioli não era o candidato preferido da Cristina. Ela se deu conta que era o mais popular, o que dá garantias de continuidade do seu governo e o apoia fortemente. Haverá matizes de mudança no novo governo e a formidável presença de Cristina será sentida, pelo papel que ela desempenhou nestes anos todos. Mas sua força política, expressa no vice-presidente, no governador da província de Buenos Aires, numa grande bancada parlamentar vinculada a ela, e sobretudo na sua enorme liderança popular, seguirão presentes na Argentina como um fator politico incontornável.
Juan Domingo Perón e Getúlio Vargas, Arturo Frondizi e JK, os golpes de 1964 aqui e de 1976 lá, Raúl Alfonsín e José Sarney, Menem e Fernando Henrique Cardoso, Lula e os Kirchner. Bastaria essas referências para que se misturem as visões que se tem do que ocorre num país e no outro. Mas as duas mais decisivas são Perón e Getúlio como matriz inicial da história política dos dois países e sua projeção para Lula e os Kirchner, em sua expressão mais recente.
Em um momento em que lhe faltavam palavras para agredir ao Lula, FHC disse que o governo dele era um “subperonismo”. Dava por estabelecido que “peronismo” é um palavrão no Brasil – sindicalistas assaltando o Estado, populismo, nacionalismo, etc. etc. Mas nem a isso teria chegado o governo do Lula.
Com essa visão degradada do peronismo e a visão correspondente da Argentina, tornou-se impossível para a direita brasileira entender o que acontece no país vizinho. Se aderiu à absurda corrente historiográfica que considera que o peronismo foi o começo da decadência argentina e não um momento do seu auge.
Neste século, as analogias entre Lula e o kirchnerismo foram inevitáveis para a direita. Em lugar de partir da analogia entre a pior crise da história argentina, com a implosão da política neoliberal da paridade, e a herança maldita deixada por FHC, saltam esse período incômodo para a direita, e buscam julgar os governos dos Kirchner e do Lula e da Dilma.
Pela visão deturpada que tem da economia argentina, com suas consequências sociais e políticas, a direita – incluída especialmente a mídia – nunca conseguiu entender o espetacular resgate que os Kirchner realizaram da crise herdada e o ciclo de expansão econômica que aquele pais viveu. Não puderam entender como a Cristina se elegeu presidenta e se reelegeu, porque reproduziam mecanicamente aqui as visões absurdas da mídia de direita da Argentina. Tiveram de se calar ou dizer que foi a divisão da oposição ou outro contingente qualquer por não poder dar conta do sucesso do governo da Cristina.
Agora essa incompreensão se reproduz. Afinal, uma economia que arrasta índices de inflação acima dos 20%, mercado negro do dólar que o cotiza muito acima da cotação normal, que enfrenta a ofensiva dos fundos abutre, só pode estar muito mal. Reproduz-se sobre a Argentina a mantra da direita e da ultraesquerda: fim do ciclo kirchnerista, que corresponderia ao fim do ciclo de governos progressistas na América Latina.
Mas o candidato da Cristina, o governador da província de Buenos Aires, Daniel Scioli, é amplo favorito para se eleger como seu sucessor, já no primeiro turno ou eventualmente no segundo. O projeto de um candidato peronista dissidente, com Sergio Massa, fracassou, depois de liderar as pesquisas, ele desabou para o terceiro lugar, tira votos do outro candidato opositor e o feitiço se volta contra os feiticeiros, porque ele pode ajudar Scioli a triunfar no primeiro turno.
O candidato da direita pura e dura, Mauricio Macri, promovido pela mídia ex-presidente do Boca Juniors e, por dois mandatos, prefeito da conservadora cidade de Buenos Aires, não consegue ameaçar a liderança de Scioli, perdeu pontos nas últimas pesquisas, apesar de suas grotescas tentativas de se aproximar de votos peronistas, chegando a inaugurar uma estátua de Perón, depois de encarnar a oposição mais dura a qualquer tipo de peronismo.
O candidato da Cristina deve dar continuidade ao ciclo do kirchnerismo, para desespero da direita brasileira e diante da sua incapacidade para explicar o sucesso de um governo que, pelos critérios absolutos do neoliberalismo – inflação, taxa de câmbio – deveria ser um governo fracassado e esgotado.
É que, lá como aqui, a direita é incapaz de compreender e assimilar a prioridade das políticas sociais dos governos pós-neoliberais, que resgata nossos países da miséria produzida e reproduzida pelos governos da direita. E que daí vem um apoio popular inquestionável que, lá como aqui, elegeu e reelege governos que encarnam essas políticas.
O ciclo kirchnerista terá continuidade na Argentina, mesmo se Scioli não era o candidato preferido da Cristina. Ela se deu conta que era o mais popular, o que dá garantias de continuidade do seu governo e o apoia fortemente. Haverá matizes de mudança no novo governo e a formidável presença de Cristina será sentida, pelo papel que ela desempenhou nestes anos todos. Mas sua força política, expressa no vice-presidente, no governador da província de Buenos Aires, numa grande bancada parlamentar vinculada a ela, e sobretudo na sua enorme liderança popular, seguirão presentes na Argentina como um fator politico incontornável.
E não esquecer que o papa Macri era sócio do Lício Gelli (P2). Disso os argentinos (ao contário daquí) não esquecem.
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